disse o João Proença (o da
UGT) numa entrevista que saiu este fds qualquer coisa como isto: «somos
um povo muito pacífico, mas ninguém se esqueça que já matamos um rei...»
segunda-feira, 30 de abril de 2012
e, afinal?...
eu também me emocionei ao ouvir. e entendi (novamente?) as palavras da mãe, há coisa dum ano atrás, quando afirmou que estes seus dois filhos eram muito mais parecidos que se poderia pensar.
duro :-(
terrível. ontem apertou-se-me o peito quando a senti logo às primeiras linhas :-( as crónicas do Miguel eram sempre lidas em angústia, com uma mistura de sentimentos contraditórios antes de iniciá-las, e o medo era um dos mais presentes. infelizmente ontem confirmou-se. percebia-se, sentia-se tão bem que ele divagava, passeava por ementas e por quotidianos tentando esconder - disfarçar tão mal! a sua dor, o medo, e o enorme amor que os une sempre, sempre nas linhas, nunca no entrelinhado. neste era o medo.
nós, leitores, era igualmente a medo que o procurávamos na penúltima página. e o suspiro, quando se lia afinal "só" mais uma crónica "à MEC", um recanto que descobriu para se comer em paz com a vida, um passeio que recomenda, algo dos quotidianos que lhe chamou a atenção e no-lo contava à sua maneira tão própria. mas a dor e o medo sempre presentes. e, ontem... :-(
sábado, 28 de abril de 2012
grumpy story
eu
não quero armar-me aos cágados (mas se se entender que o estou, então
igualmente me estou borrifando) mas a pobreza intelectual, mascarada de
tendenciosas amnésias e maldosas deturpações, dá um pulo do caraças e
emerge a tocar sininhos e trombones aquando da passagem das datas
evocativas dos nossos factos históricos mais relevantes. e este "Abril"
nem é que tenha sido especialmente ruim. talvez
a paciência do observador é que esteja em momento mau para aturar a
brigada dos mesmos-de-sempre, e as velhas, velhas destilações e
aerofagia de sempre
para o ano, e ver se me lembro e hiberno antes. se ainda cá andar
(foto sacada avulsa na net. sei lá quem é o senhor! porém pus no Google
Imagens uma certa designação e apareceu esta, cara chapada. ficou,
pois)
girassóis
Je quitte une dictature
tropicale en folie
encore vaguement puceau
quand j'arrive à Montreal
en plein été 76.
Je regarde le ciel
en pensant qu'il y a
quelques minutes
j'étais là-haut
parmi les étoiles.
La première fois.
Dany Laferrière*, "Chronicle de la dérive douce"
este poema é como uma bala perdida. voa entre as estrelas, quase-quase inócuo, mas fere... então escolhi-lhe como imagem mais uns girassóis de Van Gogh.
*Dany é um jornalista haitiano que emigrou em 1976 para o Canadá, na sequência do clima de terror generalizado que persistia na ilha. e persiste, sob tantas outras formas também
sexta-feira, 27 de abril de 2012
quinta-feira, 26 de abril de 2012
EuroToutatis
Um jornalista, numa entrevista de rua, pergunta a um indivíduo:
- O que o sr. faria se lhe saísse o Euromilhões?
- Metade, gastava em putas e champanhe.
- E a outra metade?
- Era para gastar mal gasto!
quarta-feira, 25 de abril de 2012
memória
a colecção, que julgo completa, da emissão da RTP no 25 de Abril de 1974.
foi tremendo assistir-lhe assim, de fio a pavio. a maioria já a conhecia, mas como imagens isoladas. mas, assim, o impacto emocional é outro. forte. e quando chegaram as primeiras de rua, de onde a revolução se fazia, pensava: é ali que se devia estar. não em casa olhando a tv, não em casa acolhendo os repetidos avisos (conselhos? bah...) para que não se saísse à rua. a revolução vivia-se na rua. no Carmo, no Rossio, no Camões, em qualquer lugar mas nunca num bafiento e temeroso. chega. chegava de medos.
e ao ouvir as notícias sobre a tardia rendição da DGS, da sua resistência à História, dos cinco mortos e alguns feridos recordei-me naturalmente do meu amigo Rui Morais, que foi lá ferido por balas criminosas que dispararam sobre a multidão. ele mostrou-me as duas marcas das balas nas costas, uns meses mais tarde, lá em LM.
(onde andarás, Rui? alguém me disse que para a Suíça, mas não tenho a certeza. não sei. sei que gostava de te rever, a ti e à Marília caso ainda estejas com ela. e ao Jorge, o teu irmão. recordarmos a "república" em que vivemos todos em 76, perto da Praça das Flores, ali a S.Bento. gostava de te rever, amigo, gostava sim. fomos especiais porque vivemos momentos especiais. tu cá e eu lá, antes lá quando me introduziste a coisas que eu não sabia e contigo aprendi, livros que nunca esqueci. depois cá, contra-a-corrente, a nossa anarquia dissidente. a nossa práxis orgulhosamente de lumpen, também essa revolução. tenho saudades, Rui)
uma hora e tal de História. somos fruto do que aconteceu naquela noite e naquele dia e o saldo tem muito mais de positivo do que de deita fora. 25A, Sempre! na minha geração este sentimento nunca mudará, tenha-nos a vida dados pontapés em cima de pontapés, há um poema que nos diz
"Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo"
(Sophia)
e a poesia das palavras não mente: ela pode silenciar-se mas ela sente
Parkinson no coração
Devia morrer-se de outra maneira
Devia morrer-se de outra maneira.
Transformarmo-nos em fumo, por exemplo.
Ou em nuvens.
Quando nos sentíssemos cansados, fartos do mesmo sol
a fingir de novo todas as manhãs, convocaríamos
os amigos mais íntimos com um cartão de convite
para o ritual do Grande Desfazer: "Fulano de tal comunica
a V. Exa. que vai transformar-se em nuvem hoje
às 9 horas. Traje de passeio".
E então, solenemente, com passos de reter tempo, fatos
escuros, olhos de lua de cerimónia, viríamos todos assistir
a despedida.
Apertos de mãos quentes. Ternura de calafrio.
"Adeus! Adeus!"
E, pouco a pouco, devagarinho, sem sofrimento,
numa lassidão de arrancar raízes...
(primeiro, os olhos... em seguida, os lábios... depois os cabelos...)
a carne, em vez de apodrecer, começaria a transfigurar-se
em fumo... tão leve... tão subtil... tão pólen...
como aquela nuvem além (vêem?) — nesta tarde de outono
ainda tocada por um vento de lábios azuis...
José Gomes Ferreira
...e quando o li e ouvi, lá*, saiu-me assim esta confissão:
"belo.
mas eu não quero morrer nem em fumo. não posso! tenho uma doença que
não me permite esse luxo "de morrer". tenho Parkinson no coração. ele
treme, treme, e sinto-me como um tubo de ensaio para médicos (ou
poetas, c'est la memme chose) ensaiarem ensaios tontos ou poemas
eruditos sobre as moléstias das
coronárias. não, não posso fazer-me em fumo. como! faria sinais. mesmo
assim, adelgarçar-me-ia em ron-rons e infestaria as árvores, as flores, a
atmosfera: Parkinson no gordinho é lixado. treme tanto que até eu tremo
mal o sinto a agitar-se, a acordar. e se ele acorda!... há momentos em
que o tum-tum parecem gritos, ouvem? eu ouço. se calhar só eu é que
ouço, se calhar o fumo só o veriam aqueles meu colegas de enfermaria que
mais invejo. sabem quem são? eu conto-vos. conto sim. invejo os do
Alzheimer. os "do alemão". que não recordam amores, que não palpitam que
nem uma batata frita, como diz a cantilena dos putos quando se gozam
uns aos outros por causa das paixões. os fumos, é verdade. estava a
esquecer-me. vêm? eu perco-me tanto... é do Parkinsom, certamente.
efeitos colaterais. as tremuras não: essas são dos directos. venham mais
médicos e tragam poetas: expliquem-me por favor. digam-me - mas
digam-me devagarinho para eu perceber! se vou ou não morrer desta
doença. é que sofro, sabem? apaixono-me e sofro. (do coração; um poema
ou um cardiologista por favor). se não chegarem a consenso, deixem...
cheguem-me um fósforo, snifem as cinzas e não espirrem com o fumo. sou
eu e não vos quero mal. nunca! é que, repito, eu não posso morrer, a
minha doença é mortal mas não posso morrer, tanto que me treme o
gordinho, tanto que me aperta o peito, tanto que me doem as memórias e
os hojes, tanto que suspiro amanhãs que ou nunca mais chegam ou quando
vêem põem-me tão nu que chamam-se desilusões. é a doença, o Parkinson, o
treme-treme. estou lixado. sabem o que queria? talvez o SNS subsidie.
um pacemaker milagroso, uma bengala que me salve. um apoio vitalício, um
penso rápido durável, um amor que não tremesse, meu ansiolítico
querido. e eu assim apoiado, ah! curava-me. banhava-me na cura e sarava,
eu maila a minha bengala. ilusões.
responderam-me que precisava era duma Junta Médica e não dum cardiologista. é esta a medicina que temos, que fazer? tremer, pois!
* no Facebook
Devia morrer-se de outra maneira.
Transformarmo-nos em fumo, por exemplo.
Ou em nuvens.
Quando nos sentíssemos cansados, fartos do mesmo sol
a fingir de novo todas as manhãs, convocaríamos
os amigos mais íntimos com um cartão de convite
para o ritual do Grande Desfazer: "Fulano de tal comunica
a V. Exa. que vai transformar-se em nuvem hoje
às 9 horas. Traje de passeio".
E então, solenemente, com passos de reter tempo, fatos
escuros, olhos de lua de cerimónia, viríamos todos assistir
a despedida.
Apertos de mãos quentes. Ternura de calafrio.
"Adeus! Adeus!"
E, pouco a pouco, devagarinho, sem sofrimento,
numa lassidão de arrancar raízes...
