sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

com licença, isto é bonito II

ver entrada anterior, p.f.)
da mesma obra e maluco, grande grande

XL
'O espelho'

Um homem medonho entra e olha-se ao espelho.
Porque é que se olha ao espelho, se só pode ver-se nele com desgosto?»
O homem medonho responde-me: «Senhor, segundo os imortais princípios de 89, todos os homens são iguais em direitos; logo, eu tenho o direito de me mirar; com prazer ou desprazer, isso só tem que ver com a minha consciência.»
Em nome do bom senso, eu tinha sem dúvida razão; mas, do ponto de vista da lei, ele não estava errado.


pág. 107)


com licença, isto é bonito


de "O SPLEEN DE PARIS (Pequenos Poemas em Prosa)", de Charles Baudelaire, ganda doido

'Um hemisfério numa cabeleira'

Deixa-me respirar longamente, longamente, o cheiro dos teus cabelos, mergulhar neles o meu rosto inteiro, como um homem sedento na água de uma fonte, e agitá-los com a minha mão como um lenço cheiroso, para sacudir lembranças no ar.
Se pudesses saber tudo o que eu vejo, tudo o que eu sinto, tudo o que eu oiço nos teus cabelos! A minha alma viaja no perfume como a ama dos outros homens na música.
Os teus cabelos contêm todo um sonho, cheio de velas e de mastros; contêm grandes mares, cujas monções me transportam para climas agradáveis, onde o espaço é mais azul e mais profundo, onde a atmosfera é perfumada pelos frutos, pelas folhas e pela pele humana.


No oceano da tua cabeleira, entrevejo um porto fervilhante de cantos melancólicos, de homens vigorosos de todas as nações e de navios de todos os feitios recortando as suas arquitecturas finas e complicadas num céu imenso onde se tufa o calor eterno.

Nas carícias da tua cabeleira, respiro o cheiro do tabaco misturado com o ópio e o açúcar; na noite da tua cabeleira, vejo resplandecer o infinito do azul tropical; nas margens penugentas da tua cabeleira embriago-me com os cheiros combinados do alcatrão, do almíscar e do óleo de coco.

Deixa-me morder longamente as tuas tranças negras e pesadas. Quando eu mordisco os teus cabelos elásticos e rebeldes, parece que como lembranças.



Com licença, isto é doentio. A lei proíbe estas cenas em vários graus, e o mais baixo que conheço é de 0,5 não-sei-quê de alcoolémia mas há outras onde qualquer posse até pode dar cana. Apanhe-se uma porrada na cabeça que leve a escrever assim, para o lermos assim, e ficaremos como o bom do Charles quando se cruzou com a sua Jeanne Duval, e teve momentos em que se esqueceu dos credores à sua perna, vida atazanada que teve e ainda no-lo escreveu. Até se ronca se for preciso. Rosna, ronrona. Como um homem sedento na água duma fonte. Porra. Doentio de bom.


Como uma receita louca, que se marinou na vida até nos encher da embriaguês da sua frescura, sabe-se lá se alguma vez sentida. Como se gerada nos imaginários que se foram desenvolvendo pedacinho aqui, pedacinho ali, e crescem-nos cá dentro, naquele aonde vago forrado com as páginas que escondemos quando se pousa um romance mas ele fica connosco, identidades novas em pedaços que se vão colando e formando novas unidades, já autónomas mas de raízes firmes: se se alojaram, razão houve. Estas mesclas transformam-se silenciosamente em vultos que adquirem presença, sentimo-los como se sentem uns olhos fixos na nossa nuca, e isso não se explica. Súbito, explodem-nos já realidades: construímo-los!


