quinta-feira, 22 de julho de 2010

pequena defesa da virtualidade

Nem sempre se comenta quando se deseja, e até quando se devia. Gosto de ver uma colocação audiovisual acompanhada dum pequeno comentário, uma reflexão acerca do conteúdo ou mesmo do motus, o 'alor' que levou o amigo a trazê-la até cá, e partilhá-la.

São mais as vezes que não cumpro o gosto. Talvez no receio de não saber exprimi-lo, talvez por em ninharias ir buscar uma então espúria reserva de intimidade, quando, a pretexto de tantos nadas sou um incontinente. Com outros acontece o contrário.

É igual à vida real, deixem-se de tretas os detractores do virtual. Até mais aberto, menos hipócrita.


(Nota original no meu Facebook)

os nossos Viagras

Gosto muito dos livros de David Lodge. O tal humor britânico. Isto a propósito do spam que ataca com promoções de Viagra pela porta do cavalo - a net. Lembrou-me um romance dele (talvez o seu último cá traduzido?), "A vida em surdina" (ASA), cujo personagem, um professor universitário já entradito e com os problemas chatos dos entraditos, mais que mouco (daí o título), acompanha com curiosidade a evolução dos preços das pílulas azuis pelos mails promocionais que recebe. Diga-se ainda que até à última página não há notícia de qualquer encomenda: o seu "viagra" conjugal passou pelo encantamento dos fétiches, modalidade vestuário excêntrico e palmadinhas nas nádegas.

Hoje e até esta hora já apaguei dois. Fim da comparação.

um euro e 5 cêntimos de prazer

O café na pastelaria do bairro e um guardanapo cheio de gomas, das amoras, vermelhas e negras lembrando um romance romântico (as únicas que merecem o dispêndio), um cigarro chupado com a volúpia do pós café, e sento-me no banco da esquina, o "meu" banco, o embrulhinho das amoras poisado ao lado e na mão mais umas páginas dum excelente Bolaño, ano de 1998.

Não é caro trazer prazeres à vida. Mesmo assim deve-se gastar tudo em mansinho, até o cigarro se chupa devagar após aquele primeiro. A calma de fruir é um prazer que não se devora como se se fosse um miserável esfomeado e desesperado, para eles, os prazeres, não se assustarem e fugirem ficando o vazio e quiçá algumas gomas, essas sim, céleres rumo à míngua, que a gula é poderosa e dizem que nos ameniza. Outro risco é poder sentar-se a tristeza, essa má visita e velha conhecida de todos os bancos de todas as esquinas dos mundos.

Já há um bocado que fechei o livro mas continuo a ler. Na copa das árvores em frente, no céu que esta tarde está animador nas linhas que se lêm nas nuvens, em mim. Eu adoro ler mas é quando as gomas acabam que sinto uma pontada de medo da solidão.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

a minha rua



A minha rua não se escreve. Tem flores e árvores, carros estacionados em espinha, um banco que é meu e só meu (e ralho quando as velhas dele fazem sala nestes serões), tem pássaros que me acordam dizendo-me que a aurora espreita, tem o silêncio do lá vai um e a gritaria dos putos que jogam à bola no quintal da escola, asneirentos nas exclamações que, devem acreditá-lo, os farão mais crescidos e sedutores às gaiatas que lhes rondam os esforços daqueles e tantos outros golos lindos das suas juvenis ambições. Por vezes sinto que aqui se vivem todos os mistérios do mundo, que na minha rua reside um micro cosmos da sociedade e da natureza, e até acho que de mim. Por isso a minha rua não se escreve, olha-se como se lê uma reportagem, olha-se como uma fotografia de ambições e de fiascos, nem avenida nem beco, nem atalho que por lá ninguém ganha tempo ou distância para chegar a lado nenhum, tem um jardim com uma biblioteca e um lago, uma pastelaria quase na esquina, lá fecho o meu olhar nas leituras e nas folhas das árvores, adoço passos e engelho o ser-se, mas se vou à bica guardo o pacote de açúcar pois, essa, é boa é amarga, café natural como o mundo e forte como são as emoções, o sabor bailando-me na língua quando me acolho ao meu banco e cavaqueio-me olhando as árvores e o eu que reside em mundos além duma rua, penso nos pássaros e em jardins, em tudo que se sente e talvez nunca se escreva.

