REFLEXO
O primeiro aspecto a apontar num auto-retrato com o meu nome é o seguinte: nada do que eu possa tentar escrever corresponde inteiramente à verdade. Pela simples razão de que eu ainda não sei quem sou. Consideremos então estas palavras como um reflexo de mim mesma (por mais horrenda que essa ideia possa parecer) mas num espelho que distorce ligeiramente a imagem. Uma fuga à realidade, por assim dizer. Não só pela razão referida, mas também porque a ideia de expor a minha própria análise não me agrada particularmente, eu que sou tão ligada a esse tesouro que é a intimidade do nosso pensamento.
E aqui está a minha primeira característica. Não sei se por receio, vergonha, ou educação em demasia, mas não sou de fazer coisas estapafúrdias nem de falar pelos cotovelos: com excepção de um grupo algo restrito de amigos e familiares, com quem tais acontecimentos, estranhamente, tendem a ser habituais. Chamam-me reservada e tímida aqueles que ainda não fazem parte desse grupo, ou que nunca virão a pertencer. E chamam-me alienada e esquisita os que sempre lá estiveram, e sempre estarão. Sou bastante sociável, mas poucos me conquistaram a ponto de merecerem invadir o que de mais precioso tenho: a minha mente.
Um grande defeito meu é a insegurança. Custa-me muito tomar decisões e penso que é a responsabilidade que me assusta. Dou comigo demasiado preocupada com o futuro e quase que me esqueço de viver o presente, estando sempre um momento adiantada. Sei defender convicções e tenho ideais, mas não vou negar que custou chegar até eles. Escolher não é fácil.
Tenho o dom de saber exactamente como irritar alguém, talento esse que uso para meu divertimento, e, confesso, por capricho. Além de tudo isto, as minhas mãos são feitas de manteiga (provocando-me alguns inconvenientes, e, por vezes, gargalhadas nos espectadores) e os meus pés teimam em chocar com cada peça de mobiliário que encontram e escorregar em qualquer tipo de piso. Como se tudo isto não bastasse, as segundas-feiras servem de pretexto para libertar toda a preguiça que acumulo (que, convenhamos, não é pouca) durante a semana e cuja expressão me é negada.
Vivo constantemente no mundo da Lua. Quer no bom, quer no mau sentido. Permite-me viver grandes aventuras, mas também já me valeu umas quantas desilusões.
A escrita, seja ela de prosa ou poesia, o cheiro da tinta que veste o papel nu, esse sim, um dos meus grandes mundos de fantasia, onde me basta um pequeno movimento para que tudo o que eu quero aconteça. Seja o meu desejo o acariciar uma face, o nascimento de uma planta ou a colisão de duas estrelas, tudo isso me custará não mais que um pequeno conjunto de palavras. É ainda desconhecida magia mais poderosa. O desenho, que achei dentro de mim à medida que me ia conhecendo, tornou-se, também ele, uma parte central da minha vida. Deslumbra-me a capacidade de criar ideias e de desafiá-las num só traço. De fazer transparecer emoções de forma brutal mas indirecta. Agrada-me a complexidade da sua interpretação e das suas infinitas possibilidades. A música, toda ela, uma das mais belas artes, a única que une os homens entre si. Sentir os meus dedos contra as teclas lisas e suaves dum piano dá-me paz interior e ajuda-me a escapar à correria diária, tornando-me alheia ao mundo, deixando-me sozinha com as notas, em intimidade. O teatro, claro, paixão de sempre e para sempre, sem ser preciso acrescentar mais nada – apenas que a minha relação com esta Arte está para além das palavras. A fotografia, uma nova e deliciosa descoberta; e, por último, o cinema, essa forma maravilhosa de viver num oásis durante um par de horas e voltar a repeti-las sempre que quisermos. Enfim, a arte, em geral, é o meio que eu uso para não só sobreviver a este mundo, mas também viver no mundo da imaginação, dos sonhos, do impossível.
A minha vida é feita de paixões. Do enfeitiçar dum sorriso, da troca de um olhar. Posso não saber grande coisa da vida, do que me espera, mas sinto-me bem com isso. Intrigada, pois a minha curiosidade não dorme, mas confortável.
Em suma, este foi um verdadeiro manual de instruções onde também as entrelinhas contam e que me deveria ter acompanhado à nascença. Um auto-retrato de alguém que vê embaciado quando se olha ao espelho e que ainda não sabe quem é. Porque ainda tenho muito para ver, viver e sentir. E porque a vida é feita de mudança. Para melhor, espero.