E nada se explica excepto assim, 'como lembranças' de rosto inteiro. Se não se explica o mundo, só se o conta, como, a nós? Na sala d'armas de cá andarmos há momentos em que quando se repara está a atirar-se ao florete por causas novas, cujas avózinhas já estavam esquecidas no pré-lar da velhice em que se transformam as nossas vidas, naquelass idades em que se olha com perturbante curiosidade o ralo da banheira, fazem-se almoços de turma pois nada dos hojes tem feeling, tem-se uma conta no Facebook porque a solidão tanto dói como é palradora. As ilhas formaram um arquilégo, sua natural ambição. A causa, a causa da justa, e acredito, sonho!, que tanto como há estocadas que ferem-nos cicatrizes para sempre, a mancha púrpura gerada na explosão tem desenhos estranhos mas com traços elegantes, um ferir-morrer que se expande naquele vazio de monções de que fala o poeta, súbito nada odiado, ficção que se tornou tanta realidade como uma pedra ou as mãos, os sentidos identificando como nosso esse direito à sua propriedade e defesa, e atrás daquela mancha púrpura está sangue, tanto nosso sangue, tanto que lá havia e queremos que continue a estar, é causa, é o inexplicável viver.


E fica.


Elaboram-se evasões. O spleen de Paris! A Paris das ficções, o mundo que tivemos em primeiro plano de sonhos quando não se escrevia "...do séc. XX" quando se dizia dos anos 60's e dos 70's. Hoje o nosso spleen. Maldita mania, o puto do caraças que não dorme, e pensa-se em Pérez-Reverte, ser-se dom Jaime Astartola como quando em puto se desejou ser o herói vencedor de todas as justas e dos sorrisos da donzela. Calhou-me o Baudelaire. Não premeditara. Os olhos pareciam ociosos mas estavam atentos a tudo, uma lombada apta a ser mudada para outro local onde encaixasse melhor, palavras cruzadas intermináveis, e por aí as memórias perderam-se, tanto Baudelaire, tanta Jeanne, até Ken Follett teve o atrevimento de se meter nisto com uma 'Leoparda' que se passeia por Paris, (e evoca-me La Charbo, que Não conheci, tanto que conheço e afinal nada conheço de Paris!) e essas são as páginas que me estão neste momento nas mãos. Os grãos, as ilhas, as monções, o arquipélago, a presença, o spleen, o inexplicável de nós, mas a necessidade de escrever a história, e esgrime-se, esgrime-se, matam-se os silêncios, foda-se não é fácil encaixar as ilhas, mais só mar não, e todos estes livros falam no mesmo, de todos voam páginas inteiras de estuporado plágio dos nossos sentidos, cópias tão perfeitas das nossas memórias que desconfiamos serem as lombadas que nos espreitam e não nós a elas.


Não é por aí. Carradas doutros mais identitários! Autobiográficos de momentos gémeos de nossos e que sempre nos espantam. Baricco, Alessandro: outro. Sem spleen. «Barry, para os amigos», ouvi. Poetas? de A a Z! Foi uma razia... É uma razia: leia-se Alice Viera-poeta e o meu espanto que não conhecia. (perdi muito do meu mundo que não era silêncio. não encontro o meu arquipélago, há ilhas como pedaços - mas são ilhas - por todo o lado, mais que boiarem placidamente são como rolhas em mar, não se afogam mas de nada servem, de nada são assim apoio e nada vedam ou alcançam: bóiam, flutuam e estão só presentes, lombadas sem préstimo além de recordarem as leituras de fracassos que as bibliotecas lidas têm sempre marcas, ilhas fracassadas sem um íman-arquipélago mas partes de 'lembranças' tais, que nunca, nunca, serão essa coisinha dum grão de memória).

A zona da Rue de la Charbonnière, La Charbo, já não deve existir como excitante de percorrer como se de montras de luxúria fosse feita, montras que são mais que montras porque em cada mulher há só uma mulher e mais nada, não compliquemos, entenda-se que a vida caminha como as cidades mudam, fenómeno que nos tenta primeiro a pensarmos primeiro como ela então era mais que se julgou, e depois a pararmos para olhá-la em contraste, accionando o tal fenómeno que cá marinava para tornar-se-nos tão realidade como então era a grande noite da semana aquela em que se ia dar uma volta a La Charbo, bar em bar, gargalhar, gargalhar. Os ventos da memória fazem de grãos ilhas, e o íman da idade dos balanços faz delas arquipélagos para onde sonhamos emigrar, filmes, filmes que vivemos como se os tivéssemos vivido, quando em verdade nasceram nas tais páginas do livro que se pousou, e se escaparam para cá dentro, acamaram e cresceram, história própria, rosto, 'lembranças' próprias: existe e tem o bom cheiro do tabaco, do ópio e do açúcar, a saúde dos poetas é o excesso dos sentidos, as causas, as cãs vivas de ardor.