(primeiro, os olhos... em seguida, os lábios... depois os cabelos...)
a carne, em vez de apodrecer, começaria a transfigurar-se
em fumo... tão leve... tão subtil... tão pólen...
como aquela nuvem além (vêem?) — nesta tarde de outono
ainda tocada por um vento de lábios azuis...
José Gomes Ferreira
...e quando o li e ouvi, lá*, saiu-me assim esta confissão:
"belo.
mas eu não quero morrer nem em fumo. não posso! tenho uma doença que
não me permite esse luxo "de morrer". tenho Parkinson no coração. ele
treme, treme, e sinto-me como um tubo de ensaio para médicos (ou
poetas, c'est la memme chose) ensaiarem ensaios tontos ou poemas
eruditos sobre as moléstias das
coronárias. não, não posso fazer-me em fumo. como! faria sinais. mesmo
assim, adelgarçar-me-ia em ron-rons e infestaria as árvores, as flores, a
atmosfera: Parkinson no gordinho é lixado. treme tanto que até eu tremo
mal o sinto a agitar-se, a acordar. e se ele acorda!... há momentos em
que o tum-tum parecem gritos, ouvem? eu ouço. se calhar só eu é que
ouço, se calhar o fumo só o veriam aqueles meu colegas de enfermaria que
mais invejo. sabem quem são? eu conto-vos. conto sim. invejo os do
Alzheimer. os "do alemão". que não recordam amores, que não palpitam que
nem uma batata frita, como diz a cantilena dos putos quando se gozam
uns aos outros por causa das paixões. os fumos, é verdade. estava a
esquecer-me. vêm? eu perco-me tanto... é do Parkinsom, certamente.
efeitos colaterais. as tremuras não: essas são dos directos. venham mais
médicos e tragam poetas: expliquem-me por favor. digam-me - mas
digam-me devagarinho para eu perceber! se vou ou não morrer desta
doença. é que sofro, sabem? apaixono-me e sofro. (do coração; um poema
ou um cardiologista por favor). se não chegarem a consenso, deixem...
cheguem-me um fósforo, snifem as cinzas e não espirrem com o fumo. sou
eu e não vos quero mal. nunca! é que, repito, eu não posso morrer, a
minha doença é mortal mas não posso morrer, tanto que me treme o
gordinho, tanto que me aperta o peito, tanto que me doem as memórias e
os hojes, tanto que suspiro amanhãs que ou nunca mais chegam ou quando
vêem põem-me tão nu que chamam-se desilusões. é a doença, o Parkinson, o
treme-treme. estou lixado. sabem o que queria? talvez o SNS subsidie.
um pacemaker milagroso, uma bengala que me salve. um apoio vitalício, um
penso rápido durável, um amor que não tremesse, meu ansiolítico
querido. e eu assim apoiado, ah! curava-me. banhava-me na cura e sarava,
eu maila a minha bengala. ilusões.
são fumos, são ilusões, são
nevroses, desespero, sintomas graves da doença: amigas (amigos) eu tou
mal, tremo, tremo, tenho Parkinson no meu coração!"
responderam-me que precisava era duma Junta Médica e não dum cardiologista. é esta a medicina que temos, que fazer? tremer, pois!* no Facebook
terça-feira, 24 de abril de 2012
25A
"A um ausente"
Tenho razão de sentir saudade,
tenho razão de te acusar.
Houve um pacto implícito que rompeste
e sem te despedires foste embora.
Detonaste o pacto.
Detonaste a vida geral, a comum aquiescência
de viver e explorar os rumos de obscuridade
sem prazo sem consulta sem provocação
até o limite das folhas caídas na hora de cair.
Antecipaste a hora.
Teu ponteiro enlouqueceu, enlouquecendo nossas horas.
Que poderias ter feito de mais grave
do que o ato sem continuação, o ato em si,
o ato que não ousamos nem sabemos ousar
porque depois dele não há nada?
Tenho razão para sentir saudade de ti,
de nossa convivência em falas camaradas,
simples apertar de mãos, nem isso, voz
modulando sílabas conhecidas e banais
que eram sempre certeza e segurança.
Sim, tenho saudades.
Sim, acuso-te porque fizeste
o não previsto nas leis da amizade e da natureza
nem nos deixaste sequer o direito de indagar
porque o fizeste, porque te foste
Tenho razão de sentir saudade,
tenho razão de te acusar.
Houve um pacto implícito que rompeste
e sem te despedires foste embora.
Detonaste o pacto.
Detonaste a vida geral, a comum aquiescência
de viver e explorar os rumos de obscuridade
sem prazo sem consulta sem provocação
até o limite das folhas caídas na hora de cair.
Antecipaste a hora.
Teu ponteiro enlouqueceu, enlouquecendo nossas horas.
Que poderias ter feito de mais grave
do que o ato sem continuação, o ato em si,
o ato que não ousamos nem sabemos ousar
porque depois dele não há nada?
Tenho razão para sentir saudade de ti,
de nossa convivência em falas camaradas,
simples apertar de mãos, nem isso, voz
modulando sílabas conhecidas e banais
que eram sempre certeza e segurança.
Sim, tenho saudades.
Sim, acuso-te porque fizeste
o não previsto nas leis da amizade e da natureza
nem nos deixaste sequer o direito de indagar
porque o fizeste, porque te foste
Carlos Drummond de Andrade
o nosso húmus do sucesso: o amanhã
da
economia real, a das empresas e não a que figura para fazer figura no
OE, há lições de gestão de vida a tirar, mais extensas que o campo
contabilístico que as viu nascer.
por exemplo, o "direito ao
erro". cá (países latinos) quem falha está arrumado, ganha um estigma e
só por milagre de excepção consegue reerguer a cabeça: abrir falência é
uma marca de infâmia, e um revés é vivido como uma tara.
a diferença: os financeiros americanos que investem em 'star-ups'
preferem associar-se a um dirigente que já lançou uma empresa e falhou a
fazê-lo com um principiante, e Bill Gates admitiu francamente que
preferia rodear-se de colaboradores que «fracassaram pelo menos uma vez
na vida, porque eles não cometerão duas vezes o mesmo erro». Steve Jobs
(o tal da tal Apple), dizia de si: «eu cometo erros, muitos erros. mas crio
um ambiente onde os que eu contrato podem cometer erros e com essa
auto-aprendizagem desenvolverem-se». o direito ao erro, considerado
pelos anglo-saxónicos como "húmus do sucesso", adapta-se mal à nossa
cultura mediterrânica.
introdução terminada. terminada?
absolutamente não. só estará completa e levará posfácio de profecia
realizada quando finda esta má saga onde mergulhamos, sejam, dois, três,
cinco ou os anos que forem, abrirmos os jornais e olharmos o who's who
das nossas empresas, sairmos à rua e olharmos os donos das lojas dos
nossos bairros, elas e elas hoje a caminho de taipais mais ou menos
mal-disfarçados, ou mesmo já assumidos em maus editais de penhoras e
outras maldades, e reconhecermos caras. reconhecermos o "vizinho da
loja" ou o "tycoon" deste ou daquele negócio. e hoje caídos em desgraça.
embaraçosamente pré-falidos ou já envergonhadamente falidos.
reconhecê-los um a um. reerguerem-se. vê-lo é também reerguermo-nos nós.
o direito ao erro deles é igualmente o nosso, mas nós somos anónimos.
mas um a um, nós, gozamos do mesmo direito deles. reconhecê-lo é um dos
passos. nossos. ter fé em nós é ter fé nos outros que igualmente
falharam, sem que esse percalço seja mais que isso e signifique que
estamos arrumados. hélas!
segunda-feira, 23 de abril de 2012
mamitas :-)
lentamente,
explicação de quem sabe a somar a explicação de quem sabe, vão-se
rebatendo os ignóbeis comentários acerca duma minha pretensa obsessão,
nalguns ainda mais insensíveis chamada de taradice.
sinto-me confortado... :-)
"A máquina do Mundo"
E como eu palmilhasse vagamente
uma estrada de Minas, pedregosa,
e no fecho da tarde um sino rouco
se misturasse ao som de meus sapatos
que era pausado e seco; e aves pairassem
no céu de chumbo, e suas formas pretas
lentamente se fossem diluindo
na escuridão maior, vinda dos montes
e de meu próprio ser desenganado,
a máquina do mundo se entreabriu
para quem de a romper já se esquivava
e só de o ter pensado se carpia.
Abriu-se majestosa e circunspecta,
sem emitir um som que fosse impuro
nem um clarão maior que o tolerável
pelas pupilas gastas na inspecção
contínua e dolorosa do deserto,
e pela mente exausta de mentar
toda uma realidade que transcende
a própria imagem sua debuxada
no rosto do mistério, nos abismos.
Abriu-se em calma pura, e convidando
quantos sentidos e intuições restavam
a quem de os ter usado os já perdera
e nem desejaria recobrá-los,
se em vão e para sempre repetimos
os mesmos sem roteiro tristes périplos,
convidando-os a todos, em coorte,
a se aplicarem sobre o pasto inédito
da natureza mítica das coisas,
assim me disse, embora voz alguma
ou sopro ou eco ou simples percussão
atestasse que alguém, sobre a montanha,
a outro alguém, nocturno e miserável,
em colóquio se estava dirigindo:
“O que procuraste em ti ou fora de
teu ser restrito e nunca se mostrou,
mesmo afectando dar-se ou se rendendo,
e a cada instante mais se retraindo,
olha, repara, ausculta: essa riqueza
sobrante a toda pérola, essa ciência
sublime e formidável, mas hermética,
essa total explicação da vida,
esse nexo primeiro e singular,
que nem concebes mais, pois tão esquivo
se revelou ante a pesquisa ardente
em que te consumiste… vê, contempla,
abre teu peito para agasalhá-lo.”
