A Claire ficou tão brava por
ter mandado às urtigas (
dixit) a minha arenga
a pé-coxinho ao desafio
seis particularidades pessoais - que entretanto já recuperara à visibilidade voyeur -, que arranjou-me outro "trinta e um": conversar sobre
O Desejo, venha ele de que poro vier. Ainda mais em café já com mesas à cunha, tanto que lá me ajeitei numa mesinha do meu de bairro e enquanto o Paços de Ferreira marcava um golo esgalhei sobre desejos mais realistas que não o do meu Belenenses se safar esta época em malhar com os costados na "Honra", again :(
Como levei companhia que caiu que nem ginjas, saco do primeiro parágrafo do Prólogo de Vila-Matas ao "La asesina ilustrada" (edição de 2005 da Editorial Lumen), pois por algum lado tinha de começar:
"Tan mezcladas y entrelazadas se encuentran en mi vida las ocasiones de risa y de llanto que me es imposible recordar sin buen humor el penoso incidente que me empujó a la publicacion de estas páginas". ora nem mais: a vida é um Desejo contínuo de tudo, e não tem de ser
penoso falar dele... e dela."Na boa-hora de sexta treze sentei-me no mocho para olhar O Desejo, ciente que o libelo não é pequeno e o tempo para alegações abonatórias termina num ai, ai o desejo. Atenuantes e agravantes cruzam-se nas seis letras e destas a menor não é certamente, por tardia descoberta tertuleana, ter corrido à saca dos fantasmas e virado-a no chão deste papel, tal qual puto que vaza o baú de brinquedos pois se na sua alma brincalhona há lugar a
desejo, é o de voltar a tocar o velho cromo que era tão raro, tão raro, que por ele trocou o lanche e a playstation, os ténis novos e as moedas todas que encontrou e rapinou, todas e tantas que quando o barqueiro lhas pedir ele exibirá o cromo e como para tão raro bem não há troco ficará na margem certa, a dos putos e dos
Desejos satisfeitos.
Desejo... desejo tanto, tanto... Primeiro, desejo ser feliz. E temo-o. Pois cumprido o nº Um nenhum haverá por satisfazer e chafurdarei na felicidade oca de ser feliz por desejo, e não pelo acaso d'algo, um momento um gesto, uma palavra lida ouvida, dita ou escrita.
O Desejo é Viver: mesmo quando se chama a Morte - ó bemquista! ó salvícia que te invoco mas, cobarde, saco do cromo e rio de não haver trocos a tanto como este resto de baú...! -, quando na lágrima cai o mundo e na enxurrada se esbraceja e silvam cordas baloiçantes há nesse plasma perenidade suficiente para alongar o fio e pousar os pés nesse chão que é linha, linhas de
carrinho de desejos.
Vou contar, recontar é melhor dito, o meu segredo mais público entre todos os que não conto mas lá vou contando, o meu
Desejo dos Desejos, que me leva a virar a folha e continuar, sexta-feira treze, tal como o trânsito não pára e só abranda quando se vêm desejos abruptamente amarrotados: desejava ser amado. Vias travessas pois não me importa se atalho ou atraso, amado como escritor. Sonho sensualidade nesta
sede, há amor por mim e de mim pelo leitor. Desejava que o ler-me fosse quase sempre tão bom como às vezes é fazer amor. Penso que esta entrará nas
atenuantes mas, leitor, eu estou no mocho e dói-me o rabo e só me levantarei no fim para ouvir-
te. Deixo aos autos este desejo como peça processual, este anexo alfabetizado ao corpo principal:
O Desejo. Tudo, tudo cede a esta cegueira. Dizem que os "shandys" chegavam a atirar as crianças pela janela para conseguirem o silêncio criador. Eu jogo-me inteiro neste desejo, capo a vida e ronrono a olhá-lo seja sexta seja sábado, aurora crepúsculo multidão vazio, estou só: o meu desejo: eu e tu, e as linhas que nos ligam, atam, até os pulsos ficarem roxos (de desejo), a erecção do enforcado. Mórbido, hã? é, os desejos são assim: um cromo único, o amor a uma flor.
...e a dois dias de
fim de prazo e na mesa do café de esquina fumei este
desejo, conversei contigo, leitor. "Foi bom para ti também?" Não, claro que não: nas boas-horas as alegações nunca têm um fim: matariam o desejo e aí sim, o barqueiro sorriria e faria o último troco, adeus margem de desejos, meu cromo raro, meu brinquedo querido, linhas, aquela flor.