Comecei a escrever apenas pelo prazer de escrever, sem norte ou ideia além da de esticar os dedos. Saiu assim, mistura de encontros clandestinos e gatos solitários, uma criança desaparecida que é encontrada, um olhar ao íntimo nas vésperas dum net encontro. A continuar se a ele voltar, dizem os pontinhos entre parênteses. Nas várias facetas merece final feliz, o gato e Maddy incluídos, eu também, mas não sei se há lenha que chegue para aquecer tanta felicidade.
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Sentada numa mesa de canto do bucólico ambiente do bar do hotel àquela hora, nos dedos nervosos rolava o cigarro enquanto se perdia em reflexões tardias pois, facto, comparecera ao encontro. Na coluna de fumo lia o passado, nas coxas sentia o formigueiro da excitação. Claro que era 'errado' e que não devia estar ali. Mal se conheciam e ele era casado. Olhou em volta mais uma vez, no receio de ser reconhecida. Quando entrara não tirara logo os óculos escuros, como pretendendo anonimar-se perante o mundo, provavelmente escondendo-se dela própria. Há quanto tempo o fazia... Depressa mudou de ideias e eles olhavam-na, pousados na mesa, baixa e com o tampo em vidro, madeira sólida e anónima, decoração standard tal como o toque que dera aos olhos e aos lábios quando fora à toilette após pedir o café, no resto na chávena que também a olhava emparceirada aos seus disfarces, os óculos de sol e o maço de tabaco, tentou descobrir borras que lhe adivinhassem o futuro, principalmente que lhe contassem das razões do passado que lhe davam aquele momento de embaraço e de excitação, um 'date' marcado para bar d'hotel, sexo envergonhado disfarçado em e-mails de ardores que lhe conduziram o rubor da aventura àquele momento e local, à névoa que nada lhe contava e às borras ausentes que explicassem os tantos porquês que dessem luz e lógica racional à decisão que tomara: estava ali, comparecera.
Ele telefonara-lhe do rush do trânsito dizendo-lhe do seu atraso, sussurrando-lhe amores mas na voz tilintado o medo por ela desistir a alego do atraso e a irritação pelo engarrafamento que o aprisionava por, já soara entre os irritados condutores que saíram das viaturas, impacientes, e as rádios davam eco constante da notícia do dia, provavelmente razão de atenção nacional e mundial mas evidente incómodo para todos os que sofriam pela interrupção do trânsito nas avenidas centrais da baixa da cidade, face à mega operação policial que decorria a poucos quilómetros dali: a pequena Maggie, a adorável criança inglesa que mobilizara o mundo e todos os corações na sua busca e desejos de ser encontrada 'sã e salva' fora localizada há menos duma hora num hard-rock café, na companhia dum casal de meia idade e pronúncia estrangeira que, confrontados com a suspeita e depois a ira popular, o pandemónio que se estabelecera e os gritos aflitos da menina, agarrada ao pescoço da 'mãe' gritava que queria sair já dali e ir à Disneylândia, tal como lhe prometera o pappy, emboscaram-se os três no primeiro andar quando, na confusão estabelecida - contara uma jornalista mais afoita e afogueada e que fora das primeiras a chegar ao local, não se sabe donde soou o tiro e quem o deu, após a debandada ninguém estava ferido e desconhecia-se se nos ora barricados havia sangues perdidos e a lamentar, quem sabe se uma vida em perigo e Deus haja que não seja a menina...
Afastou esses pensamentos com um gesto rápido e a coluna de fumo encontrou novos caminhos, mais largos qu'as estradas onde o seu desejo nascera, navegara a vela solta e, finalmente, em corrente irresistível a conduzira ao bar do hotel, ao encontro ora atrasado. Fora... buscava a palavra mas hesitava em arranjar sinónimo para o vulcão de emoções que nascera após se terem conhecido pela maior agência sentimental do mundo, a Internet. Não era uma habituée, utilizava-a profissionalmente e para correspondência privada, pouca que nos seus círculos de amizades poucos se tinham entregues a tal paixão - como agora aceitava que era, a suave droga provara-a e gostara do sabor, arregimentara-a para serões que se esticaram a madrugadas, olheiras e muitas, muitas emoções que há tanto estavam guardados no canto para reparações, e tudo nascera dum acaso, como sempre...