As mais soberbas pontes e edifícios,
o que nas oficinas se elabora,
o que pensado foi e logo atinge
distância superior ao pensamento,
os recursos da terra dominados,
e as paixões e os impulsos e os tormentos
e tudo que define o ser terrestre
ou se prolonga até nos animais
e chega às plantas para se embeber
no sono rancoroso dos minérios,
dá volta ao mundo e torna a se engolfar,
na estranha ordem geométrica de tudo,
e o absurdo original e seus enigmas,
suas verdades altas mais que todos
monumentos erguidos à verdade:
e a memória dos deuses, e o solene
sentimento de morte, que floresce
no caule da existência mais gloriosa,
tudo se apresentou nesse relance
e me chamou para seu reino augusto,
afinal submetido à vista humana.
Mas, como eu relutasse em responder
a tal apelo assim maravilhoso,
pois a fé se abrandara, e mesmo o anseio,
a esperança mais mínima — esse anelo
de ver desvanecida a treva espessa
que entre os raios do sol inda se filtra;
como defuntas crenças convocadas
presto e fremente não se produzissem
a de novo tingir a neutra face
que vou pelos caminhos demonstrando,
e como se outro ser, não mais aquele
habitante de mim há tantos anos,
passasse a comandar minha vontade
que, já de si volúvel, se cerrava
semelhante a essas flores reticentes
em si mesmas abertas e fechadas;
como se um dom tardio já não fora
apetecível, antes despiciendo,
baixei os olhos, incurioso, lasso,
desdenhando colher a coisa oferta
que se abria gratuita a meu engenho.
A treva mais estrita já pousara
sobre a estrada de Minas, pedregosa,
e a máquina do mundo, repelida,
se foi miudamente recompondo,
enquanto eu, avaliando o que perdera,
seguia vagaroso, de mãos pensas.
Carlos Drummond de Andrade
E como eu palmilhasse vagamente
uma estrada de Minas, pedregosa,
e no fecho da tarde um sino rouco
se misturasse ao som de meus sapatos
que era pausado e seco; e aves pairassem
no céu de chumbo, e suas formas pretas
lentamente se fossem diluindo
na escuridão maior, vinda dos montes
e de meu próprio ser desenganado,
a máquina do mundo se entreabriu
para quem de a romper já se esquivava
e só de o ter pensado se carpia.
Abriu-se majestosa e circunspecta,
sem emitir um som que fosse impuro
nem um clarão maior que o tolerável
pelas pupilas gastas na inspecção
contínua e dolorosa do deserto,
e pela mente exausta de mentar
toda uma realidade que transcende
a própria imagem sua debuxada
no rosto do mistério, nos abismos.
Abriu-se em calma pura, e convidando
quantos sentidos e intuições restavam
a quem de os ter usado os já perdera
e nem desejaria recobrá-los,
se em vão e para sempre repetimos
os mesmos sem roteiro tristes périplos,
convidando-os a todos, em coorte,
a se aplicarem sobre o pasto inédito
da natureza mítica das coisas,
assim me disse, embora voz alguma
ou sopro ou eco ou simples percussão
atestasse que alguém, sobre a montanha,
a outro alguém, nocturno e miserável,
em colóquio se estava dirigindo:
“O que procuraste em ti ou fora de
teu ser restrito e nunca se mostrou,
mesmo afectando dar-se ou se rendendo,
e a cada instante mais se retraindo,
olha, repara, ausculta: essa riqueza
sobrante a toda pérola, essa ciência
sublime e formidável, mas hermética,
essa total explicação da vida,
esse nexo primeiro e singular,
que nem concebes mais, pois tão esquivo
se revelou ante a pesquisa ardente
em que te consumiste… vê, contempla,
abre teu peito para agasalhá-lo.”
As mais soberbas pontes e edifícios,
o que nas oficinas se elabora,
o que pensado foi e logo atinge
distância superior ao pensamento,
os recursos da terra dominados,
e as paixões e os impulsos e os tormentos
e tudo que define o ser terrestre
ou se prolonga até nos animais
e chega às plantas para se embeber
no sono rancoroso dos minérios,
dá volta ao mundo e torna a se engolfar,
na estranha ordem geométrica de tudo,
e o absurdo original e seus enigmas,
suas verdades altas mais que todos
monumentos erguidos à verdade:
e a memória dos deuses, e o solene
sentimento de morte, que floresce
no caule da existência mais gloriosa,
tudo se apresentou nesse relance
e me chamou para seu reino augusto,
afinal submetido à vista humana.
Mas, como eu relutasse em responder
a tal apelo assim maravilhoso,
pois a fé se abrandara, e mesmo o anseio,
a esperança mais mínima — esse anelo
de ver desvanecida a treva espessa
que entre os raios do sol inda se filtra;
como defuntas crenças convocadas
presto e fremente não se produzissem
a de novo tingir a neutra face
que vou pelos caminhos demonstrando,
e como se outro ser, não mais aquele
habitante de mim há tantos anos,
passasse a comandar minha vontade
que, já de si volúvel, se cerrava
semelhante a essas flores reticentes
em si mesmas abertas e fechadas;
como se um dom tardio já não fora
apetecível, antes despiciendo,
baixei os olhos, incurioso, lasso,
desdenhando colher a coisa oferta
que se abria gratuita a meu engenho.
A treva mais estrita já pousara
sobre a estrada de Minas, pedregosa,
e a máquina do mundo, repelida,
se foi miudamente recompondo,
enquanto eu, avaliando o que perdera,
seguia vagaroso, de mãos pensas.
Carlos Drummond de Andrade
Agora que o silêncio é um mar sem ondas,
E que nele posso navegar sem rumo,
Não respondas
Às urgentes perguntas
Que te fiz.
Deixa-me ser feliz
Assim,
Já tão longe de ti como de mim.
Perde-se a vida a desejá-la tanto.
Só soubemos sofrer, enquanto
O nosso amor
Durou.
Mas o tempo passou,
Há calmaria...
Não perturbes a paz que me foi dada.
Ouvir de novo a tua voz seria
Matar a sede com água salgada.
Miguel Torga
E que nele posso navegar sem rumo,
Não respondas
Às urgentes perguntas
Que te fiz.
Deixa-me ser feliz
Assim,
Já tão longe de ti como de mim.
Perde-se a vida a desejá-la tanto.
Só soubemos sofrer, enquanto
O nosso amor
Durou.
Mas o tempo passou,
Há calmaria...
Não perturbes a paz que me foi dada.
Ouvir de novo a tua voz seria
Matar a sede com água salgada.
Miguel Torga
Quando as minhas, as tuas pernas
não andarem e ao horário marcado
os comboios partirem finalmente a desoras
da estação de S. Pedro – e de todas as estações
até ao fim da linha – eu poderei finalmente
dizer de óculos escuros espreitando
sobre o vermelho do teu jornal meu deus
como eu te queria, como em sonhos
te sonhava rindo, depois do tão pouco
prazer que as minhas mãos fora dos livros
te haviam de saber dar. Esse meu livro
que nunca abro, esse meu livro que finjo ler
e afinal não, nunca, só tu e a paisagem marítima.
Hélder Moura Pinheiro
«sou eu! sou eu!»
um forte candidato ao prémio "o gajo mais estúpido do mundo" é o taliban paquistanês que vendo a sua cara pespegada num cartaz, e sem saber ler e vendo uns números bonitos (isso entendeu) por baixo da sua fronha achou que lhe queriam dar o money, e arrancando o cartaz correu para o primeiro tropa norte-americano que viu, gritando feliz da vida: «sou eu! este sou eu! dá!». forte candidato? fortíssimo!
vejo nos súbitos cabelos brancos de Mourinho
a exactidão, terrível, deste recreio extenso de viver:
há um intervalo que amansa, há a glória e a angústia e há o prazer.
mas quando soa o molesto apito cada um de nós sabe
exacto, dolorido, que no fundo, no fundo, cada minuto arfado é afinal perder.
e vejo nos obstinados cabelos brancos de Mourinho
a calvície do céu que nos espia, quando reparamos e descobrimos
aturdidos, que as nuvens fugiram e já nada resta para prever.
eu sirvo-me dum retrato alheio para estrumar a linha (como que em quebranto)
e dizer que no céu tudo é fátuo e nada mais resta que viver, viver…
coisas do Sir Charles Brenton Walters
«ler a realidade é um exercício obstinado de fuga à nossa própria, tentar torná-la distante, e nós imunes, como às letras que apenas nos tocam porque outros as escreveram. o jornalismo de nós próprios é uma profissão terrível»
Sir Charles B. Walters, filósofo inglês precocemente falecido (1855-1912)
la France
"Se for eleito, Hollande não conseguirá certamente concretizar algumas das promessas centrais que fez. Marine Le Pen não deixará de lho cobrar. Imaginar a extrema-direita a liderar a direita francesa é algo que está no limite do pesadelo. A simples hipótese de isso vir a acontecer é um sinal muito perigoso que a França envia à Europa."
1 - de facto assim é: houve momentos de campanha em que o discurso
de Hollande cairia quase sem vírgulas no O Inimigo Público: lia-se e
não se queria acreditar: baixar a idade da reforma para os 60 anos?
nesta conjuntura? e etc. mais um candidato da esquerda mal preparado,
incapaz de ser bandeira... credível. a ex-mulher, Ségolène Royal, nas
anteriores eleições levou uma banhada do Sarkozy porque rapidamente se
percebeu que de dossiers de Estado pouco percebia e não mostrava
apetência a perceber mais em matérias que para uma França forte e líder
(ou co-líder) europeia são importantes. como a Defesa. ainda mais num
país tão chauvinista como aquele. e foi o que se viu. agora vem o ex,
naturalmente remando contra a corrente que nos encharca, mas com uma
visão do conceito de "reformas da sociedade" que nem o nosso estrelinha vermelha se
atreve a reclamar. reformas laborais aos 60 anos? como é que disse? é que se diz
isto disto, o que pensará acerca do resto... credibilidade em baixa!
