Apaixono-me com a frequência dum relógio que bate horas. Dos antigos, que fazem cu-cu. Um rosto adivinhado numa frase relida mil vezes. Um rosto que, lido, tem outro relógio onde leio cadências que me enchem os ouvidos e neles escavam até se alojarem e soarem o seu cu-cu em eco interno, sinal de nova hora. Horas de mais de sessenta minutos, horas de litros de segundos. Pautas musicais onde só lhes distingo a clave do tum-tum, a tal que no meu soa cu-cu quando bate a tal hora, um rosto adivinhado, um texto lido e relido até ao esqueleto, tum-tum, os relógios acertam-me a hora e o meu diz cu-cu.
Como é que lhe dei corda, que quando foi fabricado ainda os suíços não usavam pilhas para dizer cu-cu, altivo alpino tic-tac de corda à mão que soava com a regularidade das paixões de hora em hora à idade quando a paixão lhe batia, então abria a janela e fazia cu-cu? hoje soa solto, cu-cu descomandado sem previsibilidade nem horário. Apenas cu-cu, instalou-se à janela e é um constante cu-cu.
Uma frase relida e um coração olhado. TMG ou GMT, já não sei em que fuso estou, em que hora estou pois o cu-cu soa, troa-me, baralha-me os ritmos e perco as rotinas, adianto-me uma hora e no mesmo segundo duvido se não estou errado e não estarei é uma hora atrasado. Sei que ele continua a bater, a bater, e a corda que lhe dei foi em rodar de pulso, linhas minhas ou linhas doutrem, a face do lado de lá é sempre igual à do lado de cá, ambas soam d'hora a hora e têm relógios tão descomandados que são verdadeiros apaixonados em fazer do cu-cu o desassossego de quem lhes dá corda, lê ou escreve a pauta que insiste na clave do cu-cu; cu-cu, sempre cu-cu.
Tenho de me modernizar e substituir o relógio a corda. Por um mais prático onde não rode o pulso e me aleije em entorses e não me obrigue nem a ler nem a escrever para saber que horas são: põe-se a pilha e pronto: cu-cu. Simplesmente cu-cu, sem requintes ou afinações: cu-cu porque é hora de cu-cu e não porque lhe apeteceu vir à janela enquanto eu sem dar pelas horas lia e relia e... cu-cu.
O personagem Venia Venitchka de V. Erofeev consegue correr Moscovo de lés a lés e de taberna em taberna sem nunca ver as muralhas do Kremlin. Almejo conseguir ler às horas sem cuidar das horas e sem rodar o pulso a cada uma, um impulso electrónico invisível e sem dores no peito ou no pulso ouvir o cu-cu recordar-me no fuso certo que são horas da paixão. À janela, pois à janela seja. Lá fora não há cucos que eu veja ou ouça, mas há Vida que espreito e invejo. Ardente, orquestra de sons onde os cu-cus não são monótonos. Sei, porque a leio.
A merda é que os meus ouvidos não conseguem parar de ler. Ler cu-cu em cada linha, em cada coração um relojoeiro meu irmão.
- abençoados relógios iletrados, silenciosos e sem janelas abertas incomodamente de hora a hora.
- abençoadas letras que nada dizem e nelas não se lê cu-cu e assim não me apaixono porque não as ouço.
e que seja também abençoado o meu novo relógio suíço com pilhas japonesas que não fará cu-cu, hei-de descobri-lo quando perceber que a felicidade passa pela infelicidade de não ouvir cu-cu ao ler cu-cu, das linhas serem só linhas e estas minhas não falarem de relógios mas do preço do barril de petróleo, quando apertar o pescoço ao cabrão do cuco que não se cala e persegue-me vida fora a gritar-me, a gritar-me e eu a ouvi-lo que está na Hora e as horas estão certas, os ponteiros alinhados, cu-cu, cu-cu, neste vício de rodar o pulso para dar-lhe corda por medo de perder a hora que há-de vir e
Como é que lhe dei corda, que quando foi fabricado ainda os suíços não usavam pilhas para dizer cu-cu, altivo alpino tic-tac de corda à mão que soava com a regularidade das paixões de hora em hora à idade quando a paixão lhe batia, então abria a janela e fazia cu-cu? hoje soa solto, cu-cu descomandado sem previsibilidade nem horário. Apenas cu-cu, instalou-se à janela e é um constante cu-cu.
