"ameaçei" fazê-lo algumas vezes aqui e só eu sei que o pensei dez, trinta vezes mais. neste 'tasco' e nos que o antecederam, outras quatro tabernas falidas se a contabilidade não me engana. em todas reincindi e "regressei", seja por vício seja por parolice em achar que tinha 'algo' de meu que valia a pena mostrar-vos - e não me refiro só à pimbalhada que escrevo: o desejo de transmitir algo que lera ou vira que dalguma forma me tocara. sim, muitos Amigos também me deixaram balões de ar puro e assim fui respirando, blogando, 'ligado à máquina'. mas os Amigos não fogem quando um deles faliu.
ando nos blogues activamente desde inícios de 2004. isto não é um "balanço" mas fôsse-o e quer uma quer outra coluna estavam cheias, prenhes e prontas a parir e portanto está na hora de zarpar, às costas os dois cabazes e numa caixinha as jóias que encontrei e as que me deram. só por aí, pela caixinha, digo em última voz alta que valeu a pena e não foi uma vida desperdiçada: se a desfiz, não é certamente a Internet a culpada. calo o vozear e cicio: ela até amenizou as dores dos erros que acumulei pois, por cá, sempre tive nome e até cara e até morada e até profissão, e até amores e até sonhos e até ilusões e até desilusões, e, assim, digo sem que os olhos me fujam no espelho que vivi uma vida onde não usei máscaras, não menti, chorei ou ri e fiz rir e se calhar fiz igualmente chorar, mas o gajo que hoje escreve Fim é igual ao 'blogger' que somou erros de ortografia enquanto se iludia em ser 'escritor', eu sou eu e somos iguais, nunca anónimos nem cobardes pois não fiz comentários anónimos em nenhum 'tasco' tal como cá fora assinei os papéis certos e os errados.
odeio o meu blogue, ie odeio-me a mim próprio: cheguei a este estado de comunhão suicida, ao 'black hole' da imagem e na viga penduro uma corda pensando não esparvoar e pendurar duas. nada é infinito e o direito suicida pode aplacar-se neste simbolismo. afinal vou-me embora mas o safanão da corda retesada não me tira a caixinha das mãos. houve uma altura, talvez aquando do enforcamento de Saddam Hussein, em que a morbidez onde chafurdo levava-me a passar horas no Youtube à cata de videos de enforcamentos, suicídios, martírios. eram os olhares que mais me impressionavam e não descolava do replay. sobrevivi - estou cá e só uma corda está na viga embora não goste de mim. mas há pessoas que mesmo assim gostaram e gostam de mim. a tal caixinha, meia cheia aqui e grossa metade cá fora.
não quero neste 'e-testamento' entrar num patético ajuste de contas além das comigo mesmo. a Internet é o que é e não há ingénuos: no máximo há parvos e é dessa consciencialização que amassei o cimento da decisão e fui resvalando das ilusões para a realidade de ser cabouqueiro é uma mui nobre e digna profissão. tenho um daqueles contratos "três-em-um" em que um dos uns chama-se 'Internet'. não rasgo esse papel pois faz-me falta ter à mão uma resma para escrever, mas em privado, no privilégio elitista de no espaço com título "To:" escrever os nomes e os nicks que desejo quando precisar dum carinho ou dum par de tabefes, de enviar uma pimbalhada ou um poema à-português-poeta.
desejo semanas cheias de Festas Felizes a todos e todo o ano, os malditos e os anos serenos. muito sinceramente.
e pronto: adeus. dei o pontapé no banco e dia tal fará anos. afinal não dói, e julgava eu que...
(última - mesmo a última! - imagem daqui. o último "thanks e sorry lá por qualquer coisinha")
poetinhas somos todos: faz parte do ADN do nosso "fado" seja qual for a idade biológica ou quando o coração adolesce e estamos apaixonados. sê-lo com maiúscula é que já não é bem assim... há-Os, felizmente. o poema que vou publicar recebi-o hoje do Nuno Rebocho num e-mail de título tão inócuo como esta época do mês é: "Boas Festas". depois, aberto, tem como sub-título "a todos - amigos e inimigos, Bom Ano 2009". eu sou amigo do Nuno e acredito que ele é meu. mas fôssemos apenas 'conhecidos' e a minha admiração pela sua Poesia nem era nem maior nem menor: igual, grande, enorme porque justa. segue o poema:
IRREDENTA ESPERANÇA
escondo-me no saco dos brinquedos: ainda aí guardo esperanças e segredos fechados a sete chaves. deles por enquanto nada direi - quero-os irredentos puros (sagrados) como serão os corpos nos noivados e são as mulheres que eu amei.