(tou a escrever isto mas tenho bem mais de metade do cérebro noutro lado. é lixado para concentrar. lá e aqui)


O pensamento é terrível. Elabora, fixa e descreve, conjuga, tenta contínuamente pôr as nuvens num horizonte que esteja certo com aquele que tocamos. Arruma e desconstrói, fixa novos reflexos à realidade ajustando-os àquela pré-figurada na revoada emergente das tais páginas de ficção coleccionadas. É um 'spleen' figurativo, felizmente sujeito às boas intenções de Saint'Exupèry e livre do ópio e do açúcar de Baudelaire, na mão que devolve o livro à estante as manchas são de boa nicotina, boa, boa, que isso de dormir muito e oxigenado a 100% para morrer saudável é, desculpem-me, um viver bocejante com um final estúpido.

Livro novamente arquivado. Vivam os Poetas pecadores de improvisos! Viva a liberdade de não nos angustiarmos se nos perdermos, que num súbito recanto escondido encontraremos sempre algo apaixonante e que as ciências tecnológicas não assinalam nem detectam, sob a sua espartana programação de todos os metros e horas dos nossos percursos. Cerrar os olhos e estender a mão, tactear e extrair o livro pelo toque da lombada: sensações! os sentidos, o catarro da vida, a patine de viver. Isso tudo, e que a amálgama seja sempre assim num discurso incoerente, recheado de maus-ditos e referências sem contexto qu'as salve do olhar cristal da arte de laboratório.


som: "What Have They Done To My Song, Ma"por Melanie

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

o filme “As pontes de Madison County” (porque não me sai da memória)



Que ganhou Merryl após o fim-de-semana? Uma memória. Que silenciou enquanto foi viva. Fê-la sonhar algumas vezes, recordando a magia, a real e a que o tempo constrói, adornando à medida dos desejos e da necessidade de preservar o belo e esquecer o triste. Mas mais, certamente muito mais, fê-la chorar em silêncios asfixiantes que só ao seu diário contou. E Clint? Clint partiu, e seja por isto ou por aquilo nunca mais a magia se repetiu. Madison County é a realidade e um qualquer Egipto o sonho. Um sonho em fusos horários diferentes. Milhares de quilómetros reais que na fita mal se entrevêem, mas iguais aos que a vida cria e sentimos na pele da alma, e que o tempo excessivamente longo dos desencontros da vida não conserta.

Cinema é cinema e este é um filme maravilhoso. Quási espelho. Quase, porque findo o tempo do bilhete levantamo-nos, a porta da vida abre-se e as fantasias onde imolamos em prece surda o íntimo ficam para trás. Cá fora continua o bom e o mau. Lá dentro, nos soluços travados e nos conflitos íntimos digeridos em 120 minutos de filme, é a fantasia. Mesmo quando parece real, é episódica: o tempo termina convencionalmente: está no programa e sabemo-lo. Está o que queremos encontrar quando cruzáramos a porta, e mais que isso é engano e sabemo-lo assim. Quando guardamos o bilhete da sessão na carteira do peito, sabendo que ele não é só isso. Sonhar, quando se está “na merda”, tem a legitimidade mais límpida do mundo. Mas com humildade igualmente acho que permitir à alma cinéfila agrilhoar pedaços de nós, jardins gémeos, momentos de realidade onde nos sentíamos tão bem e privando-nos deles em pena perpétua, é insensatez excessiva por 120 minutos de ilusão. Tudo seca, há rugas sem cosmética possível. Restará? Um diário. Uma memória de tristezas, mesmo que o Autor se distancie e omita, vestindo as suas melhores roupas nas páginas e páginas de contar pouco mais que as partes de romance deliciosamente romântico (sim, esta parte é que é “literatura”.)