Ao princípio fora o verbo, como na lenda. Num mail trocado em razões de serviço, numa manhã em que vira luzes novas no céu da primavera nascente e encantara-se com os pormenores quotidianos àquela luz, enquanto fizer a viagem de autocarro entre a casa onde vivia há três anos, só com o seu gato, Methisfóles, o único animal masculino que tolerava à sua intimidade desde o divórcio, e as horas diárias de solidão compartilhada, lá na agência de viagens. Nessa manhã e sabe-se lá porquê, num mail qualquer que confirmava uma reserva de já não sabia o quê, acrescentou duas linhas que falavam da beleza das flores e das pessoas, do Sol, o céu, contou como o dia estava lindo e de como se sentia feliz. Fê-lo por impulso, arrependeu-se mas claro que já era tarde e o mail assim seguira para um destinatário que, antes do arroba, tinha um nome que lhe era completamente desconhecido. Fora como abrir uma represa, e hoje 'antdinis' bailava em letras de fogo na sua mente quando, mal chegava a casa, corria para o mais recente intruso, o computador, seu companheiro e confidente dos silêncios que albergava nas rotinas de serviços mínimos à existência, á verdadeira vida, aos arrepios e à pele-de-galinha, aos lábios secos e a língua húmida e suplicante, aos olhos que, ávidos, corriam à caixa de correio electrónico na busca de mais um mail, mais palavras de tentação, de incêndio mas igualmente de aplacação aos seu novo imaginário que, virtude do romance, lhe enchia agora as antes monotonias com sonhos e fantasias. A elegância no verbo conduziu-os a uma dança que apagou o mundo.
Depois do verbo houve a carne, e ela falou de forma rude, brutal, inesperada a quem nem a saudade lhe associava. Se dos meses antes do divórcio apenas tivera sexo uma vez com o ex, numa estúpida mas desculpabilizante última 'tentativa de reconciliação - quase que se podia considerar de praxe ao que ouvia a amigas que passaram a sinecura, no longo depois até agora afastara pretendentes, irritara-se com um colega mais insistente e dera-se em lingerie exclusivamente ao gato, e às vezes até menos qu'isso, no tempo do calor que bate a todas as noites sem saber de companhias ou seduções: de 'homens' considerava-se vacinada, abstémia, ouvia com indiferença referências pouco subtis das amigas, círculo que foi rareando por ela nunca aceitar convites de amigos que ela lhe traziam, acreditando-a em carências que, na verdade, não sentia. Até que...
Chegava a envergonhar-se, só em pensar em como a paixão explodira em actos que, antes, lhe eram inimagináveis. Guardava todos os mails trocados, imprimia os dele e lia-os na cama, nas noites mais agitadas buscava os mais sedutores e masturba-se, os pés enrodilhados nos músculos tensos, o frémito subindo e fazendo os dedos morderem os lençóis onde, àquele momento, caía a folha de letras em fogo, as palavras e a tentação, o suspiro de êxtase quando sentia o estremecer do conforto corporal, os músculos relaxavam e ficava quieta, olhos fechados, os lábios pronunciando a longa palavra incompleta do prazer. Methisfóles não aprovava, lia-o nos seus olhos que a fixavam interrogativos enquanto ela deslizava na ilusão. para ele a vida era fácil, sabia das gamelas de água e biscoitos, havia a longa preguiça que o levava dum canto à outro da casa, às janelas, ao enrodilhado no seu sofá preferido, ao desprezo que votara ao intruso após a primeira curiosidade e cheiros, o computador.
