As camisas dos Andes que se vêm nas barracas de artesanato das feiras, em linho, daquelas às riscas multicolores e algumas com um capuz, mangas largas e muita, muita frescura à vista, mais do que os dois botões de aperto em nó e pauzinho mostram, são muito bonitas e até me admiro em como ainda não tinha pensado nelas para este Verão. Claro que mal falei assim em voz alta, correndo-as satisfeitíssimo com a descoberta e as combinações cromáticas possíveis, recebi pouco entusiasmo. Houve equiparação da menina-dos-meus-olhos a pijama, ou nada encorajadoras além do simpático «sim, não é exactamente feio…», ao certo pensado em versão mais pormenorizada «enfim, ao menos que seja só a camisa e não se lembre do conjunto, calças e sandálias a condizer...», houve um abanar de cabeça que já julgava esquecido desde que meti um brinco na orelha – esquerda, sem confusões, e eu não trouxe nenhuma. Eram a doze euros cada, conta já se vê que boa para acertos a quem levar à variedade, o que até nem é difícil quando tendo-as na mão e os dedos tacteando a textura, dela se extrai sem cerimónia e respeito pela loja mais que um fresco corporal em corte exótico e informal e evola-se uma filosofia de vida, alçam-se asas na frescura garrida duma camisa e, não tarda, está-se a assinar petições para uma magna reunião no green em frente ao Pentágono, baforadas mais esclarecidas e menos voláteis que as do (semi) fracasso de há quarenta anos atrás: uma multidão hippy abancou nos jardins e fumaram quilos de erva em volta do solene monstrengo, convencidíssimos que as ondas mentais e a fumarada que as afina eram suficientes para fazer erguer-se o edifício inteiro - e aquilo dizem que é mais que quarteirão-e-meio... A ideia seria a que, voando, das duas uma: ou os seus generais-habitantes compreendiam que há mais coisas no mundo que papéis e bandeiras e cancelava-se a guerra (Vietnam, então) ou não o percebiam e o calhau subia, subia, desaparecia na estratosfera, out completo que permitia a esperança de, esvaziando-se o cérebro mau, acabarem as maldades no corpo. Já li que há quem ainda jure, quarenta anos depois, que «sim! aquilo levantou pouco mas lá que levantou levantou, foi que eu vi e lembro-me bem...», tal a festança que foi. E ajudou, a fumarada e as boas intenções foram grãos de pó nas cinzas que ajudaram a subir o sentimento nacional anti-guerra, a acção objectivamente poderá ter sido um desastre pois o monstrengo ainda lá está, pedra cal e cruzes e sem vontade nenhuma em levitar para uma visão global do mundo mais esclarecida, mas logisticamente imagino o inverso. Sem o garrido das camisas dos Andes da época, ao que me recordo e as velhas fotografias mostram com muitas cores, feitas vasos de flores e desenhos psicadélicos, os sessentas a virar para os setentas e o velho mundo quase a acabar (vivia o seu apogeu), sem isso ele não se tinha mexido um centímetro. Cinicamente podia acrescentar que os sentimentos anti-guerra são mais fortes quanto àquelas que soam a perdidas mas não o faço, prefiro acreditar que ele até levantou um bocadinho, mais meia camioneta de erva e da boa e tinha mesmo arrebitado, e não tinham advido os tantos sucedâneos que enchem aquelas paredes de mapas. Uma feira e uma noite de Junho, uma barraca de artesanato com camisas lindas, linho do melhor e eu a pensar nas manifs onde não fui pois soube delas tardiamente e interrogo-me se ainda com pulmão para tanto, se ainda há ícones ou réstea de fé neles, se hoje a solidão que enche a Internet de barulho não se lamenta no garrido duma camisa, no sonho duns Andes que não conheço como, afinal, descobri recentemente que não conheci Che mas tive-lhe um poster na sala. Era uma sala de altares, foi há trinta e tal anos atrás e hoje, quando penso em redecorar-me, poucos daqueles posters voltam à parede da sala. Só a doze euros mas eu acabei por não trazer nenhuma, apalpei-as tanto que fiquei com medo de, vestindo-as, a magia perder-se e passarem a mero pijama, dando razão a quem avisa que sonhar demais faz compras carotas. Que fosse pelo fraco modelo que físicamente sou é o que menos me rala; pior, bem pior, seria se descobrisse que ser hippy fora d'época é como camisa andina de barraca de feira, como descobrir que é verdadeira a estalada que nos diz que não vivemos uma época em que sonhar é benquisto, onde uma camisa garrida, exótica, não é vista como mais do que isso. E isso dói, mais a mais a quem dorme nu, hesitando