Strauss-Khan teria ganho 'a brincar', não fossem os seus problemas com a
comichão na braguilha terem-se tornado tão incomodamente populares
2
- a Le Pen. e recordo-me de Lampedusa. do embaraço e da indecisão de
todos (todos) os governos europeus ligados àquela linha da frente
(Líbia/refugiados) em resolver o problema. bom exemplo são aos 100
vítimas que morreram à fome ou de doença porque no charco do
Mediterrâneo, pejado de barcos e barquinhos de todos os feitios e cores e
canhões e mísseis e helicópteros e piscinas e óculos de sol, não houve
um que os socorresse. e recordo-me que a Le Pen atingiu no mesmo
momentos picos de populariedade. e pergunto-me que sonhos tem, ela que é
tão nova comparativamente aos restantes galos. que afundando o Sarko
ela emerge naturalmente como líder da direita francesa. a pergunta
completa-se com a dúvida acerca de a quem endereçará a 1 de Maio os seus
20% já registados. e tão fácil será dar "liberdade de voto" num
discurso onde o núcleo seja denegrir o seu único real rival para a única
liderança que para já (para já) ambiciona, motivando a abstenção dos
'seus'. o xadrez político é o jogo preferido dos filhos da puta.
3 - a ilha. longe daqui. a Europa fede. a Austrália é bonita, já que as Kiribatis se afundam à realidade
sexta-feira, 20 de abril de 2012
GP do Bahrein de F1, 2012
em pista, nada de novo: os do costume - à frente e atrás.
fora dela é que é a "carga de trabalhos": a 'areia social' incomoda
mais qu'aquela que os ventos do deserto levam à pista. diz-se que pensam
varrê-la à bastonada. diz-se que embora a Síria ande nos telejornais o
Bahrein também existe. diz-se que para correr com "o cão" Khadaffi foi
um instante mas tratando-se dum Assad a coisa fia mais fino:
ele é dos finos, frequenta salões e sabe cumprimentar as senhoras: BHL
ainda não foi visto nem ouvido. e etc, este etc europeu, hipócrita, de
bem com deus e com o diabo. que nos vai matando, anulando por asfixia da
moral, pelo peso interesseiro. feio
diz-se tanta coisa que eu
não consigo mandar um palpite sobre o resultado do GP do Bahrein de F1,
ano de 2012. e só me lembro que estamos na Primavera, está frio, e a do
ano passado foi quente e teve jasmins
Abril de 2012
isto anda tudo tão errado, tão triste, tão sem esperança, que chego a perder-me em pensamentos onde não são os nossos bravos soldados que vão à Guiné-Bissau dar uma ajudinha, mas sim os bravos soldados guineenses que vêm cá orientar o trânsito.
depois acordo. parvoíces! não há nenhuma razão para pessimismos: vamos ganhar a batalha da dívida, a da produção, todas que nos surgirem à frente! não foi Almada Negreiros que disse «Coragem Portugueses, só vos faltam as qualidades!»?
quinta-feira, 19 de abril de 2012
Otelo à Presidência, já!
um Herói!
até porque...
«A bigamia consiste em ter uma mulher a mais. A monogamia é a mesma coisa.»
na mouche, e by Oscar Wilde
na mouche, e by Oscar Wilde
quarta-feira, 18 de abril de 2012
"...mas não era a mesma coisa"
caminho devagar e olhos nos meus passos, mesmo sabendo que o futuro
divisa-se é olhando em frente. percorro o ziguezague diário com o
quebranto da rotina anonimizada ou o desprendimento do que não é
importante, sabendo que os passos curtos são suficientes para encontrar e
perder. atrás, montras onde sento imaginações, janelas com placas e
outras sem nada, ao lado, na estrada, passam passam passam e não me
reconheço em ninguém. por vezes cruzo-me com uma pedra fora do seu sítio
e considero-a agressiva: detenho-me, chego a alterar a rota para com o
pé jogá-la num futebol suave, ou para o buraco descarnado mais próximo
que veja, ou para o redondel duma árvore: as pedras são agressivas e não
gosto delas, e nunca achei piada ao ditado das pedras no caminho que se
guardam para fazer castelos, primeiro porque não gosto de pedras
avulsas, segundo porque ter um castelo nunca foi uma ilusão – já uma
ilha, sim -, e terceiro porque o dito é parvo e apócrifo e não pessoano,
como parvamente o atribuem.
entre A e B os passos são
poucos mas longos de tão curtos os faço, e construo mais que me é humano
dizê-lo, nem que fosse uma máquina de dactilografar constante, uma
Messa de repartição pública que nos matraqueava familiarmente mal
abríamos a porta para dizermos ao que íamos. hoje tira-se uma senha como
na casa dos frangos assados, e depois sussurra-se o desejo para
suscitar um teclar plástico e discreto que iluminará uma resposta que
nunca vemos e tão mal ouvimos, tão mal que isto anda sempre que se abre
uma porta para perguntar: e a vida? ah! há as montras, não o esqueço. há
também as placas nas janelas mas isso é muito triste, tão triste que
nem o meu hiper sentido cívico que arruma as pedras no caminho poderá
removê-las e substituí-las por cortinados, vasos, alegrias: fico-me nas
montras, e passo a contar: passou a Páscoa, o Carnaval, ainda não é
Natal, mas os saldos continuam. se tudo está em saldos, dizem as
más-línguas dos jornais, porque não as lojas? saldos: uma Fender
(disponível em seis cores) por 119,00€, é pechincha. há outra por
335,00€, mas nem que fossem três mil era sempre pechincha – soubesse eu
tocá-la: atribuo este passo lento, este vaguear na estrada mal
espreitando o longe à falta desse predicado do artista enquanto jovem,
Joyce a mais e Hendrix a menos, à falta dum palco onde a viola me
escondesse e simultaneamente me mostrasse, um hoje tão diferente sem
estes biqueiros nas pedras soltas, émulo XXI da volta dos tristes duma
infância.
e pouco falta para chegar. uma, duas esquinas,
tudo em rota conhecida, olá olá estou a chegar. e felizmente é de tarde,
que de noite não me aventuro tanto: as memórias, as montras, as pedras
são tão bem diferentes, e eu sou tão bom rapaz, consciência cívica e
tudo, que arrumo devagarinho este papel sem lhe meter mais nenhuma
linha. sorriam: já vos disse que não matei ninguém e se li Dostoievski
foi com receita
espremido, dá isto...
a
visita diária aos jornais trás-me um monte de notícias interessantes.
por exemplo Haug, o patraozão da Mercedes na F1, já canta de galo alto
de mais, mesmo contando que tem um corpanzil de gigante teutónico, tipo
alto, gordo e ar acervejado. vai com calma, meu. és dos grandes mas
ainda és um maçarico, e até te dou um aviso que é conselho: cuidado com
as canelas. é o ponto fraco dos "altos e
grandes", aprendi-o a levar porrada na escola. noutra notícia é o
inverso: a Red Bull a chorar-se que no ano passado teve tudo e este não
tem nada: bebam um copo que isso passa, vão ver... ;-) e noutra leio que
a Ferrari pôs em pista um dos seus carros-ícone, ícone por ele e por
quem o teve nas unhas: o 312 T4, que lhe deu a dobradinha em 79 (Jody
Scheckter foi o campeão), conduzido por esse mágico sem igual que foi
Gilles Villeneuve. infelizmente leio igualmente que o carro irá a um
festival a 8 de Maio com o filho, Jacques, um anormalzito que nunca fez
nada de jeito nas pistas além de ser campeão com um carro que estava
meia-volta à frente dos outros todos, e em meu único registo pessoal da
memória do bácoro ter tido o despudor de afirmar ser «naturalmente
melhor condutor que o meu pai, pois estou vivo e ele não». aquela boca
lavada com creolina e a seguir deitar-lhe o fogo ainda era era pouco.
e pronto. do que interessa das notícias de hoje está aqui quase tudo.
ainda há umas interessantes sobre mais carritos mas não vos quero
aborrecer. ah! e não leiam mais nada, por favor: "as outras" são todas
das que aborrecem mesmo. puta de vida que nos calhou
smile!
A professora pergunta:
- Joãozinho, o que queres ser quando fores grande?...
- Quero ser bilionário, ir à discoteca mais cara do mundo, agarrar na melhor put@, dar-lhe um Ferrari cabriolet, abrir-lhe uma conta com 1 milhão de Euros, oferecer-lhe um apartamento em Nova Iorque, mais uma mansão em Paris, um chalet nos Alpes Suíços, um avião privado para viagens pela Europa, um cartão Visa Platina ilimitado, e comê-la loucamente 3 vezes por dia.
- E tu, Mariazinha?
- Professora, não tenho a menor dúvida... quero ser a put@ do Joãozinho!
(recebida por mail)
---
Num
sinal vermelho param dois carros lado a lado. O condutor dum abre
rapidamente o vidro, e a condutora do ao lado, supondo que ele lhe quer
dizer alguma coisa faz o mesmo, também muito depressa.
E ele, reparando então nela: - Também se peidou, é?
(esta contaram-ma ontem)
terça-feira, 17 de abril de 2012
novembril
"(...) O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo"
Sophia disse-o
este
Abril está como eu: sinto-me novembril, saudoso do calor e tenso como o
ar antes das trovoadas. e adio-me, e páro de escrever à procura de
palavras que nada digam, à procura de torniquetes que me vedem, lençóis
que sob pretextos de protecção ao mobiliário ocultem os espelhos. do pó,
do frio, ou de mim. adio correspondências onde me conto, adio poemas
que escondo, adio encontros que terão de acontecer.
