quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

"Quando Nietzche chorou"

do livro: lavou-me um canto de coração magoado. mas foi só um canto. existem páginas a mais rasgadas, amarfanhadas, pisadas, para ser legível onde começa e até onde vai o que dói, o que se sente. há os livros, e há as pessoas. sem páginas finais, sem uma estante onde ganhem pó as lombadas que magoaram. está tudo sempre à mão. em qualquer livro que se pegue vê-se, qual espelho voyeur. não há soluções. por isso lê-se (leio?) sem fim. igual: sem fim. a literatura - de nós? - é uma arte fodida (pardon my french, como já li algures)
agora há o filme. integral, acima. não vou vê-lo. pu-lo aqui como bailarina de panela de pressão

lidos

Nas trevas exteriores, Cormac McCarthy
O escritor-fantasma, Zoran Zivkovic
Sete notas musicais, Zoran Zivkovic
Mason & Dixon, Thomas Pynchon (em curso)

domingo, 19 de janeiro de 2014

dores

«É preciso esquecer devagar. Se uma pessoa tenta esquecer-se de repente, a outra pode ficar-lhe para sempre. Podem pôr-se processos e acções de despejo a quem se tem no coração, fazer os maiores escarcéus, entrar nas maiores peixeiradas, mas não se podem despejar de repente. Elas não saem de lá.»

«Mas a tristeza só há-de passar entristecendo-se. Não se pode esquecer alguem antes de terminar de lembrá-lo. Quem procura evitar o luto, prolonga-o no tempo e desonra-o na alma. A saudade é uma dor que pode passar depois de devidamente doída, devidamente honrada. É uma dor que é preciso aceitar, primeiro, aceitar.»

«É preciso aceitar o amor e a morte, a separação e a tristeza, a falta de lógica, a falta de justiça, a falta de solução.»

«Para esquecer é preciso deixar correr o coração, de lembrança em lembrança, na esperança de ele se cansar.»


MEC, aqui

lidos

O manipulador, John Grisham
O palácio da meia-noite, Carlos Ruiz Zafón
Nova Iorque num poeta, Federico García Lorca
As grandes batalhas da História, ed. do Canal História (em curso)

sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

os "idiotas úteis"

embora pareça que sim - o meu mau-feitio tem vindo a crescer e a manifestar-se - não me atiro a todas as canelas que o merecem. contenho-me.

tenho pensado nisso. porquê? porquê 'deixar passar' tanta deturpação, tanta parvoíce, tanta palermice, tanta má-fé?

bem, primeiro não sou polícia. em segundo lugar dei por mim a reflectir sobre a verdade (e utilidade) dum dos jargões do marxismo-leninismo, o alusivo aos "idiotas úteis". é que embora debitem baboseiras e insanidades risíveis, o meu cinismo político sorri: embora o carro seja uma lata carunchosa exalando fedores e não perfumes, a estrada é a correcta. e não me alongo mais sobre.

força camaradas! força idiotas úteis! o ridículo é vosso mas o resultado final beneficiará todos!

"Não Seguimento", no Facebook



descobri uma excelente terapia para fazer face à enxurrada de tristezas mentais que me enxameiam o Feed do Facebook, via o meu larguíssimo conceito de 'amizade' e me levou a ter diariamente à janela um desfile de pensamentos e desejos que, de forma exageradamente simpática, só posso chamá-lo de obsceno. pessoas que cultivam não só a inveja e o mal-dizer como também ódios. cinismo. hipocrisia. egoísmo à décima-quinta potência. palas nos olhos e lobotomias auto-infligidas (e com gáudio disso). na maioria pessoas muito mal formadas.

e acho que sem desejo de remissão: tive conflitos por num caso ou outro que mais me indignou (ou nem tanto: eu estava sem pachorra para fazer que não vira/lera e passar adiante), por, dizia, ter tentado que se compreendesse, visse, se aceitasse que normalmente todos os conflitos são divergências, existindo portanto duas visões diferentes em choque e, de certezinha, não será a afecta a tremendismos tipo "Correio da Manhã" a acertada. ou a mais acertada. debalde... cansa, e cansei.