entre baforadas de sonhos que cor terá a realidade para que mexa e levite, como é que se redecora a sala do individualismo, quando é que nos juntamos outra vez e se alguma dia haverá dito que «dessa resultou mesmo, lembras-te?», que não pois já não há posters nas paredes. Uma camisa na mão, dos Andes ao caso. Na tenda ao lado havia estátuas, madeira negra esguiamente padronizada. África. Nem parei, àquela altura já nada me servia e doze euros hoje em dia já não compram quase nada, à mão meia dúzia de pensamentos em textura de linho garrido, cores e cores e quase mais nada, uma vez ou outra um capuz que poderá dar jeito quando há que desligar do mundo, procurar a frescura, levitar, o sonho alvoroçado, a pergunta de porquê ele acontecer quando estamos sozinhos, todos tão longe do green e com uma bonita camisa andina na mão. Foda-se. |
sábado, 30 de junho de 2007
o Nu engravatado
sexta-feira, 29 de junho de 2007
Um conselho: comprem a Sábado desta quinta-feira, guardem-na onde der mais jeito e vão-se ao livro que vem com ela esta semana: "HOJE NÃO" de José Luis Peixoto, meia dúzia de contos que me eram inéditos pois não sou leitor muito regular do JL. Vão-se até onde quiserem logo no primeiro, pois há aviões no Bairro Alto a cem euros para a Austrália, com sorte meia garrafa de moscatel e um bolo de erva, coisa que hoje não se faz mais e só se comerá quando um janado herdar o McDonald's pois já ninguém sabe cozinhar com criatividade que vá além das ervas aromáticas da avó. Escangalhei-me a rir com os personagens, o epígono do Lobo Antunes, o Zion e mais aquela malta toda, virei-as com aquela empatia com a estória que faz voar a imaginação e vive-se a ficção com alegria. E bem escrito, mas não é assim que deve ser, sempre?
Como com todos, quando o tive nas mãos salteei-o e li bocaditos ao calhas, espreitei o Índice para me identificar com o que estava a ler pois estava a gostar. Depois de ler do tal mítico primeiro beijo, dado numa das passagens subterrâneas da marginal, vejo caírem-lhe os dentes e aquele ser o mote para uma série de contos, e decido de vez ir mesmo para o princípio onde encontro a "Legalize Airlines" e mais uma cambada de tontos que me fez desejar estar no meio deles. Agora voltei à "série dos dentes" e fiz uma pausa para vir cá contar da boa oportunidade, mais a mais porque estes livros vêem como oferta pura a quem compra a revista. E ri-me com o 'estilo ALA', há um conto que ainda não li cujo título é :-) )-: e até há outro que fala numa Joana de olhos verdes. Vale a pena, é mesmo muito boa 'compra' pois não tarda e aparece aí com melhor papel e badanas, e pedem quinze ou vinte €uros por ele.
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Sobre o Euro Milhões: uma história real, e há poucos dias. Falhou por milésimos, mas merece fita de cinema pois o argumento tmbém está lá: o "golpe perfeito", ao caso falamos de trinta e cinco milhões de €uros. Ah, outra coisita: há controle de que números se jogam; normal, para apurar quem ganha; 'esquisito' se serve para extrair padrões de tendências e, até, certezas estatísticas de quem joga o quê e aonde.
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Quanto ao resto, cá se vai andando. Eu continuo sem dizer mal de ninguém além de mim mesmo, não vá levar com um processo: viva o respeitinho, já cá andava a faltar essa para cada vez mais alto se perguntar o que se passa, (ainda...) deixam-me fumar e só mais o quê?
Começo suave: merda! ou eu li mal ou ninguém falou "disto" em campanha eleitoral, houve merda nacional e da grossa nas últimas eleições e toca a correr com esta malta nas próximas, ficam a ver a maioria por um canudo - sem referências, sem referências algumas, saliento, qu'isto de processos judiciais é só chatices e a vida está cara p'ra burros, temos agora a despesa da presidência sei lá de quem, o aeroporto e o TGV, a OPA ao Benfica e não tarda a águia também está no CCB, à trolha com o Mega Ferreira e lado a lado com o Andy Warhol, há muita confusão no ar e, parece, soou-me mas já não me lembro onde ou a quem ou quando, nas comissões políticas muito restritas estão-se nas tintas em perder episodicamente uma fatia do seu eleitorado 'natural', pois está no papo grosso petisco do outro, interesseiro e passageiro e, ao caso, vindo de áreas antes insuspeitas, tão longe de entendimento e acordo ideológico que, afinal, só aparentavam estar: diz-se olhando o enlevo d'hoje.
