domingo, 24 de março de 2013

a ilha. anti-poesia.

os poetas mentem todos. sumptuosos de palavras belas, chamam ventura à indolência dos ciclos, instantes viajantes a que, intuem-no mas não o dizem, falta a imortalidade do simples. e, o esgar, o trejeito da consciência inquietada, desfigura-se em sorriso redigido e a vida, crêem, continua. malsã, coxa da rima que a desdiga. suicidam-se ao recusarem a narrativa íntegra em prol da palavra curta, ao negarem a fotografia e o espelho sem a luminosidade colorida do poema. falham ao almejar tão longe e tão perfeito como a coisa além das coisas, a dicção escrita perfeita. colecções de enganos acumulados, páginas amarrotadas do conto duma ilha que não existe e, se existe, não há poema que aclare, decifre, indique com zero dúvidas porque é perto e longe, irresistivelmente atraente mas inacessível. tornaram-se biógrafos-contabilistas dessa amargura tão francamente revelada que, embora crédula numa posteridade lida, crêem-na ainda assim dissimulada. e convocam-na em crisma de canto poético, monólogos dessa tristeza. como se a desordem caligrafasse a demência de dedos de delírios e de tormentos, tornando-a solvível. literariamente? turba narcísica, arrebatada com as lombadas fininhas em ouro puro, assim lêem as suas emissões. fantasias de afrodites privadas, vocábulos acorrentados, derramados em cascata de íntimos mas sem óvulo atingível, quimera da ilha que existir existe, mas não é possível abraçá-la, tomá-la, exilar o fracasso de nós… os poetas mentem, mentem, mentem. enganam-nos se nos maravilham. não há ilhas refúgios de beldade na vida-viúva e pura de realidade. não é poesia, é auto-medicação, e sem benefício dedutível no acordar para o ciclo seguinte.

e eu, quanto mais garatujo mais sou uma criatura amarga. às vezes finto-me e digo que sou só triste e o mau-feitio é a causa da existência e do tumulto, o sabor de fel da anti-poesia. engano-me, e não há ponto final neste crer num exílio sem recurso à palavra escrita, a tal ilha

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