excluir, bloquear, 'desamigar', é um acto radical (usei-o poucas vezes e o arrependimento é pouco). radical demais para usar aqui (lá, no Facebook), um café tão grande e tão frequentado onde é impossível não ouvir conversas em mesas ao lado da nossa, as tais onde raramente nos sentamos mas coexistem no mesmo espaço, o nosso: escolhemos o café voluntariamente, chama-se Café Facebook e gostámos do frequentar, propusemos e aceitamos 'amizades' na esperança de mais e mais mesas onde nos sentarmos e sermos recebidos com agrado. não; excluir/bloquear não serve quase nunca. felizmente!

então, dizia, descobri o "Não Seguimento". a limpeza mágica das vistas da janela. certamente perdem-se umas momices e umas anedotas, uma ou outra musiquita que até é engraçada, mas... o lixo, o lixo meus amigos, essa vai-se. os perdigotos mentais. as chispas de ódio. as amarguras pessoais transformadas em mesquinhez e inveja. palermices debitadas como estando-se na posse de verdades últimas. tudo isso desaparece! fica-se com a opção - a opção! - de, voluntariamente, fazer-se uma visita «para ver como param as modas» mas limpam-se os viros e evitam-se uma data de irritações.

infecundas, ainda por cima: em regra a teimosia «porque sim!», o apego às taras que deixaram cristalizarem-se, o apreço por tudo que cheire a teoria da conspiração, são superiores a uma leitura serena e, quiçá, uma reanálise e até uma retratação, uma simples confissão de erro na forma como se encarava a situação. falo de situações sociais ou políticas, acontecimentos e movimentações históricas, ou casos mediaticamente badalados, ou mitos que se propagam (com os tais perdigtos), não acerca do corriqueiro mas daqueles que envolvem a honra de pessoas concretas, muitas senhoras de actos certamente polémicos mas também certamente longe de serem os demónios que lhes imputam serem-no. creio ter sido claro, e a lista irá de polos tão distintos como os Mários Soares ou os pais da Maddie McCann: na feira dos ódios a escolha é sempre rica, e há quem não se faça gago a encher o seu bornal e a dar achas para as fogueirinhas.

hoje foram três de seguida. "não seguimento". deixei de os 'ver' *. talvez resolva... continuarei a praticá-lo, não sinto que esteja à procura dum jardim de almas gémeas nem dum mundo perfeito, simplesmente a assunção de que há incompatibilidades em áreas nucleares, embora reste todo um mundo imenso onde podemos conviver e ser felizes juntos. as tais mesas onde não nos sentamos quando a conversa sobre o tampo não nos agrada, e é suficientemente irritante para admitirmos conseguir manter a boca calada. "não seguimento": para já uma óptima solução. em casos mais radicais logo se vê.

há um que me tem preocupado (por antecipação), de como agirei quando o - funesto - caso acontecer. ainda não sei como farei, sendo certo que o coro de regozijos ordinários que prevejo será tal que, conheço-me, não me conseguirei calar. farei o que acho ser correcto mas também sei que via esse caso extremo - é-o - cortarei(emos) laços de amizade que, de facto, mais que deveriam ser são-no além de visões históricas contraditórias sobre a vida do homem público A ou B. não desejo isso. e receio-o... para já tenho pensado em 'apagar' o meu facebook por um "período de nojo", talvez uma semana chegue para o fel e o ódio regressarem aos níveis que me desagradam mas já rotulo de 'normais'. ao menos não verei o que o meu amigo A ou B disse no calor do momento, etc. é uma saída de mansinho, sei, as também não sou amigo pessoal do dito um-dia-destes 'de cujus', situação que a acontecer nos levaria a qualquer um de nós a defender o seu bom nome e a parte valorosa da sua obra "viesse quem viesse". longe disso, portanto. mas, mesmo com esta (natural) distância pessoal existirão comentários vindos de pessoas concretas que me são muito que não quero ler. ouvir. talvez durante uma semana não vá/venha ao café...

mas isso é outra guerra, e lá estou em exercício do sofrer por antecipação. para já, "não seguimento"! acho que descobri a pólvora.


*sujeito-me ao mesmo... defeitos? quem os não tem...