domingo, 17 de junho de 2007
quinta-feira, 7 de junho de 2007
os capítulos morrem de pé
é-se egoísta quando o calor das brasas do borralho faz frieiras, dores que a ânsia de confortos induz quando o coração responde desvairado ao apelo por calor. isso entendo e assim entendo-te quando o teu silêncio me pergunta se chego a pensar em ti, do que desejas e precisas, e eu percebo que as minhas cartas são o teu recreio, não a realidade de após tocar a campainha e guardarem-se os brinquedos, a bola num canto junto ao muro e no chão de cimento o arco imóvel - qu'a cintura esguiou-se e cresceu, engordamos nas necessidades e hoje somos gourmets nos petiscos, é-se egoísta quando se insiste em alíneas da ementa que têm ao lado a cruz terrível do produto esgotado, as dietas necessárias quando há é que diminuir o colesterol que entope as veias do sobreviver. mas nesta última "carta à Musa" vou falar-te noutras coisas, literárias e terríveis:
na pág. 640 do último Crichton canibais ecologistas da polinésia comem Bradley, vivo, a dar conta das facas cortando-o até tudo se apagar. terrível, página e meia que impressiona mais que mil em apologia de exercícios intelectuais para saciar ideologias mal resolvidas. Lecter enquanto jovem (agora Harris, Thomas), fez uma espetada com as bochechas de Dortlich, equilibrada com trufas que estavam a cem francos nos locais de culto de Paris e ele apanha do chão de bosque letão, em volta do pavilhão de caça onde Grutas e os outros comeram a sua irmã pequenina, Mischa. há guerra na literatura. há quem escreva 'terror' com as letras todas em bold e isso vende, consome-se em milhões e milhões, saliva-se por best sellers e encontra-se o choque térmico dum nó do estômago, o frio que se instala e, em comparação enquanto o rosto se crispa mas os olhos não despegam, suaviza o quotidiano quando não se lê a baba de quem escreve, mais repelente que o espelho que nunca olhamos. e, pior porque se fala de livros e isso merece mais respeito que o àqueles que os escreveram, renova-se o compromisso de leitura e há manchas do nosso sangue nas estantes que crescem, às vezes tenho medo de me ler lendo, nem todas as lombadas me merecem olhares indiferentes ou sorrisos de prazer, eu estou escondido em tantas e tantas e escondo-me disso e de mim na secção das puzias e poesias, delicatessen onde te encontrei e faço-te esta gulosa corte.
eu engano-me e sirvo-me escrevendo "a Inês", imortal e renovada senhora das mais românticas ilusões, mães de todas as outras e se a filharada é pequena... às talhadas, aos pedaços, canibal de mim mesmo. sou pior que eles: não me chega a carne inocente da personagem, necrófilo e autofágico lúdico acrescento-lhe a minha, de babete e em beijos e lambidelas amacio-a colada à dela, musa Inês, ferro-lhe dentes roubados e engordo comendo os bocados de mim que mais detesto. sou o meu hit e darei um banquete público quando servir o umbigo, adornado com camarões de promoção fritos e vinho de garrafeira falida, qu'o provarei todo antes das visitas entrarem e verem como quase todo azedou pelas más rolhas que deixaram entrar o ar da realidade. foge de mim, eu não presto.
seduzi-te nas minhas páginas, disse-te todas as palavras de encantar de que me lembrei. houve momentos bonitos, sei. Inês foi rainha e não foi só por um dia, foi uma glória a sua deificação e foi justa, merecida à musa e ao escritor. crescemos juntos, foi lindo o jantar às velas de Carlos-Pedro e a sua Inês. com flores, vendidas num qualquer restaurante do Cais do Sodré por um marroquino com um colete cheio de bolsos de maravilhas a pataco, flores com luzes e rosas de que escolhi duas margaridas e pu-las no teu regaço. tchins-tchins íntimos a que a saudade não será nunca indiferente, mais naquela manhã em que me levantarei antes do dia nascer e irei ver o verde dos campos àquela neblina das primeiras luzes da realidade onde os castelos se desintegram, as românticas muralhas e os altivos torreões, engalanados, agora celas de prisão conquistada com pleno mérito, em pior alternativa muros caiados do cemitério onde jazem as palavras bonitas, as loas, as estantes das ilusões onde lado a lado com a poesia e a metafísica há sempre lugar para um novo livro com veias abertas, a páginas tantas o canibalismo do autor e da personagem, a confusão de identidades onde as belas muralhas não costumam resistir e ruem, nasce a tristeza e seca a flor. crescemos juntos, sobrevive tu enquanto preparo esta espetada de mim, o truque da receita vai além do pau de loureiro e do marisco, ervas finas, ponho-me em saldo e corto lascas da minha melhor chicha, os lábios que te beijaram e os dedos que te escreveram, 'inventaram' - eis o melhor naco, pièce de résistance aos esfomeados da literatura quando esgotadas as palavras belas do enamoramento, Inês abandonada e deixada à vossa mercê por um escritor canalha.
As melhores paixões literárias são sempre as que estão por vir, ainda nem suspeitadas quanto mais delas escritas os primeiros gatafunhos: Inês é eterna para quem acredita em fábulas com musas e outros seres fantásticos, Tolkien dum sorvo e Roberto A. Heinlein, 5 Hugo, noutro. digo dos Hugo porque num universo de tarados ganhar uma medalha de mérito é obra tão difícil como fazer versos que mereçam um prémio de Poesia, ou nas filas de sangue da estante haverem lombadas com marcas de uso, revisita a Capote e a Carrère, à límpida Patricia Highsmith (mordibizei isto, já não há volta a dar-lhe: siga) os autores morrem e continua o ciúme. de não ter morado em Coimbra à rua Guerra Junqueiro e, por isso, apenas por isso, não ter sido um craque como o Assis Pacheco. nem em Benfica e nunca estive em Angola com desejos de me casar como o sacrossanto ALA, rapaz então tão novo e eu agora já tão velho, acentuadamente coxo para me notabilizar em futeboladas de passeio e longe demais para ir aos domingos de manhã brincar com a areia da praia das Maçãs. fiquei bêbado com estas ilusões e querendo continuar a festa descobri que a cortiça que me guardava o vinho o fizera zurrapa em quase todas as garrafas, um pico ácido no travo, vinagre, vinagre e não o néctar da uva dos vinhedos que abundam no campo e na charneca, a ilusão da minha garrafeira cheia mas mal estimada e conservada, zurrapas com rótulos enganadores, escrita fina que quando se leva aos lábios não presta.
é o fim de 'Inês', no cascalho que sobra alguma relva nascerá e, nela, um pouco mais tarde aparecerão flores silvestres, os miosótis de que tanto gostas e que me recusas, para que no meu excesso romântico não os mate, arrancando-o da sua felicidade com raízes profundas, tão profundas como a beleza do mundo, em sacrifício do teu colo, belo sim, mas perene como todas as paixões pois mesmo as literárias têm as suas páginas finais de romance. doravante escreverei folhas onde haverá caldeirões a ferver, vira-se a página com ânsias mórbidas de ver o que acontece quando o olhar do condenado entende que está a olhar para a guilhotina que o irá já já decapitar e cegá-lo, o patíbulo onde o laço o espera e a luz a esvair-se no aperto mortal da forca (sou um óptimo leitor de mim, sossega bela Inês que nunca esgotarei por vontade este filão, egoísta e narcisista como sou)
não quero nesta última 'carta' lembrar momentos e recordar frases como em elogio fúnebre. quero olhar para a estante e ao ver a tua lombada acreditar que no editado estão páginas de paixão, linhas de palavras tão vastas como as carícias que te dei e eu sei que excedi-me, nas epístolas destapei poros ocultos pelo pó dos anos e lambi-te e lambi-me de ponta a ponta. não sou um vaidoso falso pois sei que a minha língua é suave quando soletra com ternura, não tão ágil e sabida como as dos nomes consagrados do voyeurismo literário mas foi suave no cunilingus que te escrevi e dediquei. guarda o teu exemplar, cada página é uma dedicatória à mítica Inês, à musa. no meu há páginas com borrões das lágrimas, das belas lágrimas nascidas por amor. não tarda e outro escritor te encontrará, escreverá novos elogios em novas palavras inventadas. é que, espremida a literatura e exangue o autofagismo do autor e do leitor, sobrevive sempre o amor e há sempre um novo amante de dedos ágeis que o escreva, escrever-te para seduzir-te perpetuando o mais belo mito literário, tão perfeito que há momentos em que Inês salta das folhas e vive lado a lado com o seu criador. reencontrar-nos-emos pois sou um leitor adito, insaciável. o sino soa e os pássaros levantam voo em revoada, o céu é sempre lindo quando o seu chilrear esvoaça.
com muita ternura do que foi teu escriba dedicado, Pedro-carlos
terça-feira, 5 de junho de 2007
cartas que voam...
