quarta-feira, 20 de julho de 2011

"Ábaco da vida"




na intimidade da solidão imagino-te
nua, terna
minha.

em silêncio gemido
ejaculo a minha tristeza.

"matiné de carinho"




hoje queria ir ver um filme antigo,
tão antigo como nós.
do tempo em que o cinema era-nos especial
e escondíamos as lágrimas que se nos colavam como feitiço.

e ríamos tanto, tanto, antes e depois do filme
que o seu bilhete era a porta íntima do mundo.

hoje queria estar contigo,
e voltar a ver os nossos filmes um por um.
as lágrimas, o riso, a centelha de te tocar no braço
e acreditar que há momentos como o princípio do mundo.

"ode ao desejo"



acendo o cigarro das palavras difíceis
mas não me lembra nenhuma mais estranha que Mesopotâmia
(ou licor de angustura.)

a coreografia quando te visualizo não se vê,
mas vejo o vértice do desejo:
os caracóis do teu cabelo,
a minha saliva,
e tão perto como distante
a produção literária constante
do sofrido futuro dos impossíveis.

e não consigo pensar em nada mais distante
que Mesopotâmia

terça-feira, 12 de julho de 2011

cruzar a perna às memórias




Ontem tive o meu jantar "Os Amigos de Alex", já tradicional quando o João Correia, o "João Carapinha", por cá aparece nas férias do hotel londrino onde já há quatro anos verga a mola.


Já o contei mas aqui vai novamente: o Carapinha foi 'o Joãozinho da Casa das Beiras' na adolescência, eu ignorante de todo de onde ficava Almeirim e sequer que existia uma terra com este nome, e o João já esquecido de onde viera além da Beira e do colégio sul-africano de onde fugira, a nunca tê-lo referido. Depois disso lá no longe laurentino, nos primeiros meses de Lisboa, sempre speedados, '76, vivêmo-lo com coisas que se contam mas devagar, algumas a precisar de reconsulta ao Código Penal e à sua múltipla legislação Extravagante




(é o nome técnico da coisas, a miríade de leis anexas, paralelas, sobrepostas, esquecidas até, que se cola a qualquer novo diploma legal codificado até o tornar muitas vezes, ele, o Código, mero material de consulta de suporte pois o que interessa não está lá, curto de vistas que um código penal tem de ser por definição pois não pode criminalizar e avançar com punições para tipos de 'crimes' - sim, aspas nestes que estou a pensar - ainda até mal tipificados. Depois os tais diplomas 'extravagantes' é que os definem mais-ou-menos, mas esforçadamente, e os tipificam assim para, consultado o calhamaço ficar-se com uma noção de quanto vale em perda de liberdade fabricar receitas médicas - mas com esmero! - ou, outro exemplo, tomar quantidades ao dia de comprimidos para emagrecer que, houvesse-o à altura, pareceríamos - quem? - esforçadissímos candidatos a vencedores do tal concurso televisivo dos gordos. fim de devaneio chibatório e regresso ao ramal perdido, o dos cruzamento da vida com o Carapinha)




...e não é que, finda a licenciatura lisboeta àcerca do Novo Mundo, e uma mirada longa ao interior beirão, venho a 'acamar' a vida em Hellmeirim, e cá encontrar o João Carapinha, com raízes paternas em Almeirim e que à altura vivia com a avó? Depois nos 80's desapareceu para o Algarve anos e anos, pelo meio um bar no Bairro Alto e uma cena que durou bons anos como marchand d'art na modalidade de boas (muito boas) réplicas de quadros, quer dos que estão-em-todos-os-álbuns-generalistas até aos desconhecidos que espantam e seduzem e ficam, e assim se governou e muito bem, que além de ter 'feito' Portugal de ponta a ponta e sempre em alta rotação, deu para conhecer um bom bocado da Europa à conta do negócio e, até, quando foi a S.Paulo só nesse mundo gigante ficou um ano em hotel colado à av. Paulista, o que o deixava descansar pouco à noite e aproveitou e curtiu muito Brasil que não se encontra nas rotinas turísticas. Depois veio a invasão das lojas chinesas, e percebeu-se que as pessoas não se ralam muito se o quadro (a réplica) que compram para a sala tem os girassóis desproporcionados e com um brilho esquisito, desde que custe um quarto do preço do tal outro que, se não se olhar para as assinaturas só quem conhece um bom bocado de pintura reparará às primeiras qual o verdadeiro e qual a sua réplica. Bem, abreviando,




o João é o meu único amigo de várias fases da minha vida que hoje seja habitualmente presente. o jantar 'amigos de alex' sempre que cá vem, na noite anterior à partida.


(procurei imagens de Lipoperdur mas não encontrei nenhuma. e 'dos prelos' vem isto... :-) a investigar: na 2ª linha do Google Imagens aparece uma bandeira de Moçambique e a inscrição: 'Os poetas de Moçambique'. link a investigar. a cuscar quem é que andava a speedar e a escrever poesia; e já agora o que é que conta)

hoje fui ter com ele a casa, que ontem à noite estava um bocado despassarado e deixei lá a) os óculos escuros mais a sua caixa; b) uma t-shirt (!); c) um embrulho pequenino com uma prenda dele, e que já está escondido.

no caminho entrei numa papelaria com ambição envergonhada de livraria (os livros na parede mais distante da loja e sem iluminação capaz de pegar-se num e ler-se um bocadito) e mal arrumada ("expõem" ao alto a todo o comprimento das estantes, o que torna uma trabalheira conseguir ler as lombadas, acabando eu por concluir que os mais interessantes até são os que estão "escondidos", qu'o resto qualquer supermercado os tem) e fiz uma compra, o que já não fazia há uns tempos (isto está mesmo difícil, não é só nos jornais). "Apenas Miúdos", da Patti Smith. não escrevo 'de Patti Smith' embora nunca tenha andado com ela na escola, mas "andamos" há anos suficientes para tomar algumas familiariedades. o que ela conta aposto que sei-o noutro andamento: é biográfico, dela e das suas cenas, que igualmente as cenas que foram comuns a uma geração, vividas tão longe e tão perto, tão iguais. e ela a soar, sim, e agora a lê-lo e a encontrar identificações, mais memórias pessoais que surgem quando se lêm outras e faz-se o cruzamento com as nossas, "àquele tempo, àquela idade' - o que ela conta, eu sei-o.


também o senti há coisa dum ano atrás quando li a biografia de Eric Clapton. além de ter amenizado a sensação de burrice relativamente a tanta coisa iconográfica que, concluía quase página a página, só conhecia na rama, aprendi outras interessantíssimas, tal como o pasmo e o ânimo que dão a qualquer disparate do gordinho o relato em como o bom do Eric andou dez anos (!) em volta da mulher dum dos seus melhores amigos (George Harrison) para 'gamar-lha', conquistá-la e seduzi-la a largar o bom do George em prol dum desatino igual ou ainda pior. isto anima! dez anos passam num fósforo desde que o Carapinha vá aparecendo e periodicamente surja este impulso de virar a mesa, mas conservar nas mãos Patti Smith (ou Eric, ok).



antes de ontem encontrei by Facebook uma ligação viva ao passado. duas, aliás. é raro, muito raro. foi bom... e tive lagrimita, tanto que recordei!

quarta-feira, 6 de julho de 2011