"O estrangeiro"
- A quem mais amas tu, homem enigmático, dizei: teu pai, tua mãe, tua irmã ou teu irmão?
- Eu não tenho pai, nem mãe, nem irmã, nem irmão.
- Teus amigos?
- Você se serve de uma palavra cujo sentido me é, até hoje, desconhe...cido.
- Tua pátria?
- Ignoro em qual latitude ela esteja situada.
- A beleza?
- Eu a amaria de bom grado, deusa e imortal.
- O ouro?
- Eu o detesto como vocês detestam Deus.
- Quem é então que tu amas, extraordinário estrangeiro?
- Eu amo as nuvens... as nuvens que passam lá longe...as maravilhosas nuvens!
in "O Spleen de Paris", Charles Baudelaire
- A quem mais amas tu, homem enigmático, dizei: teu pai, tua mãe, tua irmã ou teu irmão?
- Eu não tenho pai, nem mãe, nem irmã, nem irmão.
- Teus amigos?
- Você se serve de uma palavra cujo sentido me é, até hoje, desconhe...cido.
- Tua pátria?
- Ignoro em qual latitude ela esteja situada.
- A beleza?
- Eu a amaria de bom grado, deusa e imortal.
- O ouro?
- Eu o detesto como vocês detestam Deus.
- Quem é então que tu amas, extraordinário estrangeiro?
- Eu amo as nuvens... as nuvens que passam lá longe...as maravilhosas nuvens!
in "O Spleen de Paris", Charles Baudelaire
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(partes do meu diálogo, acerca deste poema)
(partes do meu diálogo, acerca deste poema)
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"e digo: não escreveu o que escreveu apenas por sensibilidades especiais próprias. ou pelas bezanas que apanhou. ou pelas coisas giras que fumou. fê-lo, também, por uma mulher que, se não 'o inspirou' o floriu e o permitiu: Jeanne Duval. a bailarina mulata já em fase de decadência que sacou dum teatro de vaudeville de 3ª categoria. e foi ela que o aguentou. e sustentou. há biógrafos que até sugerem que vendendo o corpo. e apoiou quando os credores faziam fila ou esperas - e há mais biógrafos que sugerem que ela contribuía em dose de leão para que as dívidas se sucedessem. que interessa? eram um duo, um par, um dois-em-um. Jeanne Duval. raramente aparece sequer nos rodapés. merecia mais. acho. e digo-o."
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"(...) Baudelaire foi um grande poeta francês do séc. XIX, e a sua obra principal é "Flores do Mal". além dessa vertente foi o tradutor para francês da obra de Edgar Alan Poe (...). foi um boémio empenhadíssimo, e também consunidor de drogas. haxixe e ópio, especialmente. tem alguns livros onde divaga teoricamente sobre as propriedades criadores que esses produtos conferirão ao utilizador. há até, numa parte dum texto, um pequeno 'tratado' onde ensina a fazer haxixe a partir do pólen da planta. etc. não por isso, ou melhor: pelo conjunto quer da obra quer da vida pessoal, foi considerado um "escritor maldito". a exemplo, só cem anos após a sua morte (infecção aguda por sífilis) foi admitido post-morten na Academia Francesa, justíssimo dada a importância da sua obra nas letras francesas, e não só. (...)"
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"(...) foi um precursor, literariamente falando. usando "palavrões", um precursor do Simbolismo, forma artística e literária onde a subjectividade reina e, por exemplo na poesia – caso sub judice – se preocupa mais com o conteúdo que com a forma do poema. a realidade apreende-se por intuição e não pela literalidade. e este poema-prosa, “o estrangeiro” além do ser no seu conjunto está ele próprio cheio de metáforas. (...) cada sequência de pergunta/resposta é uma outra individual, sendo a final (nuvens) o corolário decifrador do conjunto. como uma cascata deslizando de degrau em degrau até adquirir a forma de lago translúcido saltado o último, um lago onde nos vemos reflectidos após a confusão das precipitações que o antecederam. não será o melhor exemplo, mas não está distante. as palavras esparramadas no papel não são suficientes para, per si, elucidarem o leitor: há que recorrer ao (seu) sentimento pois a análise objectiva normalmente é curta, espartilhada que fica na realidade física e palpável das palavras cerradas como se fossem dogmas. mas elas são sempre mais. o homem indagado é enigmático para o inquisidor por (simbolicamente) abstrair-se de todos os conceitos, afeições, “amarras” que normalmente nos tolhem… de olhar as nuvens como – essas sim – a vera realidade. a sua realidade última e master, a única que não considera dispensável sob circunstâncias concretas. a capacidade de sonhar, sem olhar ou sentir o momento onírico como mero devaneio de românticos ociosos mas sim como a essência do ser humano enquanto ser livre e consciente (sem contradição). chegados ao final do poema – que o é, que se lixe a métrica – sentimo-nos irmanados com o personagem: quem não olhou as nuvens e nelas viu muito mais que flocos, pinceladas no céu? fala-se tanta vez em «construir castelos no ar», e a expressão designa um sonhador. um inconformado com a realidade, alguém que nas nuvens vê muito mais que nuvens, ou talvez ele sim as veja como são: as maravilhosas nuvens, trans-nacionais, supra sentimentais, ideológicas ou religiosas, rainhas numa realidade alternativa onde os bens materiais não são o corpo mas o pormenor. ou, talvez, não o sendo sejam elas tudo isso - mas sob o formato-maravilhoso-da-nuvem-maravilhosa, e não a opacidade da realidade despida da imaginação. nelas, não há vínculos! entusiasmei-me a divagar e a escrever, e alarguei-me. olhei nuvens, encantei-me com elas e dei-lhes formato, formatos. neste momento, neste pedaço em que estive e não estive, em que escrevi conforme sonhava o que seria o poema das maravilhosas nuvens, eu fui o homem enigmático pois senti-me irmanado no seu sentimento e na sua visão. (...)"
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