o incomunidades tem sido confidente do namoro literário à musa, não chaperon mas cúmplice do entesoado no teclado.
obrigado companheiros!
cartas a Inês - dos nomes de Ninguém
Era tão fácil chamar-me Pedro como chamar-me Ninguém ou carlos. Quando escrevo a "Inês" não tenho nome, acredito que é o sonho de todos os que julgam haver uma Inês possível, um romance maravilhoso por ler quando a vida os levou, a todos, para as estantes. Um a um jazem lado a lado, lombadas finas e grossas, sonhos encaixilhados em papéis editados, páginas que não escrevemos - esta merda dói, tanto bonito escrito e eu grávido sem parir. Uma vez escrevi um livro. Está lá, ao lado dos outros, coval meu. Os sonhos de ser escritor falecidos no suspiro de cento e quarenta páginas, os calções e as calças à-boca-de-sino pendurados no armário do passado, lombadas de poeira. Agora escrevo na net, organizo uma estante interminável e reorganizo-me a mim. Recorrente. A Inês e o webito, recorrentes. O sorriso do mangusso, também. E a lágrima, quando lhe calha e resvala, corre, desliza num fio agradável para o umbigo onde se aloja e aguarda um beijo doutro sabor. Isto também dói, já agora.
Não tenho história para contar. sequer estórias, falho que ando num teclado que só se eriça quando escrevo 'a ela', bela Inês. Crismei-a assim em impulso quando 'a' conheci, a musa. Se calhar julgo-me castelão e chamo-me de Pedro na inconsciência dos sonhos que me habitam no meu castelo. Ou se calhar não, não tenho nome e não existo, este mail e todos os outros milhares que escrevo são letras no éter, spam entre tanto, maliciosos remetentes que tentam ao calhas furar defesas, encontrar abrigos onde se alojem, o mítico colo que, dizem as velhas sabidas, é o que todos os homens procuram no regaço das mulheres e o sugar dos seios revela-o mais que o disfarça. Se calhar não existo, há uma máquina automática que escreve, escreve, escreve sem parar e cuidar de quê ou a quem, grita e chora, repenica um beijinho e exibe a lágrima alojada no tal cantinho umbilical ansioso do afago duma lambida que lhe prove o sal. Se calhar sou um gajo mal-resolvido sentimentalmente, nostálgico de quando a vida era elegante. E, se calhar, comovo-me e mando outra lágrima a fazer companhia àquela quando assopro as brasas para não as deixar morrer. Se calhar tenho alguma coisa para dizer e não o consigo, assim ficciono que Carlos-Pedro, afinal, não morreu assim há tanto tempo.
Não tenho história para contar. sequer estórias, falho que ando num teclado que só se eriça quando escrevo 'a ela', bela Inês. Crismei-a assim em impulso quando 'a' conheci, a musa. Se calhar julgo-me castelão e chamo-me de Pedro na inconsciência dos sonhos que me habitam no meu castelo. Ou se calhar não, não tenho nome e não existo, este mail e todos os outros milhares que escrevo são letras no éter, spam entre tanto, maliciosos remetentes que tentam ao calhas furar defesas, encontrar abrigos onde se alojem, o mítico colo que, dizem as velhas sabidas, é o que todos os homens procuram no regaço das mulheres e o sugar dos seios revela-o mais que o disfarça. Se calhar não existo, há uma máquina automática que escreve, escreve, escreve sem parar e cuidar de quê ou a quem, grita e chora, repenica um beijinho e exibe a lágrima alojada no tal cantinho umbilical ansioso do afago duma lambida que lhe prove o sal. Se calhar sou um gajo mal-resolvido sentimentalmente, nostálgico de quando a vida era elegante. E, se calhar, comovo-me e mando outra lágrima a fazer companhia àquela quando assopro as brasas para não as deixar morrer. Se calhar tenho alguma coisa para dizer e não o consigo, assim ficciono que Carlos-Pedro, afinal, não morreu assim há tanto tempo.
sexta-feira, 1 de junho de 2007
Água, é água Inês...
Há chuva no olhar, diluem-se algumas letras na gota intrometida que inicia esta carta. Se não um rio de gotas melancolias mil, precipício onde as ilusões caem em cascata e capitulam em cachão nas águas revoltas, donde sobe uma neblina de gotículas que paira e molha a face enquanto olha-se a espuma das águas que se amansam, finda a fúria e a torrente, secos os lagos além da pradaria onde nasceram os fios dos sonhos, aqueles que não se sabem tecer além dos beijos da imaginação.
