domingo, 26 de julho de 2009

O “bitcho” – crónica psico-gastronómica


Nem aqui nem em cantinhos secretos tenho escrito coisas que valha a pena contar. Mas o João vai-se embora na segunda-feira e ontem ao final da tarde bateu cá à porta para umas cenas que incluíam jantar com cartão VISA, coisa sempre porreira mais a mais se a carta com a conta terá código postal de Londres e não de Hell-meirim. Curioso este “nada”, que o jantar se espremido (total 30 €, 3 pessoas, ora digam lá se foi caro!) até terá dado "matéria" para um fabuloso post, mas o vinho falou mais alto e eram nem onze e já roncava e, quando acordei há bocado e fui ao wc vestir o roupão, seriam duas e tal da matina, é que vim olhar para mim e para o teclado. Talvez nem saia hoje - o post - pois ainda se orquestra na sala e não quero nem perturbar nem ser perturbado quando escrevo, até que o Carreras canta amanhã em Santarém. Aliás, só essa ideia já me diz que deixe o post a maturar na vinha-d’alhos que ele não se perderá, o Ully, o Ulrich que é a sua personagem principal não o perde pela demora nem foge, que há décadas que vive nos arredores de Lagos gozando a vida que eu – “tu”? todos os que? - gostaríamos de viver. Talvez abuse um pouco ultimamente pois, contou-me quem viu e disso soube ao jantar, este jantar de petiscos que merecia crónica a três páginas do José Quitério, bem, aquando da última visita que teve ao Ully andava o bom do alemão há três dias a tentar matar o "bitcho" e simultaneamente a tentar recuperar o corpo onde ele se alojara pois precisava de telefonar: ele, "bitcho" metera-se no telemóvel e mal disso dera conta, mais o amigo da trip, pisaram-no, esmagaram-no, mesmo assim o "bitcho" não fugira pelo que o mandaram para o canto mais fundo da piscina, mas depois e como a trip, que era de cena elefantina como já já conto, já durava há dias e queriam pedir reforços para esconjurar a cena - haveria de durar até à semana, veja-se a potência da mistela elefantina - o dos dois mais afoito e que não percebi nem o vinho contou qual fora lá mergulhou e recuperou a carcaça com o "bitcho" dentro, e quando o Carapinha chegou de visita algarvia o destroço repousava nas escadas esticadinho ao Sol, como se aqueles restos tecnológicos nitidamente esmagados e imprestáveis para mais que hospedeiro dum "bitcho" viessem algum dia, por mais secos ou aspirados que fossem, a dar um mínimo bip da vida para que foram criados: falar ou ouvir. É que "o bitcho" alojara-se lá e tivesse sido à tacão quarenta e quatro, à pedrada ou martelada, o telemóvel fora estripado e esmagado, afogado, mas... o "bitcho" ainda lá estava. Que cena, raio do coiso!

Como aconteceu tudo isto? É preciso primeiro dizer que com as fatias de pão caseiro vieram azeitonas cordovil retalhadas e temperadas em ervas e massa de alho, um pratinho de salada de polvo bem vinagrada e sem o excesso que tanta vez o afoga, mais o pimento e a cebola em pequenos cubos, casando com os pedacinhos de pickles e tornando o polvo... polvo de se evaporar num ai mailo molho onde regiamente se transportara. A partir daí a sucessão opípara teve ordem de chegada que não recordo mas que receberam uma a uma exclamações de satisfação que quase já passariam ora por grunhidos salivados ora por poemas à donzela que nos servia, conforme o primeiro jarro de tinto da casa se esvaziou e veio o segundo, opaco, denso, meloso e guloso, em certo nada desmerecendo ou envergonhando-se perante as três garrafas de aguardente de medronho e as calculadas cento e quarenta de minis que ao tal terceiro dia o Carapinha encontrou na casa do Ully, eles na procura da esconjura da mistela que dera trip que ainda ia a meio pois, já contei, durou uma semana das clássicas, e elefantina como disse e sem mentir pois tudo começou - contaram-lhe, no líquido que coube numa tampinha das garrafas pequenas de água, coube na tampinha repito, e fora bebida a dois.

