domingo, 28 de abril de 2013

'Inventário plebeu'

A verdade, digam lá o que disserem,
é que tivemos muito pouca sorte
com os poetas (?) nossos contemporâneos.

Um nasceu em Galveias e tatua-se
ou alfineta-se para disfarçar um vazio evidente;
outro gosta de andar nu em Braga,
muito depois - e aquém - de qualquer Pacheco.
(Ignoram, ambos, que a única pila maior
do que o mundo era a do João César Monteiro.)

Um terceiro, cujo nome nunca escreverei,
é a mulher moderna da edição
às cegas e da sacanice quotidiana. O quarto
e o quinto (gabo quem os logra distinguir)
arrotam melancolia e não admitem
o mínimo desvio à sacrossanta transfiguração da lírica.

O sexto - não, não me apetece falar aqui do sexto.

Consola-nos, isso sim, saber que uns se tornaram
entretanto romancistas (pilim, pilim), e que os restantes
hão-de ser, muito em breve, ministros
ou somente pulhas (é, no fundo, a mesma coisa).

Entretanto, de esgoto em esgoto,
Portugal progride a olhos vistos
e é bem capaz de levar, um dia destes,
com outro Nobel nas trombas.


Manuel de Freitas, in "Resumo - a poesia em 2012", edição Documenta/FNAC

quinta-feira, 25 de abril de 2013

madrugar a vida: 25 de Abril








«Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo»


Sophia de Mello Breyner Andresen
 
 
- quem não o sentiu assim?
quem não sentiu assim não sentiu o poema da vida amanhecida com a força duma fé, dum amor novo, e a beleza - talvez cândida mas tão bela e pura!... - de acreditar sermos a criança que irá escrevê-la. uma madrugada duma vida subitamente nova e limpa, como a folha branca onde se desenham e cabem todas as esperanças. os tropeços do crescer dão-lhe rugas e vincos, mas os traços originais, matriciais, permanecem e são discerníveis quando se lê este poema, e se recua ao bonito que nós fomos, éramos... aquele instante virginal do mundo e de nós, prometedor como a aurora é tónico para o noctívago, derreado de noites e pesos, e revitaliza-o a fazer do novo dia um seu dia novo.
e se, no hoje de hoje, quem não sente o poema que este dia foi - e ele permanece porque ninguém cala a poesia -, quem não sente além do rancor cinzento metalizado do mundinho de tristezas e de culpas que pertencem sempre ao outro, esse outro que nunca ele, sinta pelo menos que não tem qualquer direito por arrogar em atirar primeiras pedras acusatórias ou vingativas. não sente nem entende a liberdade, herdou-a, e exerce-a pelo desiquilibrador peso de pedras em mãos. elas não escrevem, calejam a sensibilidade e nublam a memória. doem a quem as recebe? sim, também por sentir a incapacidade de quem as atira.
Viva o 25 de Abril!
 

(fanei a foto aqui . thanks!)

quarta-feira, 24 de abril de 2013

análise conservadora dos factos da vida e da história

«Não se perdoa nem a uma nação, nem a uma mulher, uma hora de desatenção, durante a qual o primeiro aventureiro que apareça as pode vencer e possuir.»

Karl Marx


(um hino é um hino é um hino é um hino. como tudo, pode ser um ícone ou não ser nada)

quarta-feira, 17 de abril de 2013

lidos

"As horas", Michael Cunningham
"Entre os lençóis", Ian McEwan
"Todos os fogos o fogo", Julio Cortázar
"Debaixo de algum céu", Nuno Camarneiro
"Teoria geral do esquecimento", José Eduardo Agualusa
"A vida privada de Maxwell Sim", Jonathan Coe
"Ha! Ha! Houdini!", Patti Smith
"O verso e o rosto", José Correia Tavares
"A confissão", John Grisham
"Ler na retrete", Henry Miller
"Desconhecidos", Anita Brookner
"Sexo/Espionagem - A exploração do sexo pelos serviços secretos soviéticos", David Lewis
"Magustana", Aldino Muianga
"ma-schamba (textos em blog)", José Pimentel Teixeira (em PDF)
"Estado de guerra", Clara Ferreira Alves