Sou um indefectível do romantismo. Comovo-me às lágrimas com uma história assim. Renovo o bilhete sazonalmente e, este filme, já o vi vezes sem fim (nem preciso de carregar no Play.) Sento-me sempre no meu cantinho, sem pipocas e de peito aberto, sentindo-lhe cena a cena até o estalar agitado das ilusões. Enterneço-me. Como condená-los? Não, condenar-me-ia a mim e às minhas ilusões, ao meus-vossos sonhos. Como criticá-los – no contexto assim dado, celofane tão bonito, embrulho à medida das desilusões ou encantos ou fantasias que pululam em cada um de nós numa ou noutra ocasião da vida? Em lirismo recenseador até cheguei a afirmar que Madison County era a aldeia mais populosa do mundo, que nela estão os bairros que habitamos em má comandita com a felicidade… Só os infelizes que se julgam totalmente felizes não a habitaram já em 120 minutos de catarse íntima, de ilusão.

Mas não é assim. Já o viram? Já, todos o vimos. Depois de chorá-lo restam letras de tristeza. O diário de Merryl são linhas tristes, mesmo que a música soe naquela casa (o seu lar) durante o momento da ilusão, cruzando-se com a realidade como dantes já não se lembrava dela soar assim. Tanto, que escreveu um diário – este filme. Neste contexto, naquelas pontes, tudo parece bater certo, incluindo a poderosa indecisão final na cena do semáforo, a mão tremendo no puxador da porta da pickup. Aperta-se-nos o peito e todos fazemos um plebiscito íntimo. Penoso. Até a mudança da marca de tabaco é romântica. Naquele contexto é tudo tristemente perfeito, belo até, e belo até na renúncia final.



Há mais. Há o fim dos 120 minutos e muito nunca mais será igual ao seu antes. Há valores. Há valores porque além das cortinas não é um filme. Poderão ocorrer perdas (algumas são certas.) Que vale isso? Um segredo por toda a vida, revelado quando “o corpo que amou” já esfriou? Que fica pelo caminho, que olhar devolverão as pontes onde antes se refugiavam os dias? Quem as caiará se falta, se falta e para sempre faltará a relação íntima que existia, a cumplicidade com a paisagem que a entendia – e a lente do fotógrafo errante, outro quixotesco sonhador de silêncios desconhecidos, levou? “Roubou”? O desmaiar da vida não se oculta nas páginas lindas que Merryl legou.

E esta continua a ser uma leitura apaixonada que faço ao filme. Sempre com olhos de espectador choroso, mas também de argumentista competente e que conhece quais as teclas para comover e impressionar. Ninguém é isento. Um filme? Lamento: é uma fórmula. É conhecimentos de psicologia e arte de romance, olho agudo às debilidades da vida e muita sensibilidade quanto às capacidades comuns de enternecimento. E arte, claro que sim. Soberbamente realizado e interpretado. Magnífico. Mas o argumentista termina ‘o serviço’ e vai à sua vida, e no dia seguinte inicia a redacção dum thriller. Os actores e demais recolhem os encómios e as estatuetas. Nós, espectadores, temos deveres acrescidos. Há mais além das lágrimas e das palmas. Há mais, e desvalorizá-lo é renegar a essência do filme, a mão crispada no puxador da porta, e que compreendemos que não se abre assim.

Fora das cortinas da sala há momentos em que há que optar, onde o acordo conciliatório não é admissível. É da essência primitiva humana e a violação é irreversível. Não há ‘razão’ que explique, que justifique, que releve. O consolo não existe. É simplesmente assim. Que resta, depois? Que resta? A dor aumentada, mascarada em lágrimas de filme, de ilusão. Duas vidas que se tocaram em 120 minutos sabendo que não lhes existia perenidade, e continuaram solitárias. Com as memórias, e com as perdas. Isto não está no diário de Merryl, está na vida além cortinas.

Disse. Em menos de 120 minutos de filme, divididos em sessões de entardecer de dias pálidos ou em manhãs de tristezas renascentes. Disse e não volto atrás na crítica, embora adore esconder-me nesta fantasia, neste também meu filme.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

poesia de "José Alberto Sitoe"


como quem me visita sabe, de vez em quando dá-me para me armar em poeta. enfim.

são formas de traduzir estados d'alma.

há uns anos atrás criei um heterónimo/pseudónimo que retratasse a minha má-consciência - então não resolvida - de ter "abandonado" a revolução moçambicana. se a razão me impeliu para Mavalane, o coração doeu anos e anos: havia um pedaço da minha infância e mocidade que ficara lá, lá, no caniço e zinco da Mafalala onde tanto brinquei e cresci, lá na cidade de cimento onde fui tão feliz.

"José Alberto Sitoe" é ess'outra minha alma. o 'meu mano' que abandonei (fugi?). vejo-o nitidamente quando o penso e escrevo. sentado à porta da cantina, a garrafa de vinho barato na mão e o olhar malandro na conversa com as putas, suas amigas. os dentes amarelos de mulala e os olhos amarelos da vida. e rabisca. rabisca sentires, afectos e desafectos. gosto dele.

uma última nota. poucos sabem que 'o Sitoe' sou eu. muito poucos. há pouco tempo, na busca pela net dos meus poemas perdidos - tenho o péssimo hábito de não guardar tudo que faço - descobri, com um sorriso de prazer que não imaginam, que o meu lado 'Sitoe' era mais citado em blogues de poesia moçambicana que o que vocês conhecem, a faceta 'Gil'. Gostei!

aqui ficam alguns dos que até agora catei:


"Subúrbios by night"

Lá no beco da ti’Juliana
logo logo tem a cantina do Dias mulungo
e há uma árvore que sabe das coisas
ela viu tudo, tudo.

A luz do jeep cinzento
as fardas pretas e os bastões
viu as botas ouviu os gritos
ela viu tudo, tudo

lá no beco da ti’Juliana
onde o caniço está partido
eles bateram, bateram, bateram
no fim das luzes ficou um corpo caído
mais o caniço, tudo partido

nem o Dias nem ninguém
abriu uma janela, uma porta, um grito
a ti’Juliana dormia sem sono
a árvore viu tudo tudo.

Foi lá no beco escondido,
as fardas pretas arrombaram o caniço;
as botas pisaram, os bastões bateram
e a árvore viu tudo tudo

De manhã passos de criança
sob a árvore que sabe das coisas
misturaram areia ao sangue caído
lá, onde o caniço está partido

os pés correram as mãos brincaram
lá onde o caniço está partido
onde está a árvore que sabe das coisas
ela que viu tudo, tudo

Um dia crescerão e
eles sabem tudo, eles sabem tudo



"Machamba"


A enxada ergue-se e cai
ritmadamente

Uma para o imposto…
outra para o mulungo…
e mais esta, também…
Uma para mim…
tantas para não sei quem…

As AK's ergueram-se e soaram
ritmadamente



"tombazana, mamana, cocuana"


(à memória de Josina Muthemba Machel, falecida em 7 de Abril de 1971)


sete de abril é teu dia
dia da mulher moçambicana

seja esbelta tombazana
ou mamana de airosa capulana,
hajam cãs de cocuana
sete de abril é o teu dia,
dia da mulher moçambicana

todas és Josina, é teu dia
dia da pioneira na emancipação
da Mulher na mata renascida
que foi obreira na libertação

mulher africana, por graça moçambicana
aquela que é dupla grávida, antes e depois de parir:
no antes traz na barriga o Futuro,
carrega-o às costas quando ele aprende a sorrir

sete de abril é teu dia
dia de lembrar ao mundo
que haja vento, sol ou chuva
batas ou não o pilão
no campo, na mata ou na cidade
há um sorriso que baila e cresce
porque sete de abril é teu dia
dia da mulher que fez a revolução



"Cooperação"


Em vinte e cinco de Junho
mil novecentos e setenta e cinco
zero horas e coisa pouca
eu rasguei a minha certidão
enterrei a falsa filiação.
Passou a estar escrito
nas letras que te ensinei a ler
que a longa aula terminara
vencera a insubordinação
triunfara a minha razão,
e eu já tinha uma nação.

Em vinte e cinco de Junho
de mil novecentos e setenta e cinco
eu e tu mudamos o olhar
não te chamei mais meu senhor,
era dono da minha terra
já tinha uma nação.

Desculpa-me se, na euforia
onde rasguei a certidão
e bani o colonialismo
e esqueci a submissão
lamentavelmente, não me lembrei
de estender-te a minha mão...

