eu não sei se vêm a esta praia muitas vezes. eu venho. diariamente, às vezes num espreita, noutras num relê de grãos, e algumas - acho-as as melhores - num estacionamento do olhar, um colo de página, um mural que não é memorial porque é uma foto viva.
se há falecimentos a registar um não conta, não existe, não é dum rol triste. aqui estaciono e voo. aqui não morro, não morri, aqui dão-me raivas contra muita coisa e contra mim próprio, mas aqui não morri. leram das maravilhosas nuvens do estrangeiro de Baudelaire? aqui: o céu. o céu que não existe mas devia existir, perfeito e imperfeito, mas quando nos agasalhamos olhando-o e dizendo que está cinzento é na mesma um céu. assim, sem vírgulas: o céu. ou com as que lhe pertencem.
e nenhuma gaiola dourada o tem: tem dourados, tem culpa, responsabilidades, obrigações, medo e cobardia, algemas de cetim. vê-se melhor numa cela que numa gaiola dourada: o ouro da sobrevivência ofusca. lá, na cela espartana e castigadora, no silêncio apertado da expiação, nem é precisa uma exígua janela para um céu estar sempre presente, dia e noite, dia a dia. há quem o veja, sinta e até palpe, mesmo que com os olhos abertos. (embora a culpa dos momentos o enevoe).
uma praia. um paraíso. um futuro que não existe mas temos um direito sagrado de sonhá-lo. eu venho aqui diariamente, mesmo após lavar a cara e ler nos jornais que chove, e é só uma fotografia.
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