Karingana Blues, namorar com livros

é na 3ª feira, que além dum belo dia da semana é também o Dia Mundial dessa paixão maluca de boa que é o Livro. nem uma bela mulher o substitui. nem duas (ou três, pronto). terça-feira à noite já sabem: na biblo de Almeirim há "Karingana Blues", cheirinho africano no nome, sorriso acraveirinhado.
ah! o jardim, belo. ah, as noites da Primavera que se fez de rogada mas veio. tudo óptimo para namorar, livros, amores. há candeeiros discretos à conta para iluminarem as nossas melhores páginas, sempre, sempre novas. 'bora ler?
 

sexta-feira, 12 de abril de 2013

 
«Só as paredes nos deixam ser ainda o que às vezes queremos»

«Eis a liberdade que tanta falta te faz, tão importante quando a imaginas e tão triste quando finalmente a consegues»

segunda-feira, 8 de abril de 2013

sonho


é nas páginas que te encontro, frase a frase leio-as contigo. há um cheiro doce nas palavras, como se fossem crianças a dormir. como um ninho numa árvore cheia de segredos simples, como pés chapinhando verões, talvez tudo isto não seja assim mas seja qual for o livro que pegue, pego e roço memórias de adivinho e entrelinho na história outras letras, um enredo por escrever. habito um mundo que não há e existe, vive além desta porta que só eu sei abrir. folheio momentos a que chamo ilhas e descubro ilusões onde há selva virgem, as folhas como cachos enchendo a paisagem como as lombadas enchem a sala dos livros, este bunker tão meu e desconhecido além destes silêncios. encanto-me nos contos dos outros vivendo os meus, sossego a angústia escolhendo uma lombada como o hipocondríaco abre o armário dos remédios e abre caixas cujas bulas mágicas só ele conhece. leio. leio tudo o que encontro pois não há temas, selecções, escolhas que fujam ao destino: ficção, história, sociologia, poesia ou biografia, ‘és’ e estás sem remissão. noutros ensejos aventuro-me, salto de praia e caminho na areia da do escritor, crendo perenes pégadas que duram a ilusão volátil que a maré da realidade dá e apaga: andaste, caminhaste, correste sem rasto que persista além do próprio olhar, um rasto que quem se seguir persiga. ler, ler antes que a magia das histórias por escrever se apague, asar-me em motes alheios e ler a outra versão onde és e existes, recriar o viver. levito, observo-me, sei-te e sei-me, e tudo são frases que dizem da utopia nobre de todo um mundo se reescrever.
é nas páginas que te encontro, frase a frase que toco e tomo descerro o segredo de não ser escritor mas leitor em alucinação grandiloquente de confisco, sugo ao belo alheio as estrias que embalam as linhas que sobreponho e, assim, devagar, livro lido a livro lido, tornaram a minha biblioteca tão pessoal que ninguém sabe como ela é verdadeira mentindo, em cada lombada dois autores, como esta chave que abre ninhos e praias e o mundo é porta, mar e céu, rodando-a abro outro mundo, caem as muralhas e os medos, e eu sou eu. desmentindo o cabeçalho é esta a consistência em estante, esta dupla existência que os faz tão amados: eles, cada um, sou eu: não há linhas, frases, suspiros, onde não tenha encontrado o outro, o que se perde na tal praia que os escritores frequentam incansavelmente, rabiscando húmidos rastos, reescrevendo a areia e os momentos. agora cerra-se a porta em higiene do leitor: a biblioteca, a ilha, a praia a nuvem e o ninho de pássaros, a chave e a vaidade, é minha, é tudo reescrito e meu, a realidade fá-los tão meus como se de todos. ler, escrevendo. é a minha versão, a minha minha minha estante.

domingo, 7 de abril de 2013

Dia da Mulher Moçambicana

Cantemos com alegria o 7 de Abril
O dia consagrado à Mulher Moçambicana
Companheira inseparável do homem engajado
Na luta contra a velha sociedade moçambicana

Quem é aquela que mobiliza e organiza o nosso povo
Quem é aquela que produz e alimenta os combatentes
É a Mulher Moçambicana emancipada
Que traz o povo no seu coração

Lutando com firmeza contra as ideias velhas
Ignorância, obscurantismo,poligamia ou lobolo
Levando no olhar a certeza da vitória
Sabendo que a vitória se constrói com sacrifícios

Quem é aquela que ergue alto o farol da liberdade
Quem é que grita ao Mundo inteiro que a nossa luta é a mesma
É a Mulher Moçambicana
Que destroí as forças de opressão