Aqueles que não soube enredar, inábil tecelão de rugas e rios de prata, fios de cabelos que se prendem aos dedos como a saudade se cola às memórias. Como a da tua imagem, que paira sempre que a água lava as meninas-do-olhos e vejo-te, espelho de mim, alma dos meus dedos e seu sopro loador. Inábil em contá-lo, inapto em angariar meios de subsistência à paixão que a soe num slow de letras, enlaçadas pela orquestra literária. O dilúvio do amor platónico, a taciturna chuva que molha a folha onde nos criamos e a lava revelando a sua poesia, papel onde nos sentamos e brincamos ao amor à Musa e ao dela ao seu Poeta, ribeiro d’águas juvenis e perenes como se só de ilusões fosse amestrado, e não é. És real Inês, é-lo tanto como é verdadeira a ilusão dum desesperado. Como elas, as águas, que, soltas em catarata molham a aridez da prosa e mostram os dedos enlaçados no límpido da cascata que na folha se desenha, sorriem no louvor à mítica e selam cada envelope com um sorriso lambido. Água, é água Inês… as palavras fugiram para fozes inatingíveis ao toque dos dedos, confluências que ficam além do alcance deste Cupido carteiro, este envelope contínuo que se fecha com um beijo à musa e só é aberto pelos deuses e pelas deusas, esses desconhecidos que moram além das pupilas em que nos reflectimos e pensamos, más discípulas dos códigos simples dos amantes e infiéis espelhos do rol de cores que o íntimo contém desde que a represa abriu as comportas e soltou a solidão, parda na sua plácida prisão de águas paradas.
Adeus Inês. Não tenho o tempo que autoriza a delonga do namoro eterno, urge espreguiçar o pensamento, regressar e repudiar este parapeito epistolar onde te espreito, há contas por encantoar e contos por escrever. Dizem que nasceu a Primavera e eu ainda não fui vê-la, cego pelas lágrimas da paixão ignoro outras rimas além desta cascata de te amar. O verde e o azul do horizonte apagam-se e nos vultos de espuma não vejo mais ninguém, enquanto neste enlaçar de promessas impossíveis avista-se o pingo da lágrima límpida que resvala gotejante do ponteiro, infatigável, nossos segundos de teu reinado. Adeus Inês, a divina. A cascata, a chuva que me faz gritar, o óxido que temo e repudio, o Medo. De ficar assim, para sempre incapaz de parar de te escrever torrentes de fogo e murmúrios, águas revoltas que cegam quando o torvelinho da paixão molha a folha, essa puta literária, esta fábula de realidades ficcionadas que brinca às Ilusões. Fiz-te Musa e encantei-me, galante estendi folhas à carícias dos teus pés, no ímpeto da corrente estendi a passadeira mais bela, o veludo rubro que encaminha pássaros e animais perdidos às muralhas do tal castelo de que se acredita saber o santo e a senha para entrar. Esse, o mesmo que se começa a construir numa praia à beira das ondas, nas margens dum rio ou onde seja que, olhando as mãos, vê-se um balde cheio do mais fino ouro, quilates de sonhos por construir e que não param mais, torres e muralhas que a idade agiganta tanto que se lhe perde o trilho, toc toc deixem-me entrar pois fui o teu criador antes das águas ocultarem o caminho.
Não me apetece falar mais dos teus olhos, resisto. Resisto pois afinal o que me apetece é mergulhar neles e nadar no seu tom, braçadas que me levem ao centro do lago onde nos espelhamos, eu e tu, a musa e o escritor, mitologia que encarno ao ponto da carne estremecer quando te sonho, dos dedos se tactearem na carícia de te escrever. Não, não devo falar mais desse lago de ilusões, as pupilas dos teus olhos e em como elas chispam e raiam quando lhes derramo a torrente deste amor escrito, este afago virgulado em mentiras, estas cartas que escrevo e eu não sou ninguém. Este atrevimento arrogante de ousar que das palavras nasçam realidades, te corporizes e inflames, inundes a realidade, tu que de tua graça és Inês d’Ilusões, casta por ascendentes pergaminhos e ónus de nome próprio, sedutora por apelido e de família vasta, enorme à míngua da minha solidão.