Abril revolucionário, de memórias, paixões, Abril de mais um mês. e
parece Novembro. nem é, nem deixa de sê-lo. e aqui (todos os dias aqui).
se me ausento, logo abrevio: regressar. regressar ao meu ódio, que ócio
assim é ódio, que conferir ausências é ódio, que odiar tanto talvez
seja amor. e adio, páro o tempo, busco nos mistérios as explicações dum
tempo assim, insonso, vegan: nem carne nem peixe, só o vento frio, as
nuvens feias, tudo triste, Abril assim não, assim é Novembro, assim a
desilusão não levanta tenda nem o pai morre nem a gente almoça nem nunca
mais é sábado nem há ditados populares que cheguem para abrilar as
tardes, nem.
uma vez na vida fui totalmente honesto. e foi em
Abril. não me recordo mas sei quando foi e porque o fui. dei-me. não
como nas metáforas: dei-me mesmo, sem as reservas de nos darmos mas com
um pézinho de fora, esse truque cigano. três quilos e tal de mim,
chorão, cagão e mijão: nasci e dei-me: nunca vo-lo contei mas nasci no
dia anterior à minha mãe fazer anos, e isto foi o meu Abril, abril como
devem ser os abriles, chorão, cagão, mijão, e a seguir aprender o
truque, e abril sorridente. este não está a ser assim: é novembril, é
pesado, tenso, monocórdio, tão aborrecido e frio que apetece andar à
bofetada com ele para aquecê-lo. correr pelas salas todas da vida e
levantar os lençóis todos que ocultam os anos, os meses, e aqueles
bocados de que nos escondemos nos espelhos quando por descuido nos
recordamos. lavar os dentes à vida. sair para a rua sem gritar, seguir
caminho sem dor. e abandonar a poesia, essa fábula de dias ensolarados
que não vêm: Abril traiu, e nem vale a pena levantar os olhos para o céu
pois lá não se vê mais nada além da tristeza em cor de chumbo
deste quotidiano, não há milagres nem sol, nasci em Abril e fui prenda
mas de há muito perdi o laçarote e quase nem sorrir já sei. o chorão,
cagão e mijão continuam, sei que o pensam mas não mo digam, eu isso sei,
sei, sei. li-me!
falta-me qualquer coisa que não sei explicar.
não é um casaco para os arrepios: acabei de vesti-lo, repararam? as
Mesopotâmias distantes continuam, e acredito que um dia descobrirei a
que sabe realmente o licor de angustura. mas...
meu Abril
tesos? como?
uma boa crónica de Manuel António Pina (quem mais?) sobre a taradice azarada de el-Rei D. Juan de Bourbon.
que me merece apenas um reparo: a casa real espanhola custa aos seus
súbditos 8.9 M€ anuais (19 cêntimos a cada), e o nosso Palácio de Belém
custa-nos mais do dobro em valores absolutos: 20,7 M€, o que dá 190
cêntimos a cada um de nós (quase 2 €). não, não é por aí. é mesmo porque
há coisas que (já) não se devem fazer, e muito menos quando o
Governo do seu país acaba de cortar 10 M€ nas verbas de Educação e de
Cultura.
quanto aos nºs, comparativamente, é vê-los aqui: somos um luxo, nesta Europa! :-(
"amor é..."
eu
sei que sou incompreendido e até criticado: «aquele Carlos e os seus
amores... pfff! que exagerado!...», «sempre, sempre apaixonado! ai o
Carlos, não tem juízo nenhum aquele miúdo...». e etc.
não, não
me entendem. amor é isto, amor é assim. é um sentimento que vem de
dentro e nos põe os cabelos no ar. é olhar 'só' com interesse científico
os rabitos jeitosos que desfilam constantemente no nosso espelho retrovisor, desafiantes, mas ser fiel à velha paixão e sentir por ela o mesmo
amor de sempre embora as suas formas possam parecer vetustas,
enrugadas pelo tempo que passou.
tudo isso é falso: amor é
preferir sem sombra de dúvida um Morgan, nobre na linhagem e na
intemporalidade das suas linhas, a um Lamborghini que parecerá
comparativamente o veículo publicitário da loja da Tupperware, um
Ferrari reluzente uma doidivanas incapaz de merecer a garagem que
ingenuamente a acolhe. e etc.
eu sei que sou incompreendido e
até criticado, mas "amo de paixão", como dizem as brasucas, o meu
querido Morgan, o meu sonho de 4 rodas mais brilhante entre todos. vá,
vejam o video, envergonhem-se e peçam perdão. talvez um dia vos dê uma
boleia, talvez.... ;-)
segunda-feira, 16 de abril de 2012
"a culpa", mea culpa
"Os homens têm necessidade da culpa porque ela
funciona como um excitante para criar. Têm que criar as excitações da
culpa. Têm que ser criminosos. É tão simples como isso." disse Agustina
Bessa-Luís.
há anos que faço órbitas rasantes à noção de culpa, sem me decidir se aluno ou se sigo viagem. palavra. inclusivé já tive apoio da NASA nacional destas questões, que é como quem diz o departamento de psiquiatria público mais próximo. mas não me quero agora perder por aí. por aí, tanto que há a contar mas não é este o momento. a culpa:
torturo-me. são noites meio insones meio gritadas (vero), o corpo em espasmos como se estivesse para parir o diabo (já mo disseram), e a epicural ao meu alcance é esta e isto: esta catarse azulinha, este divã público,
falta-me o "conhecimento de ciência", que quando invocado faz os senhores das becas arrebitarem as orelhas, para alinhavar acontecimentos e causas e conseguir extrair com precisão. o que sai, sei: extracto de culpa. múltipla: das conhecidas e muita, muita, daquelas que nem eu suspeito mas que na minha vida herética ignaras gnoses vividas 'en passant' acarretaram, acumularam, e chegou a idade e tempo de deitarem fumo: a culpa.
cuidadosamente ponho na beira do papel a vertente religiosa: não me interessa, não cuido por aí além disso, mas também não amarfanho e deito fora a possibilidade da "culpa" ter ovo e ninho no formalismo infantil do acesso a esse conhecimento: a catequese é traumática. mas procuro mais longe, tão longe como o mais perto possível: a família (Lacan dixit? ou afinal é mesmo David Cooper que dixit?). as relações familiares. o conflito geracional, blá blá. por aí é bornal cheio, e "a culpa" inibe-me de desatar totalmente o nó, e só espreito: inibo-me de contar o comum dos meus problemas, tão iguais e tão especial e dolorosamente diferentes. "Allons enfants de la Patrie", sou tão patriota de mim mesmo que estupidamente faço segredo de Estado dos problemas comuns aos comuns. ("a culpa")
depois há todo o resto que me tortura e me faz gritar ao meio da noite, que faz da hora de descanso uma luta em que me agrido a mim mesmo em espasmos, choros, e em estúpida sublimação de substituição efectuar raides predatórios aos armários da cozinha, enfardando, enfardando, mas sem nunca engordar: o diabo tudo consome e não deixa esconder o osso da questão: há anos que me explodi, sem uso de colete de proteção. e aleijo-me, nem no tempo das pílulas às cores serenei ou esclareci, toquei mas fugi.
o César Amaral, que de todos que conheci foi o mais esperto, pôs-me a ler o Dostoievski, e na consulta semanal falávamos, entre viagenzinhas toca-e-foge cá pelo íntimo, no enredo do "Crime e Castigo'. (não matei ninguém; avanço já a explicação aos chocados com a revelação do tema das leituras psico-terapêuticas). e, já quase no fim, já quase em posse de carta de alforria para regresso à estupidez normalizada, enfiou-me numa sala cheia de monstros feios de discretamente sorridentes, e absurdamente opacos naquelas batas intimidatórias (ele não a usava. felizmente), mas avisou-me antes de entrarmos na sala: «estou contigo. é tudo uma cambada de asnos e só aguentas até onde quiseres. um sinal teu e o circo acaba». ah! o tema do conclave era obviamente "a culpa" (a minha extensão extensa à dita e da dita), e parece que alguém andava às voltas com uma tese do assunto e acharam-me perfeito para dissecarem. não interessa muito o que lá se passou, pois até pouco falei: mal abria a boca abanavam todos a cabeça com um ar tão sabido que me apetecia era mandá-los todos pró carilho: só o César percebia alguma coisa do que se passava (duvido que aquela malta, aqueles crâneos tão mal enjorcados assim vestidos de branco lesse mais além da biblioteca da Academia), e nem ao fim de meia-hora pisquei-lhe o olho e acabamos num instante com aquilo: a culpa, se cá mora, tem de ser tratada com dedos cuidadosos e não como um caldeirão de caldeirada de cabrito onde todos metem as mãos à procura dos melhores bocados.
pronto, já está. mais dia menos dia eu tinha de falar nisto. já está: tenho qualquer coisa esquisita e por resolver dentro de mim, e que me angustia. se fui sonâmbulo e pratiquei crimes durante esse estado não devem ter sido de monta, pois todos os dias leio os jornais e não dou fé de escândalos aqui na vizinhança. e, quando no estado consciente, sou pulha, mau-feitio, com fantasias de promíscuo que nem um vero mangusso, e até me armo em chef de cuisine amador. mas, palavra, não vejo nessas actividades lúdicas razão q.b. para este espalhafato diário, este espernear e gritar com a vida. pelas leituras, e por dumas ir extraindo as outras, já cheguei ao nome do ovinho: a culpa, lê-se bem na casca. agora o conteúdo ainda me é mistério, e não sei se a estrele ou faça dela ovos mexidos.
tenham um bom-dia :-)
há anos que faço órbitas rasantes à noção de culpa, sem me decidir se aluno ou se sigo viagem. palavra. inclusivé já tive apoio da NASA nacional destas questões, que é como quem diz o departamento de psiquiatria público mais próximo. mas não me quero agora perder por aí. por aí, tanto que há a contar mas não é este o momento. a culpa:
torturo-me. são noites meio insones meio gritadas (vero), o corpo em espasmos como se estivesse para parir o diabo (já mo disseram), e a epicural ao meu alcance é esta e isto: esta catarse azulinha, este divã público,
falta-me o "conhecimento de ciência", que quando invocado faz os senhores das becas arrebitarem as orelhas, para alinhavar acontecimentos e causas e conseguir extrair com precisão. o que sai, sei: extracto de culpa. múltipla: das conhecidas e muita, muita, daquelas que nem eu suspeito mas que na minha vida herética ignaras gnoses vividas 'en passant' acarretaram, acumularam, e chegou a idade e tempo de deitarem fumo: a culpa.