É a minha rua. Diz-me tu, olho atento, se as suas flores não são lindas, se não acreditas que se te sentasses no meu banco ouvirias os pássaros e travarias as conservas mais suaves, aquelas que não cabem numa rua que não é avenida mas também não é viela, é uma rua que quase não leva a lado nenhum embora na sua ponta se saiba duma biblioteca cravada em fundas fundações no centro dum jardim, cuidado e de relva aparada, um lago de águas paradas que não é espelho e não tem cisnes e mesmo assim é um laguinho bonito, e eu conto-te que se me sento fujo e galgo todas as esquinas dos mapas que não conheço mas sei-os porque se não os vi os pássaros cantam-nos e contam-mos, assim vivo tudo o que penso quando as velham fogem e me sento no banco das conversas que nunca se escrevem, é a minha rua e isto é tanto silêncio que afinal é bom viver aqui, não se explica mais e é simplesmente assim.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

nós e laços

estou aborrecido. chateado. em concreto sei com quê mas há igualmente a noção (o medo?) desse facto, afinal niquito em pormenores isolados, que, juntos, fazem só montinho do que não se gosta (e a perfeição não existe além do casulo da ficção!), ser insuficiente para este estado de ânimo.

síndrome de fins-de-semana, ou a consciência de, sendo-se naturalmente confuso, deixar-se displicentemente alastrar o derrame além de barreiras precavidas, previdentes, que não sei fixar, manusear, domar, profilacticamente estabelecer e tratar com antibióticos com bulas de bom-senso?

pela extensão em que cuidei a segunda alternativa sinto e vê-se que quer o meu pensamento descai para a resposta que julga correcta, como, espelho, aparo novamente a barba reflectindo que alva não é automaticamente sinónimo de sensatez.

afinal sê-lo é tomar em conta as miríades de interpretações com que o Outro pinta e o pensamento que lhe é alheio, ao seu gosto ou às suas dores, armários privados que se abrem sem que a minha intenção ao passar fosse agitar ventos e fazê-lo.

paciência, mais três carreiras que se me declaram vedadas: a diplomática, a política, e a de alfaiate do dizer.

pour l'ensemble

Henry James e George Du Maurier foram amigos íntimos - se é que HJ alguma vez se permitiu que uma amizade atingisse a intimidade terá sido com ele. conterrâneos, artistas - James romancista, dramaturgo e crítico literário, expoente da época vitoriana na literatura; Du Maurier pintor mediano mas ilustrador de méritos reconhecidos - amigos tão unidos como o conservadorismo de HJ permitia, não vendo em Du Maurier um rival nas letras, conheceram em vida destinos diferentes às suas obras, que deixam de correr em paralelo e sem choques competitivos a partir do momento que Du Maurier, quase cego e desenhando com dificuldades casa vez maiores, resolve, quase que como entretém, escrever (ditando-o à mulher) um romance: Tribly, considerado o primeiro "best seller" da literatura.

toda a obra de Henry James, romances, novelas ou peças de teatro, no seu total não terão atingido dez por cento das vendas daquela peça única (houve um 2º, mas tão fraquinho que não se leva em conta) de Du Maurier, cálculos por baixo vendendo 250.000 exemplares entre a Grã-Bretanha e os Estados Unidos. teve várias adaptações ao teatro, que West End e Broadway, não existindo uma Hollywood além dum buraco às portas do deserto de Nevada, eram então o Totoloto dos escritores, e fizeram de Du Maurier um homem rico. James, caso não tivesse fortuna pessoal nunca conseguiria com os proventos da literatura suportar a displicente vida de "english gentleman" que gozou em Londres após ter-se lá radicado e, até, obtido a nacionalidade britânica (era norte-americano por nascimento.)

se pegarmos num manual competente de história da literatura Henry James tem lá lugar próprio e indiscutível. Du Maurier não está lá, duvido mesmo que apareça no espaço de rodapé. isto a propósito de tudo. e sim, também li "O Código da Vinci" e diverti-me. mas quando peguei no livro seguinte esqueci-o, e desse lembro-me embora do best seller só recorde que era giro mas faltava-lhe uma jovem e gaiata modelo a posar nua, pour l'ensemble, como em Tribly.

Jeanne Duval

só esmiuçando a vida privada duma figura pública se encontram as "Jeanne Duval" da História. esta, a própria, foi a companheira de Charles Baudelaire durante anos, partilhou bebedeiras e ressacas e, escrevem as maliciosamente documentadas línguas dos historiadores, além de prostituta deu-lhe matéria física q.b. para o inspirar a escrever "As Flores do Mal", ou "Paraísos Artificiais", com a chamada razão de ciência.

cem anos após a sua morte, mais coisa menos coisa, o grande poeta maldito foi 'finalmente' admitido na Academia Francesa e deixou de estar proscrito nos livros escolares. sobre a boa da Jeanne é difícil encontrar um pé de página que a refira.

eu, sei lá porquê, nos últimos tempos cravou-se-me no pensamento e o nome baila-me com insistência. ainda tenho de organizar isto para tentar perceber este fascínio específico (o lado obscuro das grandes obras? sei lá...), relativo a uma referência de que tomei conhecimento há umas duas décadas! o que me estará a querer dizer o subconsciente?

quinta-feira, 1 de julho de 2010

da crítica

por muito que se diga que já se tem calo, aquela resistência que imuniza, na verdade quem escreve como eu, amadorísticamente e divulgando os textos em ambientes virtuais (blogues, redes sociais), mais propícios a um formato de tipo telegrama engordado (então o Facebook, que chega a ser insultuoso ao quase nada permitir no mural!...), sente tanto o ferro da crítica como um consagrado que se sente atropelado por um Hummer quando uma revista literária arrasa uma das suas obras. com vontade de matar ou de fugir. de escrever é que não. pelo menos de mostrar o que escreve.