O primeiro aspecto a apontar num auto-retrato com o meu nome é o seguinte: nada do que eu possa tentar escrever corresponde inteiramente à verdade. Pela simples razão de que eu ainda não sei quem sou. Consideremos então estas palavras como um reflexo de mim mesma (por mais horrenda que essa ideia possa parecer) mas num espelho que distorce ligeiramente a imagem. Uma fuga à realidade, por assim dizer. Não só pela razão referida, mas também porque a ideia de expor a minha própria análise não me agrada particularmente, eu que sou tão ligada a esse tesouro que é a intimidade do nosso pensamento.
E aqui está a minha primeira característica. Não sei se por receio, vergonha, ou educação em demasia, mas não sou de fazer coisas estapafúrdias nem de falar pelos cotovelos: com excepção de um grupo algo restrito de amigos e familiares, com quem tais acontecimentos, estranhamente, tendem a ser habituais. Chamam-me reservada e tímida aqueles que ainda não fazem parte desse grupo, ou que nunca virão a pertencer. E chamam-me alienada e esquisita os que sempre lá estiveram, e sempre estarão. Sou bastante sociável, mas poucos me conquistaram a ponto de merecerem invadir o que de mais precioso tenho: a minha mente.
Um grande defeito meu é a insegurança. Custa-me muito tomar decisões e penso que é a responsabilidade que me assusta. Dou comigo demasiado preocupada com o futuro e quase que me esqueço de viver o presente, estando sempre um momento adiantada. Sei defender convicções e tenho ideais, mas não vou negar que custou chegar até eles. Escolher não é fácil.
Tenho o dom de saber exactamente como irritar alguém, talento esse que uso para meu divertimento, e, confesso, por capricho. Além de tudo isto, as minhas mãos são feitas de manteiga (provocando-me alguns inconvenientes, e, por vezes, gargalhadas nos espectadores) e os meus pés teimam em chocar com cada peça de mobiliário que encontram e escorregar em qualquer tipo de piso. Como se tudo isto não bastasse, as segundas-feiras servem de pretexto para libertar toda a preguiça que acumulo (que, convenhamos, não é pouca) durante a semana e cuja expressão me é negada.
Vivo constantemente no mundo da Lua. Quer no bom, quer no mau sentido. Permite-me viver grandes aventuras, mas também já me valeu umas quantas desilusões.
A escrita, seja ela de prosa ou poesia, o cheiro da tinta que veste o papel nu, esse sim, um dos meus grandes mundos de fantasia, onde me basta um pequeno movimento para que tudo o que eu quero aconteça. Seja o meu desejo o acariciar uma face, o nascimento de uma planta ou a colisão de duas estrelas, tudo isso me custará não mais que um pequeno conjunto de palavras. É ainda desconhecida magia mais poderosa. O desenho, que achei dentro de mim à medida que me ia conhecendo, tornou-se, também ele, uma parte central da minha vida. Deslumbra-me a capacidade de criar ideias e de desafiá-las num só traço. De fazer transparecer emoções de forma brutal mas indirecta. Agrada-me a complexidade da sua interpretação e das suas infinitas possibilidades. A música, toda ela, uma das mais belas artes, a única que une os homens entre si. Sentir os meus dedos contra as teclas lisas e suaves dum piano dá-me paz interior e ajuda-me a escapar à correria diária, tornando-me alheia ao mundo, deixando-me sozinha com as notas, em intimidade. O teatro, claro, paixão de sempre e para sempre, sem ser preciso acrescentar mais nada – apenas que a minha relação com esta Arte está para além das palavras. A fotografia, uma nova e deliciosa descoberta; e, por último, o cinema, essa forma maravilhosa de viver num oásis durante um par de horas e voltar a repeti-las sempre que quisermos. Enfim, a arte, em geral, é o meio que eu uso para não só sobreviver a este mundo, mas também viver no mundo da imaginação, dos sonhos, do impossível.
A minha vida é feita de paixões. Do enfeitiçar dum sorriso, da troca de um olhar. Posso não saber grande coisa da vida, do que me espera, mas sinto-me bem com isso. Intrigada, pois a minha curiosidade não dorme, mas confortável.
Em suma, este foi um verdadeiro manual de instruções onde também as entrelinhas contam e que me deveria ter acompanhado à nascença. Um auto-retrato de alguém que vê embaciado quando se olha ao espelho e que ainda não sabe quem é. Porque ainda tenho muito para ver, viver e sentir. E porque a vida é feita de mudança. Para melhor, espero.
Carla Barreiros, "Webita", 15 anos
.... mais que "babado" sou tri-orgulhoso: esta, a mais nova, desta forma; mas cada um, os dois mais velhos e cada um à sua maneira, todos me inundam de Orgulho.