segunda-feira, 8 de abril de 2013

sonho


é nas páginas que te encontro, frase a frase leio-as contigo. há um cheiro doce nas palavras, como se fossem crianças a dormir. como um ninho numa árvore cheia de segredos simples, como pés chapinhando verões, talvez tudo isto não seja assim mas seja qual for o livro que pegue, pego e roço memórias de adivinho e entrelinho na história outras letras, um enredo por escrever. habito um mundo que não há e existe, vive além desta porta que só eu sei abrir. folheio momentos a que chamo ilhas e descubro ilusões onde há selva virgem, as folhas como cachos enchendo a paisagem como as lombadas enchem a sala dos livros, este bunker tão meu e desconhecido além destes silêncios. encanto-me nos contos dos outros vivendo os meus, sossego a angústia escolhendo uma lombada como o hipocondríaco abre o armário dos remédios e abre caixas cujas bulas mágicas só ele conhece. leio. leio tudo o que encontro pois não há temas, selecções, escolhas que fujam ao destino: ficção, história, sociologia, poesia ou biografia, ‘és’ e estás sem remissão. noutros ensejos aventuro-me, salto de praia e caminho na areia da do escritor, crendo perenes pégadas que duram a ilusão volátil que a maré da realidade dá e apaga: andaste, caminhaste, correste sem rasto que persista além do próprio olhar, um rasto que quem se seguir persiga. ler, ler antes que a magia das histórias por escrever se apague, asar-me em motes alheios e ler a outra versão onde és e existes, recriar o viver. levito, observo-me, sei-te e sei-me, e tudo são frases que dizem da utopia nobre de todo um mundo se reescrever.
é nas páginas que te encontro, frase a frase que toco e tomo descerro o segredo de não ser escritor mas leitor em alucinação grandiloquente de confisco, sugo ao belo alheio as estrias que embalam as linhas que sobreponho e, assim, devagar, livro lido a livro lido, tornaram a minha biblioteca tão pessoal que ninguém sabe como ela é verdadeira mentindo, em cada lombada dois autores, como esta chave que abre ninhos e praias e o mundo é porta, mar e céu, rodando-a abro outro mundo, caem as muralhas e os medos, e eu sou eu. desmentindo o cabeçalho é esta a consistência em estante, esta dupla existência que os faz tão amados: eles, cada um, sou eu: não há linhas, frases, suspiros, onde não tenha encontrado o outro, o que se perde na tal praia que os escritores frequentam incansavelmente, rabiscando húmidos rastos, reescrevendo a areia e os momentos. agora cerra-se a porta em higiene do leitor: a biblioteca, a ilha, a praia a nuvem e o ninho de pássaros, a chave e a vaidade, é minha, é tudo reescrito e meu, a realidade fá-los tão meus como se de todos. ler, escrevendo. é a minha versão, a minha minha minha estante.

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