É que
em vinte e cinco de Junho
quando ganhei a minha nação
esqueci-me que setenta e cinco
(ano de revolução)
era tempo de falarmos
em cooperação.

Eu dizer-te que já não eras
eterno senhor e patrão
(precisavas dum convite
eu rasgara a certidão.

Em vinte e cinco de Junho
mil novecentos e setenta e cinco
a festa era só minha
minha e dos meus irmãos)

Hoje
longe a festa
- mas sem regresso à lição
queres abrir a porta que não viste e
como irmão, apertar a mesma mão
que soube rasgar a certidão?



"Palavras em negro"


Antes de tu chegares com as caravelas
as missangas a cruz
eu tinha o meu ritmo sereno de crescer
lento como o Sol induzia
e eu falava

Contigo aprendi a comerciar
a vender os meus irmãos
que as caravelas levaram
deixando um rasto de progresso
um vazio e a cruz
e eu calei-me

Nas savanas em que eu caçava
descobri que um pala-pala era pouco
para quem tanta fome tinha
e matava vinte por prazer
e eu calei-me

Foi também contigo que aprendi
que as minhas mulheres eram tuas
sempre que o querias
tive filhos mulatos
e eu calei-me

Quando aprendi a tua língua
(pois tu não aprendias a minha)
descobri que ao dizer não
as bombardas falavam muito alto
e eu calei-me

Nas tuas guerras fui teu soldado
cobrei-te os meus impostos e fui teu cipaio
- até brinquei com os teus filhos
mas na tua mesa nunca houve mais um lugar
e eu calei-me

Prendeste os meu chefes
deste-me administradores
o prazo e o chibalo
o rand e o algodão
e eu calei-me

E quando quis falar
voltar a ser independente
disseste-me não em balas que senti
herdeiras das cidades que te construí

devolvi-tas
e, finalmente
tu calaste-te e eu falei.

Tanto que eu contigo aprendi...


(imagem encontrada algures na net...)

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

insónia vs sono exagerado


acabo de receber um mail acerca da (possível) ligação de distúrbios físicos com razões de foro psíquico. nada de novo por aqui: já são conhecidas muitas.

mas reparo nesta - de que felizmente não padeço: pelo contrário, mal durmo:


"Uma necessidade exagerada de dormir suscita as seguintes questões:

1 - Ando fugindo da actividade, da responsabilidade, da consciencilização?

2 - Vivo num mundo quimérico e tenho medo de acordar para a realidade da vida?

3 - Escondo-me do fracasso, acreditando que dormindo ele não existe? E repito a evasão continuamente, sem enfrentar as causas - acordando?"



depois o inverso - o meu caso:


"A insónia deve servir de motivo para fazerem-se as seguintes perguntas:

1 - Até que ponto dependo do intelecto e da observação?

2 - Acaso posso me desapegar das grandes paixões?

3 - Como desenvolvo a minha capacidade de entrega, e satisfaço a minha sensação de carência numa confiança básica?

4 - Quão grande é o meu medo da morte? Já me reconciliei o suficiente com ela?"



tenho de matutar nisto tudo....


(imagem gamada algures na net)

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

a eficiência do Estado

muitas vezes pensei que o MNE tem o cargo mais simpático da equipa: os grandes problemas, que normalmente são 'internos', não são com ele. há broncas, como em todos os ministérios, mas amenizadas à vista da opinião pública pela função.

na crise do Egipto esteve bem. o repatriamento de nacionais correu sem falhas conhecidas.

fazendo (quase) esquecer a recente 'broa' da Tunísia, onde com a revolução instalada e nos telejornais de todo o mundo incluindo a da sua casa, o senhor embaixador manteve-se serenamente e irresponsavelmente por Lisboa, justificando-se que já marcara as suas férias antes da crise estalar.

e sem um berro (do MNE, o seu "patrão"! de quem haveria de ser?) que o pusesse a mexer e em passo de corrida para o seu lugar, onde era preciso. ou, se não era preciso em tempo de crise, também não fazia falta nenhuma (a embaixada, logo também ele) em tempo de atender turistas para cobrar-lhes taxas e etcs burocráticos.