escondo-me mas não deserto. fico à espreita na tocaia a que me dedico sempre à espera de novidades. sei que virá o tempo de abrir o saco e sacar lá de dentro outro pacto com a chuva com o sol e com o vento.
eu sei: virá o tempo. e então direi quanto esteve sufocado e conservei com força de medrar e viço e alma. direi o chão da aventura regada pela viva água da ternura onde por nossas mãos brotará o pão.
eu sei: virá o tempo.
Nuno Rebocho 15 Dezembro 2008
Obrigado, Nuno. Esta foi mais uma "época de festas natalícias" onde a tua presença nas caixas de correio deu à leitura dos mails... a "diferença" - sem desprimor pelas muitas mensagens recebidas, árvores com luzes e luzes de desejos e às quais também fiz "corrente"... porém receber um poema original do próprio remetente é... especial :)
(foto do Nuno gamada daqui, onde se pode ler mais alguma da sua Poesia, o que obviamente aconselho independentemente de estar-se em época pré-Natal)
Portugal é um país proporcionalmente bem povoado, rodoviariamente enorme e bem sinalizado. Tanto e tão bem que se me perco é exclusivamente por defeito genético ou cabulice de aprendizagem. Nabices, tout court. Mesmo com tanta rotunda, curvas e contra-curvas o bip-bip do meu gps diz-me exactamente a latitude e longitude onde devia estar neste domingo. Devia porque desejo-o, devia mas não estou. E contra isso... "batatas". E azeitonas. Ou amêijoas.
(...) O que se passa além da janela não o ouço, sinto, sequer me interessa. Os meus sentidos estão centrados nas emoções que me carquejam as entranhas, qual silvado montês onde perdemos rumo, ganhamos arranhos e atrás de penedos e velhas árvores encontram-se à época cogumelos que balizam outras ideias. Não tenho a certeza do porquê da memória ter cá plantado os cogumelos. Não espero que da porta onde divido os sentidos entre Timothy Leary ou Hoffman. Seria visita simpática mesmo que vinda do impossível Além. Muito teríamos que falar, que de cogumelos teria umas gotas de experiência para contar.
Mas não são fantasmas alucinogénicos que espero. É a minha Dama, a Princesa. As rosas sobreviveram e tendo-as passado por água mostram um ar de viço que lhes mantém a áurea romântica. O piano aguarda, as velas foram renovadas by loja chinesa e até o Turner parece manso, vê-se mar chão. E a lareira crepita, alegre. Destoam os olhares reprovadores embalsamados em talha dourada mas são vitorianos e deles não se espera outra pantalha qu'a única que os mumificou ainda em carne e tecido e não em tela gretada, pelo que lhes mando um olhar mordaz e prometo-lhes intimamente que se começaram com bocas foleiras de pudicas quando as veras chamas chegarem com Ela, enfiar-lhes na tela gretada onde os lábios porcinos ganharam as gelhas devidas um ácido em cada uma, exactamente no meio dos lábios. Uma trip grátis e livrem-se de nos atazanar quando os beijos repenicarem e os sinos badalarem a noite. E assim vagueio e aguardo.
Pitágoras, como sempre, dorme no local que fez seu: em frente ao piano, entre este e o banco onde Ela se senta quando os seus dedos vitalizados pelo amor correm as teclas extraindo-lhes a suavidade das melodias dos amantes. Perfeito. Tudo está perfeito esta noite. Ao pé da lareira, não excessivamente perto, a garrafa já desarrolhada recebe o bafo que lhe solta os taninos e, no chão, ao meu lado, numa pequena bandeja que julgo ser em prata e descobri enquanto no ócio da espera investiguei o louceiro da outra sala, lá estão os dois copos esperando quer o líquido que os honrará quer os lábios que também lá se aquecerão para libertar o sorriso primevo, o delfim dos prazeres a que se sucederá a famelga completa, olhos ternurentos e brilhantes e as vozes roucas de desejo em pele e pêlos eriçados. Um queijo de Azeitão alinha na formatura pois o seu sabor condirá com os nossos quando o ácido dos dias ceder lugar ao travo mágico da noite.
Virá? Sim, virá e eu estarei à sua espera. Para percorrer-lhe o corpo com a minha língua, beijando, tacteando, sugando o oxigénio puro por que arfo. Para abandonar-me e entregar-me à sua secura gémea, sussurrar-lhe dos dias e noites que esperei e dos pensamentos que idealizaram o momento. Pousar as mãos em concha nos seus seios e sentir os mamilos erécteis, gulosos da carícia da minha boca que mergulhará neles com equidade, suga direito beija esquerdo, acaricia, lambe e beija-os, pois a ambos antevejo-os deliciosos e sedentos de carícias das minhas mãos e da minha boca. Ouvir-lhe a voz ciciar palavras quer ternas e amorosas quer em vernáculo que também é terno e amoroso pois é entesante e isso é sempre bom. Acariciá-la-ei com vagar, cada pedaço de corpo recebendo-me e erguendo-se pedindo mais. Sussurrar-lhe-ei os segredos dos amantes e ouvirei o seu riso quando lhe contar que os vitorianos estão em trip e olham sem ver, perdidos na póstuma descoberta de como Viver é afinal simples e não carece de códigos e morais além daquelas que soltam a liberdade das amarras más onde a aprisionaram, e assim faleceram em retratos empoeirados. Aspirarei o seu cheiro pois quero preservá-lo para sempre: a memória é colectora e exigente nos troféus que cativa quando, no garimpo da vida, encontra a mina mítica, o El Dorado da existência.
Fantasio. As chamas sobrevivem e a minha nudez, seja por elas seja pela expectativa que é húmus de calor não sente nenhum desconforto estendido na carpete e pensando em tudo isto. O 'Pitas' já não pensa. Se o faz é sonhando pois de há muito que fechou os olhos hipnóticos e vejo a sua penugem arfar num sobe e desce ritmado que me diz ser o seu sono calmo e, se nele há sonhos, estão sintonizados com as leves e regulares ondas que o pincel do Mestre hoje deixou no meu quadro favorito, barómetro privado dos meus humores.
Espero. Sei que a porta se abrirá e as mãos se tocarão sentindo a electricidade dos corpos que ardem por se conhecer. Na verdade acho que o vinho e o queijo se servirão depois pois a degustação desejada é-lhes prioritária. Serão a celebração das ansiedades saciadas, das barreiras ultrapassadas e também o revigorar dos corpos brilhantes.
Portem-se bem na sua trip os circunspectos vitorianos e quiçá recebam um gole e uma talhada, complemento de cogumelo e avivar dos óleos que os perpetuam nestas paredes que me olham, a mim e às minhas gulbenkeanas esperanças perenes. (...)
(a foto do 'Pitágoras psicadélico' veio daqui. thanks. tá curtido...)
de há dias para cá sou constantemente criticado porque alimento-me com base em azeitonas. não ajuda acrescentar que estão deliciosas de bem temperadas e uma fatiita de pão não é rejeitada. calo-me ao outro alimento pois o segredo é fundamental para o sucesso dum mestre-cuca e, se rico em proteínas que fazem bem a toda a gente a verdade é que essa tisana emocional em feliz regra atravessasse à frente de todos e várias vezes. e combina maravilhosamente com azeitonas.
a minha indignação pelo desprezo à minha dieta farta é inglória, vã. penso que as pessoas apreciam mais melancias, gordas, fartas, fartas d'água e cor que se esfarela entre os dentes e a língua sem nota de tempero e sabor ao palato como... as azeitonas. vãos de gula e míopes à proteína fundamental.
e aqui recordo um filme que vi salvo erro de arquivo no cine-clube de Lourenço Marques e nos idos princípios dos 70's, em que os actores, Virna Lisi e Jean-Paul Belmondo sei lá já como e porquê vivem numa ilha o seu amor e alimentam-se dos frutos dalgumas oliveiras que a habitam para o pedaçito de terra entre águas não ser apenas calhaus e terra. eis que a minutos tantos da fita e desta estória aterra lá uma avioneta donde sai um "louro Hans" qualquer (personagem secundária; o carrasco nunca é o actor principal) que sem palavra vai desata a abater à machadada as oliveiras. os apaixonados insurgem-se pois, reclamam, necessitam dos frutos das árvores, as azeitonas, para se alimentarem em complemento à proteína, o seu amor. a tanto ele é surdo e o machado não pára pois reclama da sua razão de propriedade dado, alega, ter sido ele que as plantou quando nos tempos de juventude e da WWII, aviador do Reich, fez na ilhota selvagem e nua uma aterragem forçada e - aqui presumo nesta liberdade que as décadas dão para se rechear as brancas numa estória e torná-la comestível - e, dizia, fazendo parte da ração de sobrevivência azeitonas plantou os carocinhos, hoje oliveiras, hoje suas e vai daí machado em cima por pretender encerrar a golpe duro e letal essa página da sua vida.
não me recordo do final, se a importância intrínseca das azeitonas foi atendida pelo Hans e os amantes viveram felizes para sempre sem recurso a melancias, que a 'sua' ilha não produzia. não me recordo. mas até minutos tantos da fita e até o mau da mesma aterrisar Virna e J-Paul alimentaram-se de azeitonas.
só me alimento do que recordo. azeitonas. proteínas. uma ilha e um amor. sei que há Hans em todos os cantos e machados sibilinos que decepam em golpes cruéis de propriedade as oliveiras que alimentam mesmo quando é a única cultura das Ilhas onde, a bem da realidade da beleza das coisas pequenas e lindas não há melancias que ceguem o olhar e ocultem as azeitonas. a golpe duro e letal essa página da sua vida.
a minha argumentação não é atendida: sugerem sopa, batatas fritas ou cozidas, um naco de carne e até atum em lata. por acaso - somente por acaso d'época frutícola, acredito - não me sugerem melancias. mantenho-me nas azeitonas e tenho tudo o que preciso até Hans e o seu machado aterrisarem.
estou errado em ser gastro-cinéfilo e assim me alimentar, azeitonas e tempero, desde que aprendi a ler a tabela de calorias e na roda dos alimentos vi que nem todos são iguais para degustar, apaixonar o palato?
Correcção: a bela do dueto não era a Virna Lisi. era a Cathérine Dénèuve. nem sei como fiz a 'troca', até porque a Cathérine era a minha 'musa de celulóide' ao tempo da 1ª adolescência.
(azeitonas daqui. aspecto delicioso. por isso trouxe um pires... :)
(...) Estou há horas sentado nos degraus do prédio. Já entraram dois vizinhos e saíram cinco. É sábado, será por isso que saem mais. Leio pela sei lá que vez o jornal gratuito que apanhei no Metro. Não trás notícias de ti. Aos vizinhos não pergunto nada pois nada me diriam. O máximo seria que ouvem um gato a miar. Nem os horóscopos me trazem as novas que desejo ler. Os jornais, os horóscopos, a vida, nisso são iguais. É tudo gratuito. Mas valem pelo que nos tragam de desejado. Em Inglaterra vende-se mais o The Sun por causa da gaja descascada da página três. E as 'bombas' parangonas da página um. Nisso é igual ao Correio da Manhã, só que este salta da um para a três e vai por aí fora sempre na descompensação social, abusando dessa tecla mal-batida mas que lhe faz o gáudio de ser muito vendido e mais ainda lido. Um dia será o gládio que nos matará. Este gratuito é igual. E não é inglês: na três trás a fotografia de dois políticos assassinamente a apertarem as mãos. Preferia a gaja nua. Preferia ver-te chegar de casaco longo e com um sorriso abri-lo e revelares a tua nudez "en passant", sem parares passares por mim dirigindo-te ao elevador e com o braço semi erguido sobre o ombro um dedo chamando-me para te seguir. E eu seguia-te: já te disse que inglês fosse e era adepto da página três. Não sou inglês, sou só tarado: tarado por ti. Sou adepto de ti. Tu, aquela a quem chamo minha Princesa e num momento algures a folhas tantas lembraste-te do Saint-Exupéri e do Principezinho e contaste-mo deixando-me com esse quarto-de-linha ruborizado. Tu que me fazes escrever "ardo" em tudo onde caiba tal brasa. Tu por quem espero sentado nos degraus frios da gratuidade duma vida sem ti. (...)
(foto gentilmente recebida por e-mail face a este apelo. Obrigado pela contribuição :)
(...) Passou um eléctrico mas não é certamente o primeiro. A alvorada cedeu ao primeiro Sol e a cúpula da Sé já não brilha como se uma primeira demão d'ouro lhe pousasse nesta névoa de madrugada novembril que se esvai, arrastada pelos carros que começam a circular amiúde. Não sei que horas são. Estou numa esquina da Rua da Madalena desde que acordei, circulei e estacionei-me aqui. Baixo-me e aperto o atacador dum sapato que cai, flácido, sobre esta calçada portuguesa onde, português, lisboeta e com um gato, sinto o ancestral fado lusitano dobrar-me como o atacador que agarro, irritado. Ela não veio. Flácido. Dobro-o naquele movimento que se aprende em criança e perdura pela vida como das poucas aprendizagens infantis que subsiste além e além. Além dos amores e das contínuas crostas que maceram a crosta coronária. Mas ela pulsa, ó se pulsa... "tlim-tlim!". Outro eléctrico faz a curva. Olho para dentro dele mas vejo muitos velhos e algumas velhas. Ela. Não a vejo. E não sei que horas são. Sete? sete e meia? fico-me pelas sete e um quarto. Um quarto, ora bolas. Não era um quarto, era a sala dum palácio onde um falso Turner deu o marulhar suficiente à lareira para eu adormecer enrodilhado na carpete junto às achas que iluminam a noite. O relógio deve ter ficado em cima do piano. Ao lado das flores, talvez. Não consigo. Em cama durmo sempre integralmente nu. O integral inclui o relógio e o anel pois quando o onirismo chama as horas desfalecem e perdem relevância. De adornos estou sempre cheio quando o momento de abraçar os sonhos chega. Esta noite abracei-os enquanto o borralho passou a cinzas e acordei não gelado mas mortiço pela ausência dum manto onde escondesse a noite. Os teus braços. O teu cheiro. A tua respiração, bafo que me aqueceria. O gato já cirandava e julgo que mesmo no seu cauteloso pisar felino foram os seus movimentos de olhos, argutos e onde naquele mau acordar julguei ler um travo irónico que me despertaram e vi que estava abraçado a mim, rodilha una quando esperara, sonhara - eis!, sonhara qu'a rodilha fosse um enlace de pernas e braços numa respiração a dois. A sala desmaiara com a noite que consumiu as velas até nem coto delas restar. Os pingos de cera que escorreram pelo candelabro e ganharam pé no piano lembram-me glaciares, e é tudo tão gélido. Rua da Madalena, diz a placa e a memória confirma-mo. "Madalena onde estás?" apetece-me perguntar a quem passa. Ninguém me responderia pois o teu nome não é esse. E se gritar o teu? E se gritar ao gato, ao Turner, aos velhos e velhas no eléctrico e aos táxis que voam publicidades, eles responder-me-ão? Alguém sabe do meu jardim? Alguém? - grito. A cidade despertou, o Sol ergue-se e a cúpula da Sé brilha de branca: roubaram-lhe a mágica do alvorecer.