Do Rovuma ao Maputo unamos as nossas forças
Fomentemos a unidade ideológica do Povo
A Frelimo já traçou a política do Povo
Que deve ser vivida e difundida noite e dia

Avante, Avante Moçambicanos } Bis
Avante, Homens e Mulheres } Bis
Na, Unidade, no trabalho e vigilância
Venceremos a exploração

sexta-feira, 5 de abril de 2013

pater familias

pergunta-me o sr. do Facebook o que penso. queres saber? penso que o show must go on. feito o 'login' não se espera outra coisa de fiéis dum culto de solidões, nós, mútuos e solidários esmolares de atenções, um mimo, um like. é melhor isto que o vazio, o pânico, o medo, o que sobrou após esta entrega voluntária e de password secreta só para nós mesmo: quem lê vê, sabe, entende, reflecte igual. deixei de dizer mal da malta do cachecol e o futebol, da mini persistentemente na mão, ou outros refúgios quaisquer. eles lá sabem, se nem eu sei de mim. e lá vem divagação...
 
 
'pater familias', estranha definição... quando estudei encontrei-lhe uma definição e sentido diferente da ambição adolescente que a recheara como objectivo, sonhos de estabilidade e de realização. uma responsabilidade que nunca é atingível em pleno, e é essa a sua melhor definição e realização: somos responsáveis dentro do núcleo, e dele no seu exterior. ninguém sentirá que cumpriu a 100% e esse trabalho teve ou terá fim. há imponderáveis, e há também o que se julgava ponderado mas teve curvas de erro mal calculados. exógenas, às vezes. destinos, diz-se. tais leviandades da sorte (ou do destino) aplicáveis na economia têm o penar que conhecemos, mas se no campo de exame pessoal, "balanços de vida", é exame de dor maior. o problema do espelho que enfrentamos todas as manhãs. o medo de errarmos num campo onde ele não é admissível: trata-se da nossa maior missão (passe o lugar-comum), aquela em que o sucesso ver-se-á num que em rigor biológico nos é alheio.
esse é o 'pater familias' que aprendi a ambicionar ser depois, quando me tornei 'Pai'. quando igualmente percebi o quanto errara como filho. tenho três filhos, a Filipa, o Miguel e a Carla. nenhum é fotocópia de outro mas há um campo onde se assemelham – e vejo nas minhas nuvens, sonho-me, como auxiliar dessa matriz: a bondade. e vejo-me realizado porque algo contribuí. vejo-me ‘pater familias’ além de manuais ou códigos, de escolásticas definições. neles, nessa sua característica comum que se preserva e reafirma, regressa em mim a definição original, antes de conhecer e estudar a latinizada, rigorosa e austera no peso duma tradição de séculos: vem-me o sonho de quando era adolescente em vir a ser pai e, mais que isso, “um bom pai”. acorda-me para uma realidade viva, superior à cor ácida e cinzenta destes dias, agita-me, dá-me ânimo neste espernear constante à depressão. ensinam-me a melhor parte do “adolescer” que pratico como escudo ao seu anverso, este lado pessimista da realidade que teima em dizer que é tarde demais para tudo, e desligo o botão e voo para tão perto do que nunca fui ou serei que chego a acreditá-lo, faço-me máscara, Arlequim, escondo-me dos erros e dos falhanços quando, afinal, no que manual e sonho coincidem como nuclear eu fui feliz: pai, ‘pater’, ‘pater familias’.

tenho orgulho em vocês, filhotes. dão-me muito mais que vos dei ou dou, e mais que dei ao meu (esta parte não tem remissão: não chegaram a conhecer o avô paterno, e não posso escudar-me no meu orgulho por vocês para lhe pedir perdão). não sinto que seja algum tipo de placebo a frustrações minhas – tantas… - dizer, hoje, que seja via genes (ó vaidade…), seja via carimbos do crescer, eu, empossado pai, dizer sem me envergonhar que houve daqui um bocadinho de ‘bom trabalho’. mais: acredito que fora estes descuidos nem saiba como vos dizê-lo. beijo-vos. e agora regresso ao meu caminho não de pedras mas de nuvens, impante de orgulho por, hoje, acreditar merecê-lo. (eu, 'pater familias’ realizado! quem diria que conseguiria, hein?)


(aqui, do meu filhote. expludo de orgulho!)