novembril
"(...) O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo"
Sophia disse-o
este
Abril está como eu: sinto-me novembril, saudoso do calor e tenso como o
ar antes das trovoadas. e adio-me, e páro de escrever à procura de
palavras que nada digam, à procura de torniquetes que me vedem, lençóis
que sob pretextos de protecção ao mobiliário ocultem os espelhos. do pó,
do frio, ou de mim. adio correspondências onde me conto, adio poemas
que escondo, adio encontros que terão de acontecer.
Abril revolucionário, de memórias, paixões, Abril de mais um mês. e
parece Novembro. nem é, nem deixa de sê-lo. e aqui (todos os dias aqui).
se me ausento, logo abrevio: regressar. regressar ao meu ódio, que ócio
assim é ódio, que conferir ausências é ódio, que odiar tanto talvez
seja amor. e adio, páro o tempo, busco nos mistérios as explicações dum
tempo assim, insonso, vegan: nem carne nem peixe, só o vento frio, as
nuvens feias, tudo triste, Abril assim não, assim é Novembro, assim a
desilusão não levanta tenda nem o pai morre nem a gente almoça nem nunca
mais é sábado nem há ditados populares que cheguem para abrilar as
tardes, nem.
uma vez na vida fui totalmente honesto. e foi em
Abril. não me recordo mas sei quando foi e porque o fui. dei-me. não
como nas metáforas: dei-me mesmo, sem as reservas de nos darmos mas com
um pézinho de fora, esse truque cigano. três quilos e tal de mim,
chorão, cagão e mijão: nasci e dei-me: nunca vo-lo contei mas nasci no
dia anterior à minha mãe fazer anos, e isto foi o meu Abril, abril como
devem ser os abriles, chorão, cagão, mijão, e a seguir aprender o
truque, e abril sorridente. este não está a ser assim: é novembril, é
pesado, tenso, monocórdio, tão aborrecido e frio que apetece andar à
bofetada com ele para aquecê-lo. correr pelas salas todas da vida e
levantar os lençóis todos que ocultam os anos, os meses, e aqueles
bocados de que nos escondemos nos espelhos quando por descuido nos
recordamos. lavar os dentes à vida. sair para a rua sem gritar, seguir
caminho sem dor. e abandonar a poesia, essa fábula de dias ensolarados
que não vêm: Abril traiu, e nem vale a pena levantar os olhos para o céu
pois lá não se vê mais nada além da tristeza em cor de chumbo
deste quotidiano, não há milagres nem sol, nasci em Abril e fui prenda
mas de há muito perdi o laçarote e quase nem sorrir já sei. o chorão,
cagão e mijão continuam, sei que o pensam mas não mo digam, eu isso sei,
sei, sei. li-me!
falta-me qualquer coisa que não sei explicar.
não é um casaco para os arrepios: acabei de vesti-lo, repararam? as
Mesopotâmias distantes continuam, e acredito que um dia descobrirei a
que sabe realmente o licor de angustura. mas...
meu Abril
Sem comentários:
Enviar um comentário