cuidadosamente ponho na beira do papel a vertente religiosa: não me interessa, não cuido por aí além disso, mas também não amarfanho e deito fora a possibilidade da "culpa" ter ovo e ninho no formalismo infantil do acesso a esse conhecimento: a catequese é traumática. mas procuro mais longe, tão longe como o mais perto possível: a família (Lacan dixit? ou afinal é mesmo David Cooper que dixit?). as relações familiares. o conflito geracional, blá blá. por aí é bornal cheio, e "a culpa" inibe-me de desatar totalmente o nó, e só espreito: inibo-me de contar o comum dos meus problemas, tão iguais e tão especial e dolorosamente diferentes. "Allons enfants de la Patrie", sou tão patriota de mim mesmo que estupidamente faço segredo de Estado dos problemas comuns aos comuns. ("a culpa")
depois há todo o resto que me tortura e me faz gritar ao meio da noite, que faz da hora de descanso uma luta em que me agrido a mim mesmo em espasmos, choros, e em estúpida sublimação de substituição efectuar raides predatórios aos armários da cozinha, enfardando, enfardando, mas sem nunca engordar: o diabo tudo consome e não deixa esconder o osso da questão: há anos que me explodi, sem uso de colete de proteção. e aleijo-me, nem no tempo das pílulas às cores serenei ou esclareci, toquei mas fugi.
o César Amaral, que de todos que conheci foi o mais esperto, pôs-me a ler o Dostoievski, e na consulta semanal falávamos, entre viagenzinhas toca-e-foge cá pelo íntimo, no enredo do "Crime e Castigo'. (não matei ninguém; avanço já a explicação aos chocados com a revelação do tema das leituras psico-terapêuticas). e, já quase no fim, já quase em posse de carta de alforria para regresso à estupidez normalizada, enfiou-me numa sala cheia de monstros feios de discretamente sorridentes, e absurdamente opacos naquelas batas intimidatórias (ele não a usava. felizmente), mas avisou-me antes de entrarmos na sala: «estou contigo. é tudo uma cambada de asnos e só aguentas até onde quiseres. um sinal teu e o circo acaba». ah! o tema do conclave era obviamente "a culpa" (a minha extensão extensa à dita e da dita), e parece que alguém andava às voltas com uma tese do assunto e acharam-me perfeito para dissecarem. não interessa muito o que lá se passou, pois até pouco falei: mal abria a boca abanavam todos a cabeça com um ar tão sabido que me apetecia era mandá-los todos pró carilho: só o César percebia alguma coisa do que se passava (duvido que aquela malta, aqueles crâneos tão mal enjorcados assim vestidos de branco lesse mais além da biblioteca da Academia), e nem ao fim de meia-hora pisquei-lhe o olho e acabamos num instante com aquilo: a culpa, se cá mora, tem de ser tratada com dedos cuidadosos e não como um caldeirão de caldeirada de cabrito onde todos metem as mãos à procura dos melhores bocados.
pronto, já está. mais dia menos dia eu tinha de falar nisto. já está: tenho qualquer coisa esquisita e por resolver dentro de mim, e que me angustia. se fui sonâmbulo e pratiquei crimes durante esse estado não devem ter sido de monta, pois todos os dias leio os jornais e não dou fé de escândalos aqui na vizinhança. e, quando no estado consciente, sou pulha, mau-feitio, com fantasias de promíscuo que nem um vero mangusso, e até me armo em chef de cuisine amador. mas, palavra, não vejo nessas actividades lúdicas razão q.b. para este espalhafato diário, este espernear e gritar com a vida. pelas leituras, e por dumas ir extraindo as outras, já cheguei ao nome do ovinho: a culpa, lê-se bem na casca. agora o conteúdo ainda me é mistério, e não sei se a estrele ou faça dela ovos mexidos.
tenham um bom-dia :-)
domingo, 15 de abril de 2012
"quelle plume!"
na sexta-feira fui visitar a Graça,
e além de ter passado um dia óptimo regressei a casa com a Le Magazine
Littéraire, revista de que sempre gostei e que não comprava, sem
exagero, há um bom ano. é que a Graça vende jornais e revistas,
informação à antiga e amor que nunca morre por muito que estes écrans
sejam apelativos por baratos e etc. «...mas não é a mesma coisa», e
pronto. mal entrei na loja e a vi o clic reanimou-se e, quanto ao resto,
«amanhã penso nisso»: abençoados €6,60, que desde sexta me trazem num
namoro escandaloso pois até a jornalada do fim-de-semana anda a ser
preterida! e a língua francesa revivida, amor adolescente de que estou a
gostar do beijinho. enfim: uma desbunda das boas.
a Graça, além de loiraça, giraça, divertida e tão doce que faz pensar em donuts fresquinhos, é senhora dum dos mais bonitos negócios do mundo e foi por pouco que não a pedi em casamento :-))) lá me salvei duma tampa, mas trouxe a revista e suspeito que nunca mais hei-de pegar numa Le Magazine sem me recordar dos seus olhos lindos (lindos) e cuscos, e da sua gargalhada bonita. eu comecei a escrever, juro, para falar num escritor e numa notícia que li na revista, juro-o novamente. mas... lol ;-) ela é tão simpática e bonita (na loja os clientes dizem-la nórdica ;-) que é impossível deixar de sorrir quando recordo o formidável dia que foi a sexta, nós horas e horas na palheta, uma bula-bula onde cruzámos memórias comuns da terrinha com os nossos percursos pessoais, cá beira-Tejo.
bem... abandonemos por instantes a loirita mais simpática e gira que conheci nos últimos tempos, para entrar em matéria: Roberto Bolaño, que quem me lê sabe, é muito cá da casa. estou no café e leio numa crónica de Bernard Quiriny terem sido descobertos mais inéditos do fenomenal alazão chileno das letras (escrevia em cavalgada: a minha única definição da cascata alucinante que são os seus mega-romances "Os detectives selvagens" e "2666"), a somar aos póstumos já conhecidos "O terceiro Reich" e "Os dissabores do verdadeiro polícia", já cá traduzidos e lidos pelo je. mais dois inéditos, pelo que leio, um já traduzido e editado em França e não tarda cá e em todo o mundo: como o cronista refere Bolaño será dos autores mais editados post-morteum, o que não deixa de sacar um sorriso amargamente irónico se nos recordarmos das múltiplas dificuldades materiais que conheceu em vida. mas essa é outra questão, que se resolve na gargalhada de igualmente recordar que o literalmente colossal "2666", bichinho dumas 2000 páginas e à vontade uns quilitos foi estatisticamente o livro mais fanado nas livrarias e hipermercados 'tugas no ano da graça de 2010, ainda a troika não nos tinha avisado que as prioridades passavam a ser o arroz e as batatas. gargalhada eticamente justificadíssima pois o bom do Bolaño aprovava e praticava a apropriação revolucionária de bens culturais massificados, achando-o um acto de guerrilha social justo e impoluto.
porém o que me fez parar a leitura da crónica a 30 à hora - este francês enferrujadíssimo... - foi o pensamento de que este assalto ao disco rígido do seu computador, às gavetas e aos bolsos do escritor, tem uma faceta que, comparativamente, ainda me torna o vício da pornografia mais aceitável e "limpo": há um usufruir de herança que não é equivalente à abertura dum cofre, do portão do palheiro onde se descobre atrás de fardos de palha um "calhambeque" que afinal é uma jóia, que para voltar a brilhar ou para enriquecer os olhinhos herdeiros que o contemplam só necessita de correr-se com as galinhas de lá para fora, duma boa lavagem, uma revisão mecânica e estofos novos.
num livro que ficou "em projecto", quem o fará? e, saindo assim, "em bruto", como distinguir as linhas que (Bolaño) certamente seriam reescritas? _«tirem-mo da mão senão nunca mais páro!», dirá qualquer um que escreve... até que ponto estas edições, mesmo que bem identificadas pelo editor acerca da forma e momento como foram "descobertas" não constituem um assalto ao cadáver, um retalho indecente das suas partes só minimamente legíveis? tal como assistimos incomodados com o mal começado 4º romance da saga Millennium do sueco Stieg Larsson, cujas duas famílias herdeiras, a biológica e a romântica, brigaram publicamente e na barra judicial por meras 20 ou 30 páginas de despojos? isto cheira mal.
pousei a esferográfica para beber mais um café. o pacote de açúcar (e que vai para o bolso) ensina-me que "levar um puxão de orelhas" tem origem no tempo das Ordenações Afonsinas, em que pelo lido o puxão era bem mais violento qu'aquele que hoje conhecemos - e alguns na própria pessoa. suspiro, resmungo, chupo o cigarro de danado, e fecho o comentário escrevinhado para regressar à crónica do Quiriny, a dizer entre-dentes qu'esta actividade macabramente fúnebre de remexer os bolsos alheios à procura de mais que de trocos, tratando-se de escritores, é bem capaz de merecê-las bem puxadas. a doerem, em memória do falso finado, que não posso deixar de senti-lo como se assaltado por ladrões de tumbas.
ponto.
vês, Graça? :-) tudo serve de mote para largar à desfilada, tudo serve... até uma formiga num carreiro é razão suficiente para lhe estender um lençol, quanto mais o cadáver dum escritor que, repito, é muito cá da casa. beijito do je :-)
a Graça, além de loiraça, giraça, divertida e tão doce que faz pensar em donuts fresquinhos, é senhora dum dos mais bonitos negócios do mundo e foi por pouco que não a pedi em casamento :-))) lá me salvei duma tampa, mas trouxe a revista e suspeito que nunca mais hei-de pegar numa Le Magazine sem me recordar dos seus olhos lindos (lindos) e cuscos, e da sua gargalhada bonita. eu comecei a escrever, juro, para falar num escritor e numa notícia que li na revista, juro-o novamente. mas... lol ;-) ela é tão simpática e bonita (na loja os clientes dizem-la nórdica ;-) que é impossível deixar de sorrir quando recordo o formidável dia que foi a sexta, nós horas e horas na palheta, uma bula-bula onde cruzámos memórias comuns da terrinha com os nossos percursos pessoais, cá beira-Tejo.
