sábado, 16 de março de 2013

o bom e o horrível

 
 
escrever bem não chega. além do estilo, há que ter pensamentos que valha a pena transmitir. que sorriam, enfureçam, mas sempre - sempre - que estimulem o pensar. isto o autor, o escritor. depois há o homem.
 
quando me encanto com um livro, um autor, acredito sempre que no vis-a-vis com o homem tal encanto perduraria, e até se multiplicaria porque há segredos que não se escrevem mas descobrem-se na franqueza ou doçura dum olhar. «quem escreve e pensa tão bem tem de ser uma excelente pessoa!...» outros irritam-me, mas a "chama sagrada" que lhes dá letras assim não pode, nunca, provir de má gente. apenas um mau-feitio, um mau momento, quiçá. felizmente tem sido assim. mas...

tenho sempre presente um exemplo que colhi pessoalmente. um autor dum livro maravilhoso, uma ternura de história e um quase manual de escrever com simplicidade e bem. quando o conheci pessoalmente detestei-o de A a Z. um presumido. arrogante e parvo, um saltos-altos para dar nas vistas, patético nos esforços em ser o centro das atenções. a acrescer, fiz confidência deste espanto e desilusão a um amigo (também das letras), e horrorizei-me com o que me contou e desconhecia por completo. o seu passado de torcionário, aquando duma fase muito turbulenta no seu país: dirigira interrogatórios com recurso a tortura, incluindo a física, a colegas de escrita. talvez 'amigos' de tempos não distantes, talvez apresentando os livros uns dos outros, certamente por vezes sentados à mesma mesa e discorrendo sobre a magia da literatura, etc, essas coisas lindas para que se convidam os escritores a falar. mas aquele livro era e é fantástico, essa opinião não a consigo modificar embora, naquela altura, aquando das despedidas no fim do encontro, me tenha esquivado a cruzarmo-nos e apertar-lhe a mão.

poucos, e felizmente nenhum tão grave como este, mas tenho mais casos de profunda desilusão entre o homem e o personagem-escritor: de forma alguma quem escreveu aquelas frases feiticeiras 'é' a mesma pessoa com que antipatizei, por vezes por instinto, noutras - a minha regra, pois elaborar juízos de carácter carece de mais que feelings - por razões concretas e que justificam o posterior saltar de lombadas quando os olhos passeiam nas estantes. é triste mas às vezes acontece, e não está em nenhuma tábua que um escritor tem de ser um ser humano perfeito. doutras, é pelo que dele se lê. duvida-se, procura-se confirmação do texto e da autoria. não à cata dum vergonhoso plágio, ou da paráfrase, esse pecadilho mínimo do escritor. é pior. a manipulação, maldosa como são as manipulações servindo-se da tribuna do seu nome e do alcance que ele tem com os leitores.

hoje juntei outro nome à lista. um sul-americano. vá lá que de há muito não era dos meus santinhos: deixei do ler já há uns dois ou três anos (em livro ou em crónica) por, em minha opinião pessoalíssima, os últimos meia-dúzia que lhe lera, nenhum ter descolado da banalidade. adjectivo bruto, concedo, mas usei-o tendo em muita conta o muito que antes dessa fase má - que se mostrou residente e não passageira; dai o abandono - me e nos dera. e que lhe fez o nome. hoje vi, li, e comprovado, que se tornou um tarefeiro, escritor de cartilha e sem ética, numa lógica de "vale tudo", o que inclui manipular a roçar a mentira.

é pena, mas acontece. não há ícones sagrados, e nem na Índia as vacas escrevem um boi. há homens. uns assim e outros assado. é a vida.... desculpem o desabafo.

Sem comentários: