domingo, 7 de dezembro de 2008

teclas, labaredas & Pitágoras (excertos - I)



(...) Acendi as velas e a lareira. O 'Pitas' olhou-me curioso mas pachorrento. Só se ergueu para cheirar as flores que deixei sobre o teclado. Depois olhou-me e foi cerrando os olhos, naquele cerrar felino, atento, até que o calor do ambiente o adormeceu. Eu aguardo-te. Evito olhar para a porta pois sei que virás. Olho o piano mas resisto a picotar as teclas pois sem ti a música seria deprimente ou aumentava-me a ânsia pela tua chegada. Sento-me no tapete, o mais perto da lareira que é possível. Não que esteja frio: ela é vivaz e as labaredas altaneiras rapidamente se ergueram cumprindo uma das funções que se lhe desejam. Mas falta-me o teu calor. Os teus braços e o teu sorriso. Todos os meus sentidos estão despertos. Ouço o ronrom do Pitágoras cruzado com o crepitar da lenha quando as chamas chegam a um nó e lambem-no gulosamente. Olho e, pensando nisso, olho-o como um bom prenúncio: estou guloso de ti. Da porta não vêem os teus passos mas sei que chegarás e num ápice toda esta ansiedade se diluirá na torrente de carícias silenciosas que tenho em montinho para te dar. E que tu trarás também. Juntámo-las, e fazemos um único altar onde teclaremos as melodias porque ardemos. Estou agitado, nervoso. É o primeiro 'date' íntimo e nem a companhia do Pitas me sossega. Conseguirei amar-te tanto como ambiciono? o fogo incendiará as mentes e a humidade dos lábios saciá-lo-á? Sinto em cada centímetro de pele a carne, os nervos, expectantes. Ardo mais que a lareira. Tento distrair-me pensando em nadas, olho a decoração, detenho-me nas flores e sorrio pensando que os teus olhos se agradarão com elas, medito se o leve ressonar do gato será incomodativo. Arrependo-me de não ter trazido uma garrafita de tinto e tê-lo posto a chambrar para estar no ponto quando chegasses. Paciência. Desta vez beberemo-nos a nós próprios e esse pensamento arrasta-me para planícies onde não quero ainda correr pois sinto a erecção a nascer. Não. Olho o gato, os quadros com retratos sisudos. Vitorianos certamente. Além, ao fundo, do lado esquerdo da janela há um com uma paisagem marítima. Talvez um Turner. É, é um Turner mesmo que não o seja. Tudo será o que não é enquanto não entrares e me sorrires. Podia ter trazido o vinho: um bom trago acalmava-me este nervoso miudinho, esta ansiedade. Olho o piano, as teclas em dominó e as rosas que te aguardam. As rosas, as flores, parecem-me eróticas. Tudo me parece erótico incluindo as e os vitorianos carrancudos. Escapa o gato, ao menos ele a quem comungo em voz baixinha estes devaneios, mas ele não acorda. Ressona suavemente. Não consigo abstrair-me da tua imagem. Da tua voz ao telefone ciciando-me que virias. De como fiquei sem palavras além do beijo que te dei e dos mil e cem que te prometi. Tenho-os num montinho, o tal das ternuras que aguardam que chegues e juntes as tuas às minhas. Espero-te. Estou pronto para ti. E o 'Pitas' dorme. Mesmo que acorde ele também gostará de te ver. De nos ver. A lareira crepita e eu vou-me afundando neste lento teclar sem as tuas mãos ardendo no longo abecedário qu'a nossa pauta tem pronta, a primeira página por soar. (...)



(fotos gentilmente recebidas por e-mail face a este apelo. a primeira está identificada na sua legendagem e a segunda tem origem goggleana desconhecida. Obrigado pelas contribuições)

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