o telefone tocou: ele. Atendeu em gesto rápido, já impaciente com a demora, a sala, a televisão que não havia para saber novas da Maddy, o barmen que a olhava como lendo-lhe intenções, as entranhas do café que nada lhe diziam das razões. Sim. Sim. Estava a estacionar num parque próximo, em cinco minutos estaria lá: 'amor, só mais um momento por favor...'. E a menina? - não se conteve e perguntou. Que não, continuava o cerco, disse que ainda se dizia na rádio. Polícias especiais guardavam a zona e vigiavam o prédio do café, aguardava-se a chegada de altas autoridades e de psicólogos, especialistas em situações de raptos e de proto-suicidas. Nada mais sabia, mas logo logo estaria ali, estariam juntos. Quando desligou pensou na síndrome de Estocolomo, a famosa, e da mais incógnita e ainda sem nome que scapasse ao calão e que lhe subia pelo corpo e a fazia arfar, ligeiramente, a expectativa do encontro iminente que lhe deixava os lábios gretados de ansiedade. Passou os dedos pelo cabelo, em mais um último jeito. A mente resfolegava, recusava-se a pensar, a triturar os factos. Assumia só com débeis protestos que o corpo mandava e tinha as rédeas da situação. A carne estalava de desejo, eis e apenas, p'ra quê complicar... Refugiou-se nesta abstracção e acabou por decidir pôr os óculos, que ocultassem os seus olhos que não largavam a porta e não contassem do fogo que neles ardia, não revelassem da noite mal dormida e das voltas na cama, mais longa e só que nunca antes, já de tempos imemoriais...
Ele telefonara-lhe do rush do trânsito dizendo-lhe do seu atraso, sussurrando-lhe amores mas na voz tilintado o medo por ela desistir a alego do atraso e a irritação pelo engarrafamento que o aprisionava por, já soara entre os irritados condutores que saíram das viaturas, impacientes, e as rádios davam eco constante da notícia do dia, provavelmente razão de atenção nacional e mundial mas evidente incómodo para todos os que sofriam pela interrupção do trânsito nas avenidas centrais da baixa da cidade, face à mega operação policial que decorria a poucos quilómetros dali: a pequena Maggie, a adorável criança inglesa que mobilizara o mundo e todos os corações na sua busca e desejos de ser encontrada 'sã e salva' fora localizada há menos duma hora num hard-rock café, na companhia dum casal de meia idade e pronúncia estrangeira que, confrontados com a suspeita e depois a ira popular, o pandemónio que se estabelecera e os gritos aflitos da menina, agarrada ao pescoço da 'mãe' gritava que queria sair já dali e ir à Disneylândia, tal como lhe prometera o pappy, emboscaram-se os três no primeiro andar quando, na confusão estabelecida - contara uma jornalista mais afoita e afogueada e que fora das primeiras a chegar ao local, não se sabe donde soou o tiro e quem o deu, após a debandada ninguém estava ferido e desconhecia-se se nos ora barricados havia sangues perdidos e a lamentar, quem sabe se uma vida em perigo e Deus haja que não seja a menina...
Afastou esses pensamentos com um gesto rápido e a coluna de fumo encontrou novos caminhos, mais largos qu'as estradas onde o seu desejo nascera, navegara a vela solta e, finalmente, em corrente irresistível a conduzira ao bar do hotel, ao encontro ora atrasado. Fora... buscava a palavra mas hesitava em arranjar sinónimo para o vulcão de emoções que nascera após se terem conhecido pela maior agência sentimental do mundo, a Internet. Não era uma habituée, utilizava-a profissionalmente e para correspondência privada, pouca que nos seus círculos de amizades poucos se tinham entregues a tal paixão - como agora aceitava que era, a suave droga provara-a e gostara do sabor, arregimentara-a para serões que se esticaram a madrugadas, olheiras e muitas, muitas emoções que há tanto estavam guardados no canto para reparações, e tudo nascera dum acaso, como sempre...
Ao princípio fora o verbo, como na lenda. Num mail trocado em razões de serviço, numa manhã em que vira luzes novas no céu da primavera nascente e encantara-se com os pormenores quotidianos àquela luz, enquanto fizer a viagem de autocarro entre a casa onde vivia há três anos, só com o seu gato, Methisfóles, o único animal masculino que tolerava à sua intimidade desde o divórcio, e as horas diárias de solidão compartilhada, lá na agência de viagens. Nessa manhã e sabe-se lá porquê, num mail qualquer que confirmava uma reserva de já não sabia o quê, acrescentou duas linhas que falavam da beleza das flores e das pessoas, do Sol, o céu, contou como o dia estava lindo e de como se sentia feliz. Fê-lo por impulso, arrependeu-se mas claro que já era tarde e o mail assim seguira para um destinatário que, antes do arroba, tinha um nome que lhe era completamente desconhecido. Fora como abrir uma represa, e hoje 'antdinis' bailava em letras de fogo na sua mente quando, mal chegava a casa, corria para o mais recente intruso, o computador, seu companheiro e confidente dos silêncios que albergava nas rotinas de serviços mínimos à existência, á verdadeira vida, aos arrepios e à pele-de-galinha, aos lábios secos e a língua húmida e suplicante, aos olhos que, ávidos, corriam à caixa de correio electrónico na busca de mais um mail, mais palavras de tentação, de incêndio mas igualmente de aplacação aos seu novo imaginário que, virtude do romance, lhe enchia agora as antes monotonias com sonhos e fantasias. A elegância no verbo conduziu-os a uma dança que apagou o mundo.