São 08:32. Assim mesmo. Sabem como sei? passei à montra duma relojoaria e entre Breitlings e Jaegers e IWC's silenciados sem dono encontrei na prateleira de baixo a baixela marroquina. A a pilhas, a que trabalha sempre. O barato tem que trabalhar sempre para competir com a altaneira alta relojoaria que só se movimenta à vista de notas gordas, as já perdidas de circulação assim como a noite se foi e as velas se apagaram. Agora vou ficcionar para dar precisão cronométrica aos momentos altos das chamas e polir as claves que viçavam as flores antes das cortinas se fecharem e ter adormecido enrodilhado em mim. Eram exactamente 03.48 quando a minha mão direita desistiu de afagar o pénis e abandonei-o em brusca desilusão. Não era aquele cachecol que o meu frio sonhara e de que os vitorianos embalsamados nos óleos de parede escarneciam. Até o busto do Ludwig se ria de mim e eu achei-me ridículo naquele onanismo de desilusões. Confesso que tive vergonha também. Que pensaria o Pitágoras se num momento de gemido lamento abrisse um olho e me visse assim? poderia não ser compreensivo e então era a sala toda que se fazia cinzas e até no Turner o mar se agigantava enfurecido e as ondas implacáveis bateriam o carvalho dos cascos; e um pintor como Turner quando em fúria é senhor de pincel cruel. Abandonei-me fisicamente e virei-me para a lareira onde tentei ler nos fios de fumo sinais de ti. Terei adormecido sentindo-te e ao teu calor? a tua saliva lavando-me os recantos íntimos que gritam pelos teus lábios? a minha boca silenciou-se na doçura do olor de ti? e qual de nós terá dado o último roçar de lábios antes de adormecermos? Não sei. Eram 03:48 quando saí dum mundo e entrei noutro e nele te encontrei. Mão inerte. Pénis desmaiado. Uns. No sonho houve outros e tiveram companhia. Como sei? "Tu lembras-te dos sonhos antes da rua da Madalena e de no alvorecer vagueares sapatos tão desapertados como o acordar solitário?" Sim, sei!, digo aos transeuntes que caminham de ar tenso embora agora sejam, digamos, 08:51. Coitados. Um dia inteiro à sua frente e o Sol novinho em folha e aquelas caras, meu Deus..! Parece que vieram todos no mesmo eléctrico que fazia "tlim, tlim" na esquina da rua da Madalena. Sei-o pois. Sei-o e grito-vos porquê. Estranham o sorriso que se me abre dissonante na paisagem da calçada portuguesa. Eu que nem relógio de pulso trago e não adormeci com a mão cativa numa mama morta ao desejo como provavelmente tantos de vocês: o eléctrico da esquina 'dixit'. Sei-o porque o seio onde adormeci estava erecto de prazer e ronronava qual Pitágoras quando o borralho me quebrou e adormeci, Ludwig van sorrindo. Sei-o porque no alvorecer havia nas minhas calças uma mancha que já secara mas que não corri a lavar pois só a visita duma deusa a poderia ter feito nascer e crescer. As minhas mãos quando sonho não gastam carícias comigo pois tenho-te a ti. E gosto de te acariciar, deixá-las percorrer-te e olhar-te, os lábios húmidos entreabertos e que gosto tanto de beijar. Os olhos. Alagados em ternura que são a piscina onde nada a felicidade que me invade enquanto sinto os teus dedos percorrerem-me e fazem-me competir no ronrom com o gato. O borralho durou. Mais qu'as velas que deslizaram em cascata esbranquiçada qual sémen sobre o tampo das teclas e das flores. Depois acordei e saí. Sem o relógio, já o disse. Era completamente supérfluo. Eram horas e pronto, saí. Cedo, muito cedo pois vi que na tal cúpula ainda só caíam os primeiros pingos d'ouro do céu. Encontrei uma pastelaria madrugadora onde tomei um café. Como todos os primeiros cafés do dia soube-me bem. Li não sei a quem uma grande verdade: o dia só começa após o primeiro café. Até aí é uma névoa, um limbo. Foi a Luis Fernando Veríssimo recordo agora: o livro recolha de crónicas de seu nome "Sexo", umas trinta folhas de ironia acerca do viver. Mas todos o podíamos ter dito, senão a pastelaria não era madrugadora às esquinas perdidas das noites assim. (...) "play it again, Sam". Falta esta música no piano. Mas soa-me cá dentro no íntimo. Mesmo sem a intenção de recuperar o relógio ou dar uma festa, ração e água ao gato, um olhar ao Turner de humores ou rir-me do olhar circunspecto e censurador dos vitorianos que fugiram do eléctrico da esquina da rua da Madalena e se olearizaram nas paredes da sala, eu voltarei. Pelo sonho. Por esta mancha que me diz que quando me visitas tenho erecções não manipuladas em artesanato solitário. Voltarei e não sei o que a marroquinaria a pilhas ditará d'horas. Voltarei sempre e pronto. O que me dita e comanda é a sede do teu abraço, o nosso gemer uníssono, os sorrisos de prazer e a tal chuva de pó mágico nas cúpulas, o brilho de felicidade no teu olhar. E o borralho que me adormece e acorda simultaneamente, tu labaredas, tu meu grave lá bemol. (...)
(fotos gentilmente recebidas por e-mail face a este apelo. ambas estão identificadas na sua legendagem. Obrigado pelas contribuições)
(...) Acendi as velas e a lareira. O 'Pitas' olhou-me curioso mas pachorrento. Só se ergueu para cheirar as flores que deixei sobre o teclado. Depois olhou-me e foi cerrando os olhos, naquele cerrar felino, atento, até que o calor do ambiente o adormeceu. Eu aguardo-te. Evito olhar para a porta pois sei que virás. Olho o piano mas resisto a picotar as teclas pois sem ti a música seria deprimente ou aumentava-me a ânsia pela tua chegada. Sento-me no tapete, o mais perto da lareira que é possível. Não que esteja frio: ela é vivaz e as labaredas altaneiras rapidamente se ergueram cumprindo uma das funções que se lhe desejam. Mas falta-me o teu calor. Os teus braços e o teu sorriso. Todos os meus sentidos estão despertos. Ouço o ronrom do Pitágoras cruzado com o crepitar da lenha quando as chamas chegam a um nó e lambem-no gulosamente. Olho e, pensando nisso, olho-o como um bom prenúncio: estou guloso de ti. Da porta não vêem os teus passos mas sei que chegarás e num ápice toda esta ansiedade se diluirá na torrente de carícias silenciosas que tenho em montinho para te dar. E que tu trarás também. Juntámo-las, e fazemos um único altar onde teclaremos as melodias porque ardemos. Estou agitado, nervoso. É o primeiro 'date' íntimo e nem a companhia do Pitas me sossega. Conseguirei amar-te tanto como ambiciono? o fogo incendiará as mentes e a humidade dos lábios saciá-lo-á? Sinto em cada centímetro de pele a carne, os nervos, expectantes. Ardo mais que a lareira. Tento distrair-me pensando em nadas, olho a decoração, detenho-me nas flores e sorrio pensando que os teus olhos se agradarão com elas, medito se o leve ressonar do gato será incomodativo. Arrependo-me de não ter trazido uma garrafita de tinto e tê-lo posto a chambrar para estar no ponto quando chegasses. Paciência. Desta vez beberemo-nos a nós próprios e esse pensamento arrasta-me para planícies onde não quero ainda correr pois sinto a erecção a nascer. Não. Olho o gato, os quadros com retratos sisudos. Vitorianos certamente. Além, ao fundo, do lado esquerdo da janela há um com uma paisagem marítima. Talvez um Turner. É, é um Turner mesmo que não o seja. Tudo será o que não é enquanto não entrares e me sorrires. Podia ter trazido o vinho: um bom trago acalmava-me este nervoso miudinho, esta ansiedade. Olho o piano, as teclas em dominó e as rosas que te aguardam. As rosas, as flores, parecem-me eróticas. Tudo me parece erótico incluindo as e os vitorianos carrancudos. Escapa o gato, ao menos ele a quem comungo em voz baixinha estes devaneios, mas ele não acorda. Ressona suavemente. Não consigo abstrair-me da tua imagem. Da tua voz ao telefone ciciando-me que virias. De como fiquei sem palavras além do beijo que te dei e dos mil e cem que te prometi. Tenho-os num montinho, o tal das ternuras que aguardam que chegues e juntes as tuas às minhas. Espero-te. Estou pronto para ti. E o 'Pitas' dorme. Mesmo que acorde ele também gostará de te ver. De nos ver. A lareira crepita e eu vou-me afundando neste lento teclar sem as tuas mãos ardendo no longo abecedário qu'a nossa pauta tem pronta, a primeira página por soar. (...)
(fotos gentilmente recebidas por e-mail face a este apelo. a primeira está identificada na sua legendagem e a segunda tem origem goggleana desconhecida. Obrigado pelas contribuições)
alguma alminha caridosa arranja-me uma fotografia/cartoon/etc duma sala que tenha, cumulativamente de preferência, uma lareira, um piano e... um gato? o estilo da decoração é secundário embora o IKEA/AKI não é bem o que tenho em mente...
gracias by advance. o e-mail para depósito de gentis dádivas está aí ao lado, por baixo da foto do je.