Uma frase relida e um coração olhado. TMG ou GMT, já não sei em que fuso estou, em que hora estou pois o cu-cu soa, troa-me, baralha-me os ritmos e perco as rotinas, adianto-me uma hora e no mesmo segundo duvido se não estou errado e não estarei é uma hora atrasado. Sei que ele continua a bater, a bater, e a corda que lhe dei foi em rodar de pulso, linhas minhas ou linhas doutrem, a face do lado de lá é sempre igual à do lado de cá, ambas soam d'hora a hora e têm relógios tão descomandados que são verdadeiros apaixonados em fazer do cu-cu o desassossego de quem lhes dá corda, lê ou escreve a pauta que insiste na clave do cu-cu; cu-cu, sempre cu-cu.
Tenho de me modernizar e substituir o relógio a corda. Por um mais prático onde não rode o pulso e me aleije em entorses e não me obrigue nem a ler nem a escrever para saber que horas são: põe-se a pilha e pronto: cu-cu. Simplesmente cu-cu, sem requintes ou afinações: cu-cu porque é hora de cu-cu e não porque lhe apeteceu vir à janela enquanto eu sem dar pelas horas lia e relia e... cu-cu.
O personagem Venia Venitchka de V. Erofeev consegue correr Moscovo de lés a lés e de taberna em taberna sem nunca ver as muralhas do Kremlin. Almejo conseguir ler às horas sem cuidar das horas e sem rodar o pulso a cada uma, um impulso electrónico invisível e sem dores no peito ou no pulso ouvir o cu-cu recordar-me no fuso certo que são horas da paixão. À janela, pois à janela seja. Lá fora não há cucos que eu veja ou ouça, mas há Vida que espreito e invejo. Ardente, orquestra de sons onde os cu-cus não são monótonos. Sei, porque a leio.
A merda é que os meus ouvidos não conseguem parar de ler. Ler cu-cu em cada linha, em cada coração um relojoeiro meu irmão.
- abençoados relógios iletrados, silenciosos e sem janelas abertas incomodamente de hora a hora.
- abençoadas letras que nada dizem e nelas não se lê cu-cu e assim não me apaixono porque não as ouço.
e que seja também abençoado o meu novo relógio suíço com pilhas japonesas que não fará cu-cu, hei-de descobri-lo quando perceber que a felicidade passa pela infelicidade de não ouvir cu-cu ao ler cu-cu, das linhas serem só linhas e estas minhas não falarem de relógios mas do preço do barril de petróleo, quando apertar o pescoço ao cabrão do cuco que não se cala e persegue-me vida fora a gritar-me, a gritar-me e eu a ouvi-lo que está na Hora e as horas estão certas, os ponteiros alinhados, cu-cu, cu-cu, neste vício de rodar o pulso para dar-lhe corda por medo de perder a hora que há-de vir e
cu-cu.
(Imagens daqui e daqui. vénias, em british.)
PS: também aqui e aqui.
2 comentários:
As paixões e as horas, que passam, que com angústias tais se querem eternizar, a paixão e a hora que passou, aquela que se espera e já não é...lembramos as horas que passaram, as badaladas no pulsar dos nossos corações.
O tempo não pára de passar e no tic-tac que há-de vir uma outra emoção soará...
isso. e cheguei à conclusão de que não preciso de relógio para nada. basta guiar-me pelo Sol diário e não pela Noite escassa.
bjs
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