bem... abandonemos por instantes a loirita mais simpática e gira que conheci nos últimos tempos, para entrar em matéria: Roberto Bolaño, que quem me lê sabe, é muito cá da casa. estou no café e leio numa crónica de Bernard Quiriny terem sido descobertos mais inéditos do fenomenal alazão chileno das letras (escrevia em cavalgada: a minha única definição da cascata alucinante que são os seus mega-romances "Os detectives selvagens" e "2666"), a somar aos póstumos já conhecidos "O terceiro Reich" e "Os dissabores do verdadeiro polícia", já cá traduzidos e lidos pelo je. mais dois inéditos, pelo que leio, um já traduzido e editado em França e não tarda cá e em todo o mundo: como o cronista refere Bolaño será dos autores mais editados post-morteum, o que não deixa de sacar um sorriso amargamente irónico se nos recordarmos das múltiplas dificuldades materiais que conheceu em vida. mas essa é outra questão, que se resolve na gargalhada de igualmente recordar que o literalmente colossal "2666", bichinho dumas 2000 páginas e à vontade uns quilitos foi estatisticamente o livro mais fanado nas livrarias e hipermercados 'tugas no ano da graça de 2010, ainda a troika não nos tinha avisado que as prioridades passavam a ser o arroz e as batatas. gargalhada eticamente justificadíssima pois o bom do Bolaño aprovava e praticava a apropriação revolucionária de bens culturais massificados, achando-o um acto de guerrilha social justo e impoluto.
porém o que me fez parar a leitura da crónica a 30 à hora - este francês enferrujadíssimo... - foi o pensamento de que este assalto ao disco rígido do seu computador, às gavetas e aos bolsos do escritor, tem uma faceta que, comparativamente, ainda me torna o vício da pornografia mais aceitável e "limpo": há um usufruir de herança que não é equivalente à abertura dum cofre, do portão do palheiro onde se descobre atrás de fardos de palha um "calhambeque" que afinal é uma jóia, que para voltar a brilhar ou para enriquecer os olhinhos herdeiros que o contemplam só necessita de correr-se com as galinhas de lá para fora, duma boa lavagem, uma revisão mecânica e estofos novos.
num livro que ficou "em projecto", quem o fará? e, saindo assim, "em bruto", como distinguir as linhas que (Bolaño) certamente seriam reescritas? _«tirem-mo da mão senão nunca mais páro!», dirá qualquer um que escreve... até que ponto estas edições, mesmo que bem identificadas pelo editor acerca da forma e momento como foram "descobertas" não constituem um assalto ao cadáver, um retalho indecente das suas partes só minimamente legíveis? tal como assistimos incomodados com o mal começado 4º romance da saga Millennium do sueco Stieg Larsson, cujas duas famílias herdeiras, a biológica e a romântica, brigaram publicamente e na barra judicial por meras 20 ou 30 páginas de despojos? isto cheira mal.
pousei a esferográfica para beber mais um café. o pacote de açúcar (e que vai para o bolso) ensina-me que "levar um puxão de orelhas" tem origem no tempo das Ordenações Afonsinas, em que pelo lido o puxão era bem mais violento qu'aquele que hoje conhecemos - e alguns na própria pessoa. suspiro, resmungo, chupo o cigarro de danado, e fecho o comentário escrevinhado para regressar à crónica do Quiriny, a dizer entre-dentes qu'esta actividade macabramente fúnebre de remexer os bolsos alheios à procura de mais que de trocos, tratando-se de escritores, é bem capaz de merecê-las bem puxadas. a doerem, em memória do falso finado, que não posso deixar de senti-lo como se assaltado por ladrões de tumbas.
ponto.
vês, Graça? :-) tudo serve de mote para largar à desfilada, tudo serve... até uma formiga num carreiro é razão suficiente para lhe estender um lençol, quanto mais o cadáver dum escritor que, repito, é muito cá da casa. beijito do je :-)
rais'parta o luar!
detesto
luas. (e não simpatizo lá muito com lobos da serra, mas enfim... o eles
uivarem-lhe já quase os faz simpáticos. quase) a minha aversão àquela
coisa é tal que quando saio à noite procuro o lado da rua onde os
prédios ma escondam (me escondam?). e, fosse eu um nabado do Extremo
Oriente, daqueles que anualmente são pesados e o contra-peso é abichado
em jóias, e só saía à rua com um toldo enorme
a cobrir-me, bem denso e opaco, a impedir "a tipa" de me topar. e eu
dar com ela. bomba nela! até me dá ganas de meter uma cunha ao
Nenuco-sung da Coreia do Norte para construir uma Unha quatro vezes
maior, enchê-la de trotil e apontá-la à tipa quando estiver prenha, de
Lua cheia: pelo tamanho, àquela ele não ir falhar o alvo. odeio luas,
luares, e para mal deste meu azar muito particular a porcaria da poesia
romântica está pejada de riminhas à luazinha, tão fofinha, etc e tal. é o
suficiente para eu amarfanhar logo a página! detesto, odeio luas! :-(
humpf mesmo! :-( ah! e o tal do Neil que por lá ter caminhado e mandado
uma boca fez vida com isso? esse, punha-o no desemprego. na boa! e se se
lamentasse muito da perda de rendimento, que fosse para a bicha do RSI.
que se lixe! chiça, como detesto luas, e como os murais são uma seca em
fotos quando "a tipa" engorda que nem um queijo açoreano! :-((((
pronto, já mostrei o meu mau-feitio. isto andava tão calminho que era mesmo de desconfiar... humpf :-(
pronto, já mostrei o meu mau-feitio. isto andava tão calminho que era mesmo de desconfiar... humpf :-(
sábado, 14 de abril de 2012
a culpa é do Mandrake
tudo tão tudo e tão irreal como se um nada:
por que é que não me chega o que tenho? por que é que sonho
o que nunca alcanço, e por que é que não morro e assim
terminava?
eu sei. a esta eu sei responder: porque aprendi
(ainda muito novo) que é mais sedutor o que se imaginou
qu’aquilo que nos é afável, e existe.
esta tragédia calhou nas laudas do Monte Cristo, nos mistérios
do Mandrake e do Garra de Aço, no Peninha e nas suas tolices:
em demãos contínuas foram eles os pedagogos que me arruinaram.
depois deles? não abono o que me cinge
e vivo a veracidade das nuvens como se só ela fosse “a” vida.
ou seja: tudo (tudo) me angustia
e talvez tivesse sido mais-valia nunca ter ido
além da última folha do sonho e da revista.
mas fui, e agora não saio disto: eu quero uma ilha.
preciso dela! onde o que se leia sejam folhas das árvores,
a areia e o mar. o céu? não o olharei, pois sei
que a realidade está invertida e é lá que ela existe,
e ela não é bela, é assim, sabem? assim
a modos que triste.
a modos que triste.
quinta-feira, 12 de abril de 2012
bestialidade
acho
que todos conhecemos a anedota onde a galinha, quiduxa, vai debicando e
bamboleando, para cá, para lá, para cá e, senhor dr. juiz, eu não tive
culpa foi ela que me provocou. ou piadas um bocadito brejeiras que metam
ovelhas. sorrimos com a paródia à bestialidade como podemos sorrir com
uma anedota racista sem isso significar que o somos: um mundo cheio de
proibições irrita de tão fascista que é essa mania de nos proibir o exercício à gargalhada parva.
já não achamos tanta piada ao beirão que há uns poucos anos atrás
aviava todos os animais da aldeia, da galinha à égua tudo marchava até
que alguém lá da aldeia o marchou a ele. existe uma diferença: não é uma
anedota mas sim um caso real. um violador de animais, um tarado, que
veio a ser assassinado por alguém cujos escrúpulos morais eram tão
poucos que facilmente optou pela única solução que não deveria existir:
matá-lo, porque lhe enrabou as galinhas, as ovelhas e a égua.
tudo isto me veio à cabeça conforme me horrorizava com o que lia nesta crónica de Tiago Mesquita: algures neste mundo, onde embora nos matemos
uns aos outros por questões sempre importantes mas que espremidas não
valem a bala, onde exercemos com a noção de estar a fazer o correcto a defesa
de espécies em extinção, e duma correcta forma geral a defesa dos direitos dos
animais, eles "usam-se" em bordéis, e utilizam-se lascivamente porque a
velha lei da oferta e da procura o explica. e eu nem sei se me hei-de
horrorizar mais com quem obriga os animais a um cativeiro tão porco, se
com os homens que se entesam e têm prazer ao violar orangotangos.
isto não é uma anedota, e mete-me medo esta gente.
sábado, 7 de abril de 2012
"as páginas do meu mural"
um poema escreve-se
um aperto no peito o olhar ausente
e o cigarro em dedos que espreitam
a vez incontinente
as páginas do meu mural não foram escritas por mim.
eu? não existo. e o que escreve
é duplicado, fotocópia, agente secreto
daquele que não é ou sou e aqui faz log in
um poema escreve-se no desatar dum peito
um poema escreve-se
um aperto no peito o olhar ausente
e o cigarro em dedos que espreitam
a vez incontinente
as páginas do meu mural não foram escritas por mim.