Depois do verbo houve a carne, e ela falou de forma rude, brutal, inesperada a quem nem a saudade lhe associava. Se dos meses antes do divórcio apenas tivera sexo uma vez com o ex, numa estúpida mas desculpabilizante última 'tentativa de reconciliação - quase que se podia considerar de praxe ao que ouvia a amigas que passaram a sinecura, no longo depois até agora afastara pretendentes, irritara-se com um colega mais insistente e dera-se em lingerie exclusivamente ao gato, e às vezes até menos qu'isso, no tempo do calor que bate a todas as noites sem saber de companhias ou seduções: de 'homens' considerava-se vacinada, abstémia, ouvia com indiferença referências pouco subtis das amigas, círculo que foi rareando por ela nunca aceitar convites de amigos que ela lhe traziam, acreditando-a em carências que, na verdade, não sentia. Até que...
Chegava a envergonhar-se, só em pensar em como a paixão explodira em actos que, antes, lhe eram inimagináveis. Guardava todos os mails trocados, imprimia os dele e lia-os na cama, nas noites mais agitadas buscava os mais sedutores e masturba-se, os pés enrodilhados nos músculos tensos, o frémito subindo e fazendo os dedos morderem os lençóis onde, àquele momento, caía a folha de letras em fogo, as palavras e a tentação, o suspiro de êxtase quando sentia o estremecer do conforto corporal, os músculos relaxavam e ficava quieta, olhos fechados, os lábios pronunciando a longa palavra incompleta do prazer. Methisfóles não aprovava, lia-o nos seus olhos que a fixavam interrogativos enquanto ela deslizava na ilusão. para ele a vida era fácil, sabia das gamelas de água e biscoitos, havia a longa preguiça que o levava dum canto à outro da casa, às janelas, ao enrodilhado no seu sofá preferido, ao desprezo que votara ao intruso após a primeira curiosidade e cheiros, o computador.
o telefone tocou: ele. Atendeu em gesto rápido, já impaciente com a demora, a sala, a televisão que não havia para saber novas da Maddy, o barmen que a olhava como lendo-lhe intenções, as entranhas do café que nada lhe diziam das razões. Sim. Sim. Estava a estacionar num parque próximo, em cinco minutos estaria lá: 'amor, só mais um momento por favor...'. E a menina? - não se conteve e perguntou. Que não, continuava o cerco, disse que ainda se dizia na rádio. Polícias especiais guardavam a zona e vigiavam o prédio do café, aguardava-se a chegada de altas autoridades e de psicólogos, especialistas em situações de raptos e de proto-suicidas. Nada mais sabia, mas logo logo estaria ali, estariam juntos. Quando desligou pensou na síndrome de Estocolomo, a famosa, e da mais incógnita e ainda sem nome que scapasse ao calão e que lhe subia pelo corpo e a fazia arfar, ligeiramente, a expectativa do encontro iminente que lhe deixava os lábios gretados de ansiedade. Passou os dedos pelo cabelo, em mais um último jeito. A mente resfolegava, recusava-se a pensar, a triturar os factos. Assumia só com débeis protestos que o corpo mandava e tinha as rédeas da situação. A carne estalava de desejo, eis e apenas, p'ra quê complicar... Refugiou-se nesta abstracção e acabou por decidir pôr os óculos, que ocultassem os seus olhos que não largavam a porta e não contassem do fogo que neles ardia, não revelassem da noite mal dormida e das voltas na cama, mais longa e só que nunca antes, já de tempos imemoriais...
Eis que
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