(imagem daqui. esta foi fácil e sorry lá pelo gamanço. a outra é que tá a ser uma gaita encontrá-la... :(
eu também tenho um gato. não é um 'freak' frenético como o Fritz mas um falso pachorrento pois é um devasso de primeira água, com pedigree que remonta ao terror de moçoilas virgens, solteironas desocupadas e qualquer genitália & anexos que se descuide e se ponha a jeito, "o preto do Gabão". não é 'freak' assumido ou reciclado mas já viu umas coisas e em breve cá dará um salto, contando (excertos desgarrados: nada de 'princípio, meio e fim') como uma lareira e um piano fazem oscilar os mares de Turner entre o alteroso e o chão, e como austeros vitorianos retratados pelas paredes da salinha tomam uma 'trip' colectiva enquanto príncipes esperam por princesas, fumam-se umas jardas e aviam-se umas botelhas com queijinhos de Azeitão, e divaga-se como num skate entre os amores e as fantasias, esse saboroso vai-vem sempre sem fim e com piruetas pelo meio. é a minha 'BD' escrita, em breve "num blogue perto de si". ah! o nome não é Fritz nem Tareco: Pitágoras, por diminuitivo o 'pitas'... ;) nome da 'série'? fiquemos para já por "teclas, labaredas & Pitágoras"...
és-lo e tás cansada de sê-lo. das cruzes alheias e que te calha sempre carregá-las até ao monte das oliveiras onde machados decepam-te o esforço dobrado pois a tua não é leve, não. ah! como te sabe bem uma bilha d'água fresca nesse peregrinar...! e como te dói o escárnio dos estalajeiros desonestos que te dão vinagre a beber...! Cristã... ser cristã é isto? isso? sei que há momentos em que preferirias olhar as feras salivantes dum Coliseu... sei... e compreendo a tua revolta pelas cruzes sísificas, tantas além da madeira carcomida pela vida da tua, a tua. o peso. o vinagre enganador. as palavras enganadoras. queria deixar uma mensagem de alento, um ombro que ajudasse a tanto fardo, tão peso e tão abusado. tanto tão que ora que te soa a tanto, demais, sempre demais nem que não fosses frágil como és. és cristã mas humana (não vêm???) chega! arreia o que não é teu! despoja o desperdício e deixa-o abandonado na tua estrada - eles que rastejem se a carga lhes pesar. sara o que puderes e amputa o que gangrenou. desde Galeno que é assim. salva-te Cristã...! salva o que ninguém te roubou nem violou. e nunca roubará e violará. sabe-lo: está dentro desse peito que teve forças para tanta cruz alheia que cobriam e escondiam a tua aos cegos hipócritas que faziam não vê-la e davam-te vinagre vendo-te sedenta. não acredites em duplicados de Sísifico, não tentes copiar impossíveis, Cristã. tens um dom que não é carregar cruzes alheias nem pedras intermináveis. tecla-te. soa, soa-te. acredita-me que quando o (teu) concerto soa apagam-se as luzes e o teu pisar é iluminado, que tantos de tão se erguem para ajudar-te na tua cruz mas não nas dos outros: esses vermejam nas sombras por não perceberem ou quererem perceber a tua luz linda, teclada, Cristã. eles não contam, excluíram-se no egoísmo. tu. tu, Cristã, tu sobrevives.
Hoje, 1 de Dezembro, há mais Independências a justificarem comemoração. Hoje não sou exclusivamente português, ou luso-moçambicano, ou um blogger egocêntrico: hoje sou irmão de Rosa Parks.
Há dias perguntaram-me porque recheio o tasco de coisas alheias, se "escrevo que me desunho". Respondi que prefiro ler o brilho dos outros e o meu gosto aí é padronizado. Retrucou que era egoísta em não deixar 'os outros' lerem o que escrevo, que estava a privá-los de lerem as minhas luzes (era amiga, claro). Falei-lhe na lamparina que não é nem candeeiro nem sol. Falei-lhe em como se sei que ela cá permanece, acesa, resguardo-a sob sobretudos e cachecóis, muralhas que só cedem perante cada vez menos olhares. Um, dois, na maioria um único olhar além do meu. Não estou "a privar ninguém" de ler brilhos, o texto-belo. Tenho uma lamparina que alimento e protejo. Mas há sóis à solta, há brilhos maravilhosos por aí. Eu leio-os (e leio-me), por isso sei. Não percam tempo com minudências, luzinhas que mal se vêm mesmo se revelassem a impudez da nudez da pilinha do escritor.