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

reforma do sistema

chovem perdigotos de todos os lados contra "o estado da nossa democracia" (então pelas "redes sociais" é um ver se te avias). os protestantes factualmente cheios de razão mas, se elevada a potência ao radicalismo do oito-ou-oitenta, perigosamente sem ela: na essência do debate tem de estar a sua reforma e não a sua erradicação. já dizia da democracia o gorducho british do charuto, (ela) ser o pior sistema de governo.... se se excluírem todos os outros.

mas ela não é uma estátua imutável, uma cristaleira "não me toques", um panteão carunchoso. é para ser vivida, exercida, gozada e respeitada. ela tem de estar viva, consentânea com o seu tempo e realidade de aplicação. ora a nossa está doente e necessita de curativos que a revigorem e credibilizem, é noção de consenso pacífico.

são precisas ideias. debate sério, sem perdigotos porcalhotos, mentais ou dos outros. eis uma boa amostra. (clicar)

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

dura lex sed lex?

«O julgamento foi uma farsa, um espectáculo, uma forma ridícula de procurar a verdade. Porém, como acabei por aprender, a verdade não era importante. Talvez numa outra época um julgamento fosse um exercício de apresentação de factos, de busca da verdade e aplicação da justiça. Agora, um julgamento é um concurso em que um dos lados ganha e o outro perde. Como cada um deles espera que o outro manipule as regras ou que faça batota, nenhum dos dois joga limpo. A verdade perde-se no meio da disputa»

in 'O manipulador', John Grisham

...

"dura lex sed lex"? não, lamentavelmente há bastante tempo que não é assim. será mais correcto dizer dela (suspirando), "lex est optimum fortius telum", minha certamente sofrível inspiração latinística para dizer que a lei é a melhor arma do mais forte.

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Não Digas Nada!



Não digas nada!
Nem mesmo a verdade
Há tanta suavidade em nada se dizer
E tudo se entender —
Tudo metade
De sentir e de ver...
Não digas nada
Deixa esquecer

Talvez que amanhã
Em outra paisagem
Digas que foi vã
Toda essa viagem
Até onde quis
Ser quem me agrada...
Mas ali fui feliz
Não digas nada.

Fernando Pessoa, in "Cancioneiro"


(quando se embala a crosta da dor, com medo, protegendo-a, ela ainda tão delicada. quando a tristeza não morre porque não há morte. e - principalmente isto!, quando se tenta abafar um ressentimento sem fim, tão sem fim como se os meus olhos fossem só memórias. não digas nada)

domingo, 5 de janeiro de 2014

lidos

"Enviado especial", Evelyn Waugh
"As grandes batalhas aéreas da II Guerra Mundial", Carlo Rossi Fantonetti
"Suicídios exemplares", Enrique Vila-Matas
"À mesa do amor", Joaquim Pessoa
"Livra-te do medo - Estórias & andanças do Zeca Afonso", José A. Salvador
"Lisboa: a cidade vista de fora 1933-1974", Neill Lochery (em curso)

Moçambique, 2014



UM SONHO REPEDIDO PARA UMA REALIDADE QUE VAI PARTIR.
ESPERO EU, ESPERAMOS NÓS E ESPERAM ELES.

Pensei que nós, os moçambicanos, estávamos cansados de guerra. De morrer, de conviver com o sangue e com a violência. Pensei que tínhamos aprendido a falar. Uns com os outros. A dizer e a escutar. Pensei que havíamos aprendido a resolver os nossos problemas, sentados, calmamente, dialogando. Pensei muitas coisas que, afinal, acabei por descobrir que não tinha pensado nada.

Por exemplo, que éramos todos fortes, coesos, que sabíamos ouvir e encorajar os que ainda não o eram e que disso também aprendíamos algumas coisas, com humildade, com sapiência. Afinal, são tantas feridas as que ainda não saramos, tantos os mortos que ainda não enterramos, tantas as lágrimas do passado que nos custam substituir por um sorriso hoje. Assim, julguei que, do que a história nos ensinara, algo havia ficado para recordar que não deveríamos repetir, mas, celebrar: as diferenças e o respeito por elas, a tolerância e a dignidade de exercê-la, a moçambicanidade e o chão que a faz.