eu? não existo. e o que escreve
é duplicado, fotocópia, agente secreto
daquele que não é ou sou e aqui faz log in
um poema escreve-se no desatar dum peito
sexta-feira, 6 de abril de 2012
SÍSIFO, NARCISO & EU
a noite verniz e desapossada dos meses quentes
assenta melhor a este lugar: a Bica de Duarte Belo, ou apenas
Bica, a inclinada
onde a multidão insegura, em geral bem-parecida, segura
numa das mãos o copo, na outra o cigarro
palavreia minudências em pequenos grupos, olhando-se extensamente
num rodopio que passeia entre si própria e os bares
nunca tantos projectos alguma juventude, noutra época
e noutro lugar, soube prometer e não consumar
noite a-pós noite a grande enunciação do que ainda se fará
e não se fará nunca, por causa
pese embora este Inverno de onde escrevo, que não logra
escorraçar o agregado da sua posição oblíqua, resvalando para o rio
nunca para vogar daqui para fora, mas para ficar no Cais
como quem por pertinácia não abandona o Verão
a chuva faz cerimónia, não se impõe à invalidez local, e eu tomei
o meu posto, às vezes sentado no anfiteatro dos degraus, outras vezes
no esforço de me manter de pé, encantador
hoje não vim desapossado, as circunstâncias
fizeram com que chegasse de outro lado para beber apenas uma
e de novo partir
tenho um saco despropositado com metade
da reedição do livro anterior, que pesa, que chateia, que não tive
maneira de largar noutro lado e agora me acompanhará
até que recolha, não se sabe em que figura, a casa
cinquenta livros (as edições de poesia são felizmente regradas)
que no fim da noite terão de subir a rampa desta rua e caminhar sem
ajudas para Campo de Ourique (não se comovam: vendi um livro
apanhei um táxi)
subir a inclinação - inclinada em bis pela cerveja - com o peso do saco
fez-me pensar que aquilo que carreguei a noite toda não eram livros
era o meu ego
que pesava mais conforme ascendia
Miguel-Manso, "Ensinar o Caminho ao Diabo", Os caminhos de Gent, Março de 2012
o Miguel apresentará este livro - e o "Um Lugar a Menos", prosa poética
- no próximo dia 14, às 16 horas, no Auditório da Biblioteca Municipal de Almeirim. de amanhã a oito dias, e eu gostava de lá vos encontrar,
tantos, tantos de vocês: gostarão do Miguel, adorarão os seus livros, e,
sorte minha, estou em crer que gostarão também de me conhecer a mim :-)
eu e o diabo
desde há uns tempos atrás, e sem ter passado perto dum reactor nuclear ou, que me tenha apercebido, me digladie com mais crises existenciais que as habituais e de conforto de identidade, por tudo e por nada sai um festival de caretas. saiem-me: sem causa lobrigável, no remanso dos nadas expludo num torte-retorce da face, revirar de olhos e dentinho à mostra, por vezes com uns ais esticados a acompanhar. no café já nem ligam («lá está ele...»), e a senhora das opiniões cá da casa diz que é o diabo a tentar sair de mim e eu não deixo. curiosa opinião.
que cá dentro isto anda desarranjado, não é novidade nem é de agora. aceito como bom o argumento da queda do berço, esse lava-tudo infantil, a ter de aceitar algum: a tal zona de conforto de que carecemos para nos explicarmos, quando "o ser" entra em conflito com o externo "deverias ser". a paz social paga-se, mas muito honestamente creio que o meu contabilista interno ando um pouco zangado com a facturação detalhada da conta, e vai daí saem as inexplicáveis caretas, nem mais nem menos que o dito a resmungar com as parcelas. o diabo, portanto.
o Nietszche, que foi um gajo diabolicamente esperto para estas coisas, tratou a sublimação de formas que me são muito pouco agradáveis - tratando-se afinal disso. não se contentando com as tradicionais pulsões sexuais, o bom do bigodaças mau-feitio anexa à minha economia psíquica de desilusões e fantasias pulsões de nomes tão antipáticos como de destruição ou de morte. vade retro, ó pá! nem os espelhos onde me miro se quebram, as crianças fogem de mim, ou penso em colocar mais bombas que o comum dos cidadãos.
mas que é verdadeiro o dito «isto está tudo ligado!», é é. isto anda tudo ligado, quando penso no inconfessável: elas (as caretas) saem e espreitam quando penso em gente concreta, quando associo tudo (tudo) no quotidiano às presenças, às ausências, e às imaginações. um divã que o explique melhor: faço os trabalhos de casa à minha maneira, e neste próprio momento estiquei os lábios e fiz u-u!, fechei e abri um olho que nem com um tresolho, ao concluir que este azul marítimo facebookeano* (e que é um chibo) despertou um diabinho que caiu do berço em pequenino, e, por muito que eu me estrangule ("sublime"), deu-lhe asas e revelou-o. em caretas filosóficas, pois.
ps em defesa da honra: o gajo da foto não sou eu. acredito que as minhas são melhores. hum
* fanei-me, do Facebook
quinta-feira, 5 de abril de 2012
quarta-feira, 4 de abril de 2012
Kant ou Jung? não desisto
ando entretidíssimo a ler "O Preço da Incompetência - História dos Grandes Erros de Gestão" (Christine Kerdellant, Prefácio, 2003).
entretidíssimo, porque é um consolo: nos meus quase 57 sou um jovem e um amador: os meus erros de Gestão, mesmo comparativa e proporcionalmente, soam-me a menores e aptos a com um 'face lifting' ao produto (me) recuperarem a pujança competitiva, quando leio e pasmo com os de empresas com tanto currículo como um século de experiência, de gestores com quilómetros quadrados de calos, de "brainstormings" com tudo que é bicho dos mais argutos, mas que não vêm as evidências que deviam prever.
Jung defendeu o papel dos sonhos, que não seriam apenas reveladores de desejos ocultos, mas sim uma ferramenta da psique que busca o equilíbrio por meio da compensação. está clarinho que nem palhete que este gajo pensava em mim quando assim elocubrou. que nem palhete, pois a paixão e o onirismo, colados que nem lapas nesta gesta, e num constante forrobodó de céus e nuvens que me faz reclamar por ilhas, turvam um niquito da teoria quando de mim penso.
entretanto olho outros, abandonados, e penso que a jusfilosofia nunca foi maná para mim: falta glamour ao pensamento que usa e veste com tanta vaidade bibes de tailleur pesado de mais. essa é a (minha) "sombra", na teoria dos sonhos de Jung. ou "um erro de gestão", se a Christine soube-se de tanto.
sigo para Kant. não sei em que livro seguinte o encontrarei à coca de mim, mas suspeito que num qualquer romance que se siga a "razão" estará lá escondida, e eu depois conto-o aqui :-)
Heráclito de Éfeso e o Facebook
«sentou-se à frente do Grande Interrogador e olhou, fatigado, a mesma pergunta de sempre, sempre, sempre... e afinal em que pensava ele? é natural que pense: se ele dialoga comigo eu existo, i.e. penso. pensou, pensou-o e pensou mais. e será isso que ele quer que eu diga? ou que rebusque novas palavras para dizê-lo, que vá fundo e traga, que o ajude a encher a meia-folha de papel selado do interrogatório? acendeu-se a luz forte, a célebre luz dos interrogatórios, levantou as mãos, esticou os dedos para as letras plásticas e escreveu»
Heráclito de Éfeso, que foi um dos gajos gregos espertos por ter sabido pensar, viver e morrer antes da sua pátria se dedicar à prostituição financeira e viver de trocos, que entre outras tiradas capazes de vingar em inúmeros cliques numa rede social hodierna disse que «a estrada que sobe e a que desce são uma e a mesma», é o avô e a avó do conceito "panta rei": tudo flui, tudo se move, excepto o movimento. só por esta justificava dois Gosto. já quanto a paternidade, filha deles (dele) é o "devir", algo que em corridinho breve se traduz por «(...) a mudança que acontece em todas as coisas é sempre uma alternância entre contrários: coisas quentes esfriam, coisas frias esquentam; coisas húmidas secam, coisas secas humedecem, etc. A realidade acontece, então, não em uma das alternativas, posto que ambas são apenas parte de uma mesma realidade, mas sim na mudança ou, como ele chama, na guerra entre os opostos. Esta guerra é a realidade, aquilo que podemos dizer que é. "A doença faz da saúde algo agradável e bom"; ou seja, se não houvesse a doença, não haveria por que valorizar-se a saúde, por exemplo.» (Wikipédia dixit, e eu sou dos acreditam mais nela que dela duvidam).
a guerra dos opostos é então a realidade, diz Heráclito. nas margens, o passado e o futuro: a transição é o momento, e o momento somos nós (afinal existimos, transitoriamente entre uma ex-realidade e uma outra que podemos não saber dela assim, mas que acontecerá nem que nesse 'nosso' estado de ignorância dela). panta rei, afinal eu não existo. em que estás a pensar? perplexo (!), penso nesta nova realidade de inexistência.... activa.
se eu não calar o Grande Interrogador com esta, não sei a que mais recorrer. Heráclito de Éfeso! chiça...
segunda-feira, 2 de abril de 2012
Bénédicte Houart
com os direitos de autor
do meu primeiro livro de poesia
comprei um m&m amarelo
(amendoins cobertos de chocolate)
duvido que alguém tenha saboreado os meus poemas
com tanto alarido
com os direitos do segundo
comprei dois m&ms
fiquei abundantemente contente e
de queixo bem lambuzado
como convém
cada m&m lembrava-me o álvaro
que dizia, e passo a citar
come chocolates, pequena, e
eu, citando novamente,
comia chocolates, pequenos
com os do terceiro
que ainda não escrevi
já me cresce água na boca
reservei m&ms na mercearia
e pus a boca em pause
embora muito a contragosto
bem vejo como este poema é prosaico
as minhas desculpas
os direitos de autor não dão
para mais metáforas do que isto
(e, de resto, ele tinha razão, o álvaro
o mundo é uma gigantesca pastelaria
onde uns comem, outros veem comer)
BÉNÉDICTE HOUART
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...e como a boa da Bénédicte tem razão! quando me lembro do quanto "ganhei" com o Xicuembo nem sei se rio ou se me dá uma avaria!...
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