Desencosto a escada da muralha e renuncio ao torreão, procuro no invisível longe a nascente destas gotas e destas cartas, procuro a matriz do sonhador. Desenlaço os dedos e forço as letras na busca de rumos longe do teu corpo, montanha do meu imaginário que alimenta o vale que fiz atelier para a minha escrita. Renego-te, musa. Deixo-te, Inês. Solto-me saudoso da clausura de te amar, a barba molhada na tinta de te escrever, cor de lágrima. Vou procurar no Mundo, virar todas as pedras no caminho e espreitar em todas as moitas, alegrar-me-ei com as flores da Primavera e farei poemas aos pássaros, aos rios, vou perder os meus passos longe de ti, caudal tão forte e eu tão fraco que sou às suas emoções. A partir d’agora prometo que não ousarei mais o beijo tímido que esconde o fogo das paixões. E nem destas até falarei, calo o ardor que me jorra palavras para explicar o inexplicável, a beleza eterna da Musa. Vou abandonar a barca dos sonhos e não passo para o outro lado, não sigo mais o caminho para o Castelo, renuncio aos teus olhos e mato o idílio fictício de vê-los apaixonados. Este rio goteja tanto que me alaga, preciso escapar-lhe, sobreviver, ler nas nuvens e nas árvores doutros encantos que não a tua imagem que me sorve o oxigénio em beijos demais para poderem ser reais, e falta-me mais medo para respirá-la, realidade.
Voltarei à tua margem, sentar-me-ei num troco quebrado e deixo as lágrimas ligarem-se a ti: gosto do sabor da tua tinta. Gosto de ti, Inês. Amo-te antes de sabê-lo e de tu o saberes até, perspicaz como és. Vem dos tempos intemporais, vem do balde de areia e dos castelos, vem do gaiato eterno do teu sorriso – que antes de Carlos e Inês fomos crianças e essas são as mestras da paixão, alquimistas traquinas que d’areia molhada fazem castelos e habitam-nos sem se perderem em caminhos e margens de rios e sem caudais a atravessar. Voltarei a ti e de novo te farei tinteiro, escreverei Inês e colarei uma imagem, uma diva, outra musa. És tão eterna como a água que corre e sei que nunca conseguirei resistir ao apelo do banho do teu calor, ao afago de ternura das cartas secretas e dos beijos roubados, aos dedos entrelaçados e ágeis no desenhar do tema idílio, recorrente ilusão. Girarei o mundo e voltarei ao teu colo, meu ninho criador. Mas agora solto-me, liberto-me da asfixia do amplexo da paixão. É violento este rio, este amar literário, estas folhas d’ilusões escondidas nos recantos do castelo. Aquele, estas muralhas, esta tanta água quando te escrevo.
Aqueles que não soube enredar, inábil tecelão de rugas e rios de prata, fios de cabelos que se prendem aos dedos como a saudade se cola às memórias. Como a da tua imagem, que paira sempre que a água lava as meninas-do-olhos e vejo-te, espelho de mim, alma dos meus dedos e seu sopro loador. Inábil em contá-lo, inapto em angariar meios de subsistência à paixão que a soe num slow de letras, enlaçadas pela orquestra literária. O dilúvio do amor platónico, a taciturna chuva que molha a folha onde nos criamos e a lava revelando a sua poesia, papel onde nos sentamos e brincamos ao amor à Musa e ao dela ao seu Poeta, ribeiro d’águas juvenis e perenes como se só de ilusões fosse amestrado, e não é. És real Inês, é-lo tanto como é verdadeira a ilusão dum desesperado. Como elas, as águas, que, soltas em catarata molham a aridez da prosa e mostram os dedos enlaçados no límpido da cascata que na folha se desenha, sorriem no louvor à mítica e selam cada envelope com um sorriso lambido. Água, é água Inês… as palavras fugiram para fozes inatingíveis ao toque dos dedos, confluências que ficam além do alcance deste Cupido carteiro, este envelope contínuo que se fecha com um beijo à musa e só é aberto pelos deuses e pelas deusas, esses desconhecidos que moram além das pupilas em que nos reflectimos e pensamos, más discípulas dos códigos simples dos amantes e infiéis espelhos do rol de cores que o íntimo contém desde que a represa abriu as comportas e soltou a solidão, parda na sua plácida prisão de águas paradas.
