terça-feira, 17 de abril de 2012

novembril

 "(...) O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo"
 
Sophia disse-o
este Abril está como eu: sinto-me novembril, saudoso do calor e tenso como o ar antes das trovoadas. e adio-me, e páro de escrever à procura de palavras que nada digam, à procura de torniquetes que me vedem, lençóis que sob pretextos de protecção ao mobiliário ocultem os espelhos. do pó, do frio, ou de mim. adio correspondências onde me conto, adio poemas que escondo, adio encontros que terão de acontecer. Abril revolucionário, de memórias, paixões, Abril de mais um mês. e parece Novembro. nem é, nem deixa de sê-lo. e aqui (todos os dias aqui). se me ausento, logo abrevio: regressar. regressar ao meu ódio, que ócio assim é ódio, que conferir ausências é ódio, que odiar tanto talvez seja amor. e adio, páro o tempo, busco nos mistérios as explicações dum tempo assim, insonso, vegan: nem carne nem peixe, só o vento frio, as nuvens feias, tudo triste, Abril assim não, assim é Novembro, assim a desilusão não levanta tenda nem o pai morre nem a gente almoça nem nunca mais é sábado nem há ditados populares que cheguem para abrilar as tardes, nem.

uma vez na vida fui totalmente honesto. e foi em Abril. não me recordo mas sei quando foi e porque o fui. dei-me. não como nas metáforas: dei-me mesmo, sem as reservas de nos darmos mas com um pézinho de fora, esse truque cigano. três quilos e tal de mim, chorão, cagão e mijão: nasci e dei-me: nunca vo-lo contei mas nasci no dia anterior à minha mãe fazer anos, e isto foi o meu Abril, abril como devem ser os abriles, chorão, cagão, mijão, e a seguir aprender o truque, e abril sorridente. este não está a ser assim: é novembril, é pesado, tenso, monocórdio, tão aborrecido e frio que apetece andar à bofetada com ele para aquecê-lo. correr pelas salas todas da vida e levantar os lençóis todos que ocultam os anos, os meses, e aqueles bocados de que nos escondemos nos espelhos quando por descuido nos recordamos. lavar os dentes à vida. sair para a rua sem gritar, seguir caminho sem dor. e abandonar a poesia, essa fábula de dias ensolarados que não vêm: Abril traiu, e nem vale a pena levantar os olhos para o céu pois lá não se vê mais nada além da tristeza em cor de chumbo deste quotidiano, não há milagres nem sol, nasci em Abril e fui prenda mas de há muito perdi o laçarote e quase nem sorrir já sei. o chorão, cagão e mijão continuam, sei que o pensam mas não mo digam, eu isso sei, sei, sei. li-me!

falta-me qualquer coisa que não sei explicar. não é um casaco para os arrepios: acabei de vesti-lo, repararam? as Mesopotâmias distantes continuam, e acredito que um dia descobrirei a que sabe realmente o licor de angustura. mas...

meu Abril

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