O quê? O cocktail teve por base anestésico para elefantes (juro! e o Carapinha não é aldrabão!) cortado com dose igual de anfetaminas para não adormecer nem o Ully nem o companheiro mas que despertou "o bitcho" que, também já se sabe, se alojara no telemóvel e portanto em algum dos dias primeiros da trip fora esmagado e depois tentado recuperar - o telemóvel - porque nem esmagado nem afogado, nem bebido como contado, o raio do "bitcho" se ia embora e era preciso telefonar a alguém a contar da bad cena e assim quando o Carapinha chegou o bitcho e a sua carcaça tecnológica dormiam ao sol algarvio esperando o milagre da ressurreição e a seguir o exorcismo que o afastasse, raio do "bitcho".

Afinal ainda durou mais entre três a quatro dias para fazer a tal semana, e trip assim eu não me lembra de conhecer nem que de só contada, aguçasse-me a vida e entre as petingas de escabeche e a farinheira frita em aguardente e a morcela de arroz frita de igual modo, mais os carapaus alimados, o torricado, esse pão de deuses de queixo pingado, as migas e o arroz de feijocas que completavam a robusta guarda de honra ao jarro que descia tanto de nível conforme o meu subia ao ouvir e a dizer eu quero, eu quero! eu quero conhecer o Ully, eu quero que afinal há quem na minha idade – ele tem 56, porra! - ainda tema "bitchos" e avie medronhos à beira de piscinas nas redondezas de mares e areias das tais, eu quero e tanto quis que, às tantas, vim à porta fumar dois cigarros como o MST acocorava-se à porta da cabana a ver a noite do deserto e a Cláudia adormecia no seu ombro e assim um dia morreu, mal acendi o primeiro vi que a lua estava em quarto minguante, e não mais despeguei os olhos dela até agora que acordei e vesti o roupão e vim responder à Lua que a noite de ontem foi diferente, afinal nem me apercebi dos passarinhos a acordar e chilrearem a contá-lo que o branco do dia já existia, embora eu e o puto que é tanto homem como eu, ou mais, que interessa isso, um dia um será mais, outro será o outro e nada conta além duma noite que durou até terminar em conversa que foi meia, se há meias quando se conversa assim, que acho que estas conversas nunca têm um fim e são como as dunas no deserto, intermináveis porque precisas para que a paisagem tenha a brutal beleza da natureza e da naturalidade. o "bitcho" lá não sobrevivia e hei-de arranjar maneira de o Carapinha contar isso ao Ully, mas que não seja assim que o leve de cá que quero saber mais dele e conhecê-lo, que garante-me o Carapinha o Ully adoraria conhecer-me e com bitchos ou sem bitchos tem a melhor plantação da zona e a única coisa que o preocupa são os 18.000 euros que perdeu na bolsa nesta coisa que abalou o mundo, terá sido por isso que tomou um tranquilizante elefantino embora em tamanho de rolhinha azul, mas, esperto o Ully! misturou-o com anfetamina pura antes que lhe desse para ressonar e o “bitcho” não o acordasse.