Sonhei, até, que os meus filhos e os filhos deles pudessem viver construindo o seu País sem que disparassem ou ouvissem o tiro de uma única arma. Se levantavam, levantando. Se plantavam, semeando-se. Mas, como eu sou um sonhador, sou, como posso dizer, um irredutível sonhador, eu acreditei no meu sonho.



Porque... sonhar nunca fez mal.

Lembrei, entre tudo isto, os meus amigos que partiram na guerra, os que tombaram na flor da sua juventude. Como eles gostariam de estar aqui neste momento. Desfrutar da paz, do seu trabalho, da sua família e dos seus anseios. Como gostariam de ir ao cinema, atravessar o País de lés a lés, sem escolta, sem medo de emboscadas, sem guia de marcha, e gozar as praias, as nossas geladérrimas cervejas sem o carapau a vigiá-las. Sei lá, um infinito de coisas que hoje fazemos e eles nunca supuseram que o pudessemos fazer. Dizer, por exemplo, na mesa de um bar: este governo tá-nos a lixar, esses gajos são tramados, pôrra, e não ter aqueles tipos com orelhas grandes e serpenteantes a percorrer o bar todo e a sair disparados como uma gazela a nos denunciar. Eu, cá dentro, sei que se eles estivessem vivos, neste momento, não haveriam de acreditar que foi pelo que eles julgavam impossível que deram tão juvenilmente a sua vida.

Por isso, é que eu pensei que tínhamos aprendido algo. Que o medo dos canhões em redor das cidades, dos distritos e das aldeias, nos ensurdeciam para a música, para a ternura, para amizade, para a fraternidade e o amor. Que os beijos lânguidos às nossas namoradas já não eram mais uma infracção, mas um dever nosso e um direito delas, agora. Que já não era preciso bichar para vestir, lavar e perfumar os nossos bébés, nem as nossas adolescentes mulheres se zangariam por, embora serem diferentes, os nossos bébés parecessem iguais nas cores das suas roupinhas.

Eu, vejam lá só, atrevido que sou nesta coisa de sonhar, até vi sonhados os nossos dirigentes sem o culto da arrogância, da prepotência, do nepotismo, aquelas palavras antigas que ouvíamos antigamente nos obrigatórios comícios da nossa escolaridade e que parecem estão a voltar de novo. Julguei que aquilo de que nos falavam, daquela coisa muito complicada que nos mandavam fazer , chamada como? – deixa lá eu lembrar... ahhhhh, já sei – crítica e auto-crítica, era agora o culto deles, a sua terapia preferida. Julguei, ainda, que tinham aprendido a ouvir, antes mesmo de falar. Mas só sonhei, mais nada. E sonhar, como disse, não faz mal.

Só que neste trabalho dormido e despertado de imaginar coisas, fui acordado de repente, no dia 1, com o pânico a suar no meu angélico sono. Tiros para aqui, tiros para acolá, lojas a arder, carros queimados, crianças a guerrear em vez de brincar, granadas que explodiam no seu gás, pessoas entricheirando-se, outras fugindo, uma confusão que eu gritei a perguntar: Regressei no tempo? Ao pesadelo dos pesadelos? Voltámos à guerra, a lutar contra nós mesmos?

Ainda duvidei. Mas da janela tudo se confirmava nos meus desorbitrados olhos. Então me entristeci, fui para a cama, chamei a minha companheira e disse-lhe: Diz-me que não é verdade. É o que tu estás a ver!, afirmou-me ela. Combalidamente chorei, (des)sonhado e desiludido por constatar que nós nos tínhamos esquecido de que, não há muito tempo, nos havíamos ensinado a falar. A pormos as armas e as baionetas de lado, o sangue, o ódio, a violência, a inveja, essas coisas todas que sabemos para pelas estradas do diálogo encontrarmos as pontes comuns a nós mesmos. As que nos abraçam, as que nos juntam, as que nos tornam uns mais perto dos outros. Porém, é pena que eu só tenha sonhado. Tão simplesmente isso.

Mas, como vou voltar a repetir, sonhar não faz mal. Um dia, um dia tudo será realidade e o País, então e finalmente, se cumprirá. 


E espero seja já em 2014.


Eduardo White, poeta moçambicano
30/12/2013