quarta-feira, 18 de abril de 2012

"...mas não era a mesma coisa"

caminho devagar e olhos nos meus passos, mesmo sabendo que o futuro divisa-se é olhando em frente. percorro o ziguezague diário com o quebranto da rotina anonimizada ou o desprendimento do que não é importante, sabendo que os passos curtos são suficientes para encontrar e perder. atrás, montras onde sento imaginações, janelas com placas e outras sem nada, ao lado, na estrada, passam passam passam e não me reconheço em ninguém. por vezes cruzo-me com uma pedra fora do seu sítio e considero-a agressiva: detenho-me, chego a alterar a rota para com o pé jogá-la num futebol suave, ou para o buraco descarnado mais próximo que veja, ou para o redondel duma árvore: as pedras são agressivas e não gosto delas, e nunca achei piada ao ditado das pedras no caminho que se guardam para fazer castelos, primeiro porque não gosto de pedras avulsas, segundo porque ter um castelo nunca foi uma ilusão – já uma ilha, sim -, e terceiro porque o dito é parvo e apócrifo e não pessoano, como parvamente o atribuem.

entre A e B os passos são poucos mas longos de tão curtos os faço, e construo mais que me é humano dizê-lo, nem que fosse uma máquina de dactilografar constante, uma Messa de repartição pública que nos matraqueava familiarmente mal abríamos a porta para dizermos ao que íamos. hoje tira-se uma senha como na casa dos frangos assados, e depois sussurra-se o desejo para suscitar um teclar plástico e discreto que iluminará uma resposta que nunca vemos e tão mal ouvimos, tão mal que isto anda sempre que se abre uma porta para perguntar: e a vida? ah! há as montras, não o esqueço. há também as placas nas janelas mas isso é muito triste, tão triste que nem o meu hiper sentido cívico que arruma as pedras no caminho poderá removê-las e substituí-las por cortinados, vasos, alegrias: fico-me nas montras, e passo a contar: passou a Páscoa, o Carnaval, ainda não é Natal, mas os saldos continuam. se tudo está em saldos, dizem as más-línguas dos jornais, porque não as lojas? saldos: uma Fender (disponível em seis cores) por 119,00€, é pechincha. há outra por 335,00€, mas nem que fossem três mil era sempre pechincha – soubesse eu tocá-la: atribuo este passo lento, este vaguear na estrada mal espreitando o longe à falta desse predicado do artista enquanto jovem, Joyce a mais e Hendrix a menos, à falta dum palco onde a viola me escondesse e simultaneamente me mostrasse, um hoje tão diferente sem estes biqueiros nas pedras soltas, émulo XXI da volta dos tristes duma infância.

e pouco falta para chegar. uma, duas esquinas, tudo em rota conhecida, olá olá estou a chegar. e felizmente é de tarde, que de noite não me aventuro tanto: as memórias, as montras, as pedras são tão bem diferentes, e eu sou tão bom rapaz, consciência cívica e tudo, que arrumo devagarinho este papel sem lhe meter mais nenhuma linha. sorriam: já vos disse que não matei ninguém e se li Dostoievski foi com receita

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