é nas páginas que te encontro, frase a frase leio-as
contigo. há um cheiro doce nas palavras, como se fossem crianças a dormir. como
um ninho numa árvore cheia de segredos simples, como pés chapinhando verões,
talvez tudo isto não seja assim mas seja qual for o livro que pegue, pego e
roço memórias de adivinho e entrelinho na história outras letras, um enredo por
escrever. habito um mundo que não há e existe, vive além desta porta que só eu
sei abrir. folheio momentos a que chamo ilhas e descubro ilusões onde há selva
virgem, as folhas como cachos enchendo a paisagem como as lombadas enchem a
sala dos livros, este bunker tão meu e desconhecido além destes silêncios. encanto-me
nos contos dos outros vivendo os meus, sossego a angústia escolhendo uma
lombada como o hipocondríaco abre o armário dos remédios e abre caixas cujas
bulas mágicas só ele conhece. leio. leio tudo o que encontro pois não há temas,
selecções, escolhas que fujam ao destino: ficção, história, sociologia, poesia
ou biografia, ‘és’ e estás sem remissão. noutros ensejos aventuro-me, salto de
praia e caminho na areia da do escritor, crendo perenes pégadas que duram a
ilusão volátil que a maré da realidade dá e apaga: andaste, caminhaste,
correste sem rasto que persista além do próprio olhar, um rasto que quem se seguir
persiga. ler, ler antes que a magia das histórias por escrever se apague, asar-me
em motes alheios e ler a outra versão onde és e existes, recriar o viver. levito,
observo-me, sei-te e sei-me, e tudo são frases que dizem da utopia nobre de
todo um mundo se reescrever.
é nas páginas que te encontro, frase a frase que toco e tomo
descerro o segredo de não ser escritor mas leitor em alucinação grandiloquente de
confisco, sugo ao belo alheio as estrias que embalam as linhas que sobreponho
e, assim, devagar, livro lido a livro lido, tornaram a minha biblioteca tão
pessoal que ninguém sabe como ela é verdadeira mentindo, em cada lombada dois
autores, como esta chave que abre ninhos e praias e o mundo é porta, mar e céu,
rodando-a abro outro mundo, caem as muralhas e os medos, e eu sou eu. desmentindo
o cabeçalho é esta a consistência em estante, esta dupla existência que os faz
tão amados: eles, cada um, sou eu: não há linhas, frases, suspiros, onde não
tenha encontrado o outro, o que se perde na tal praia que os escritores
frequentam incansavelmente, rabiscando húmidos rastos, reescrevendo a areia e
os momentos. agora cerra-se a porta em higiene do leitor: a biblioteca, a ilha,
a praia a nuvem e o ninho de pássaros, a chave e a vaidade, é minha, é tudo reescrito
e meu, a realidade fá-los tão meus como se de todos. ler, escrevendo. é a minha
versão, a minha minha minha estante.
Sem comentários:
Enviar um comentário