Adeus Inês. Não tenho o tempo que autoriza a delonga do namoro eterno, urge espreguiçar o pensamento, regressar e repudiar este parapeito epistolar onde te espreito, há contas por encantoar e contos por escrever. Dizem que nasceu a Primavera e eu ainda não fui vê-la, cego pelas lágrimas da paixão ignoro outras rimas além desta cascata de te amar. O verde e o azul do horizonte apagam-se e nos vultos de espuma não vejo mais ninguém, enquanto neste enlaçar de promessas impossíveis avista-se o pingo da lágrima límpida que resvala gotejante do ponteiro, infatigável, nossos segundos de teu reinado. Adeus Inês, a divina. A cascata, a chuva que me faz gritar, o óxido que temo e repudio, o Medo. De ficar assim, para sempre incapaz de parar de te escrever torrentes de fogo e murmúrios, águas revoltas que cegam quando o torvelinho da paixão molha a folha, essa puta literária, esta fábula de realidades ficcionadas que brinca às Ilusões. Fiz-te Musa e encantei-me, galante estendi folhas à carícias dos teus pés, no ímpeto da corrente estendi a passadeira mais bela, o veludo rubro que encaminha pássaros e animais perdidos às muralhas do tal castelo de que se acredita saber o santo e a senha para entrar. Esse, o mesmo que se começa a construir numa praia à beira das ondas, nas margens dum rio ou onde seja que, olhando as mãos, vê-se um balde cheio do mais fino ouro, quilates de sonhos por construir e que não param mais, torres e muralhas que a idade agiganta tanto que se lhe perde o trilho, toc toc deixem-me entrar pois fui o teu criador antes das águas ocultarem o caminho.
Não me apetece falar mais dos teus olhos, resisto. Resisto pois afinal o que me apetece é mergulhar neles e nadar no seu tom, braçadas que me levem ao centro do lago onde nos espelhamos, eu e tu, a musa e o escritor, mitologia que encarno ao ponto da carne estremecer quando te sonho, dos dedos se tactearem na carícia de te escrever. Não, não devo falar mais desse lago de ilusões, as pupilas dos teus olhos e em como elas chispam e raiam quando lhes derramo a torrente deste amor escrito, este afago virgulado em mentiras, estas cartas que escrevo e eu não sou ninguém. Este atrevimento arrogante de ousar que das palavras nasçam realidades, te corporizes e inflames, inundes a realidade, tu que de tua graça és Inês d’Ilusões, casta por ascendentes pergaminhos e ónus de nome próprio, sedutora por apelido e de família vasta, enorme à míngua da minha solidão.
Desencosto a escada da muralha e renuncio ao torreão, procuro no invisível longe a nascente destas gotas e destas cartas, procuro a matriz do sonhador. Desenlaço os dedos e forço as letras na busca de rumos longe do teu corpo, montanha do meu imaginário que alimenta o vale que fiz atelier para a minha escrita. Renego-te, musa. Deixo-te, Inês. Solto-me saudoso da clausura de te amar, a barba molhada na tinta de te escrever, cor de lágrima. Vou procurar no Mundo, virar todas as pedras no caminho e espreitar em todas as moitas, alegrar-me-ei com as flores da Primavera e farei poemas aos pássaros, aos rios, vou perder os meus passos longe de ti, caudal tão forte e eu tão fraco que sou às suas emoções. A partir d’agora prometo que não ousarei mais o beijo tímido que esconde o fogo das paixões. E nem destas até falarei, calo o ardor que me jorra palavras para explicar o inexplicável, a beleza eterna da Musa. Vou abandonar a barca dos sonhos e não passo para o outro lado, não sigo mais o caminho para o Castelo, renuncio aos teus olhos e mato o idílio fictício de vê-los apaixonados. Este rio goteja tanto que me alaga, preciso escapar-lhe, sobreviver, ler nas nuvens e nas árvores doutros encantos que não a tua imagem que me sorve o oxigénio em beijos demais para poderem ser reais, e falta-me mais medo para respirá-la, realidade.
Voltarei à tua margem, sentar-me-ei num troco quebrado e deixo as lágrimas ligarem-se a ti: gosto do sabor da tua tinta. Gosto de ti, Inês. Amo-te antes de sabê-lo e de tu o saberes até, perspicaz como és. Vem dos tempos intemporais, vem do balde de areia e dos castelos, vem do gaiato eterno do teu sorriso – que antes de Carlos e Inês fomos crianças e essas são as mestras da paixão, alquimistas traquinas que d’areia molhada fazem castelos e habitam-nos sem se perderem em caminhos e margens de rios e sem caudais a atravessar. Voltarei a ti e de novo te farei tinteiro, escreverei Inês e colarei uma imagem, uma diva, outra musa. És tão eterna como a água que corre e sei que nunca conseguirei resistir ao apelo do banho do teu calor, ao afago de ternura das cartas secretas e dos beijos roubados, aos dedos entrelaçados e ágeis no desenhar do tema idílio, recorrente ilusão. Girarei o mundo e voltarei ao teu colo, meu ninho criador. Mas agora solto-me, liberto-me da asfixia do amplexo da paixão. É violento este rio, este amar literário, estas folhas d’ilusões escondidas nos recantos do castelo. Aquele, estas muralhas, esta tanta água quando te escrevo.
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