Coitado, ele que já é uma vítima antiga das inclemências peninsulares desta terra linda à beira de Lagos plantada que o abrigou pois, antes e primeiro os javalis, depois aquele incêndio monstro que deitou fogo ao País e incluiu na fogueira a floresta que rodeia a casa do Ully na serra algarvia, lá para os seus lados, já agora anotem e se por lá passarem ou fujam ou abanquem – acho que dá para as duas coisas! -, que os danados dos bichos dava-lhes o cheiro das bolotas do melhor pólen de hax que se arranjava e ele escondia escavado e guardado em sacos de plástico em sítios que só ele sabia, mas que os javalis descobriam e muita bolota lhe comeram, "bitchos", outros bichos e até investiam quando ele ia na busca de mais uma e descobria que o "bitcho" porcino dera com a toca e curtia o pólen de olho vermelho, dentes alçados e arreganhados, e a bolota é minha ai de quem ma tire. Depois foi tragédia ainda maior, que tudo e tudo e tudo ardeu, salvou-se-lhe a casa que não é dele mas da senhoria que até é sócia na plantação das arvorezinhas e há dias foi lá e cortou-as todas pela surra pois zangaram-se ou pelo medronho ou pelo bitcho ou sei lá porquê pois essa parte o Carapinha também não sabe e não contou, e estou a esquecer-me de repetir que as migas e a farinheira estavam divinais, mas veio o fogo e todos os cantinhos onde ele escondia as bolotas dos javalis e dos javalis fardados tudo ardeu, disso não veio nos jornais mas lembro-me de então o Carapinha me ter contado e ter dito que o Ully estava inconsolável com a tragédia.

Contara-lho quando o visitara na prisão de Évora, que essas coisa acontecem e qualquer merda judicial que andava pendente há que rores e nem agora nem então interessa que as vidas são o que são e bicquáite que esta porra é mesmo assim, bem viera um papel da Alemanha até ao Algarve, All ainda não, e o Ully vivia com os ciganos na prisão de Évora, onde o Carapinha que é gajo amigo do seu amigo o visitava todas as semanas durante os meses que demorou até a merda, fosse o que fosse, bitchos, se resolvesse, que havia que dar caminho às mobílias e ao carro, um Opel com preparação Steinmitz que era uma bomba e, contou o Carapinha, fodera-se há poucos dias numa curva algarvia mas disso não fora o bitcho a ter culpa, as bolotas também não, aquelas era uma pena mas no incêndio desapareceram e isso até o Ully lamentava tanto como os javalis seus confrades de rabo chamuscado. Foi quando os sofás do Ully vieram para a casa de Almeirim e o Carapinha aproveitou a súbita falta de espaço e vendeu-me por cinco contos os do pai, e são os que estão lá em baixo na garagem e dão um jeito do caraças, isto é mesmo assim e os pais entendem que a vida não pára, e se não entendem tendo um filho como o Carapinha vão-no entendendo que é o que lhes resta além dum testamento sacana – cruzes credo!

A lua estava mesmo em quarto minguante, e ainda não fui espreitar à janela que tenho de escrever isto tudo e ainda não tive tempo mas reparem vocês se lerem dos bitchos lá pelas cinco da matina, e se calhar, este sem calhar é porque nunca se escreve "de certeza" sendo luas ou queijos - sim, a final vieram queijos e até bolo de bolacha, mas tive de enfiar um café abatanado mas não era chávena só grande era com dose Delta dupla, queria dizer que se calhar isto das luas acontece quando se repara estarem em quarto minguante, raio de nome, raio de coisa, bitchos, bitchos é o que é. Até já: os passarinhos acordaram e o céu está no mais branco do dia, o meu filho chegou da night e dorme no sofá ao som blá-blá do canal Benfica, vou à cozinha fazer um café e pisgar-me para o jardim que a esta hora é só meu, da Tufas e dos pássaros.

O Carapinha? sei lá: eu quando fui para a cama ainda por cá andava mas quando acordei já não dei por ele. Deve andar a voar com os pássaros, aposto a bolota que não tenho. Gosto mesmo dele. Vai além da amizade pois olho-o, ouço-o, e tenho a prova real de que houve um tempo meu que não sonhei e aconteceu tudo assim tim-tim por tim-tim. Tal como ao Ully. Depois conto mais.



(imagens daqui e daqui.)

1 comentário:

th disse...

Que pena, não consegui...perdi a ponta à meada...tão longo o texto, tão pouca a vista...e não só...
bom convívio...th