não considero a minha escrita hiperbólica: já lá vai o tempo em que abusava das lantejoulas e em cada ajuntamento de cinco linhas fazia uma festa de adjectivos. hoje, tal como desde sempre me preocupo em desvirgular o máximo para permitir fluidez, igualmente cato o supérfluo e o redundante e expulso-os do meu texto: isto não é, felizmente, a feira de Sevilha contada por escrito e assemelhar-se-á mais, desejo-o, pugno por isso, à descrição não enfática mas também não indiferente duma festa popular. lamento se a metáfora não é explícita q.b., mas mais que isto seria explicar tim tim por tim tim, e sempre acreditei que o leitor é um ser inteligente, que se irrita se o autor o chamar de estúpido, explicando-lhe as figuras de estilo e demais parafernália da caneta uma por uma, e com cábulas. não: além de negativa a uma postura que não se me veste, esta palavra é igualmente anagrama de não aceitar o óbvio como opção.

deliberadamente uso nos meus textos - face ao seu género preponderante, memoriais - uma escrita 'light', que pretendo bem humorada e de leitura fácil, e igualmente porque entendo que semântica não é sinónimo de eruditismo a quilo, citações para aqui e para acolá, palavras de cinco euros por dá cá aquela palha: para mim isso não é muita cultura mas sim cagança dela - havendo-a, que muitas vezes, se espremidas, tão doutas palavras querem dizer nada. e normalmente é é sinal de ausência dela. mesmo assim ouço, e registo, que a minha escrita tem travo adolescente em demasia. fosse eu Almada e respondia aos Dantas, mas como sou apenas Gil e sou louco, digo que mais vale escrever um pouco e em modo suave das mais algumas coisas que sei, que escrever muito e encomasticamente do pouco que se sabe. sem sisudez. sem berros de desatinado ou poses de cátedras. como gosto, tudo em minúsculas.

neste rol de queixinhas falta mencionar a acusação de repetitivo. essa aceito-a. como não? é tão dolorosamente simples de explicar... eu apaixono-me pelo que faço. encanto-me com um tema e as palavrinhas para contá-lo, com a mesma facilidade com que uns olhos diabolicamente verdes se me cravam na alma e espalham metásteses de loucura por tudo que toco e olho, minguando então dramaticamente o vocabulário para falar a essa paixão. e dela - eis o texto em cima da mesa, 'motus' deste momento e lençol. quando pego num romance a sua espessura provoca-me reacções físicas na face mas nelas nunca há um arquear de preocupação nas sobrancelhas, que é mais o salivar ansioso e as covinhas filhas do sorriso advindo pelo prazer antecipado: assusta-me mais uma folha mal escrita e pior pensada que um calhamaço cheio de boa prosa e rico em pensamentos. aliás, este não me assusta e põe-me sim a ronronar de satisfação. penso que quando escrevo passo por uma situação gémea à de quando leitor: se o que estou a alinhavar me está a dar prazer é (em mim) natural que o crochet cresça, e nasça um lençol em vez dum naperon.

isto no que alude às críticas destrutivas. há as outras, e quem me dera que dessas mais viessem.

mesmo assim não deixo de me sentir afectado quando sei - directa ou indirectamente, que há sempre alguém que ouviu de alguém - duma crítica má sem ser pelas boas razões. mesmo aquelas a que não devia ligar pêva por, pelo dito classificatório e a forma como é expressado, logo se ver que quem as debita não é meu leitor. não encontra em mim o que lhe agrada, a que está habituado. certamente como leitores dos outros (inclusivamente a imprensa) dirigimo-nos a lugares distintos da estante. sou light demais para as suas necessidades de erudição, e nunca serei um autor dos seus santinhos. mesmo assim a minha indiferença ateísta não me protege e sinto-me, corta-se-me a pica de editar e publicar, e reduzo-me ao género telegrama, ora compungido ora colérico, que tão curtas são as folhas e ameaçam-se mortalhas da minha arte: escrever, e não exactamente bilhetinhos de amor com florinhas e corações ou dez linhas envenenadas de bota-abaixismo ao "eles" que no momento esteja mais propício, coitado. reconheço que gosto de passear pelas palavras mas não aceito que um passeio não deva ser suficientemente lento para se poder aproveitá-lo e ver mais algo na paisagem que uma stressante corrida pode mostrar: há vida além do relógio e muitas letras juntas não são sinónimo de enfadonho, terror. essa fobia não é um problema meu, e só a efectiva leitura pode ajuizar - nunca o 'tamanho'.

como leram, assim a 'repetição' é tão inevitável como quando se fala de sexo. tal como algum hiperbolismo. parabéns aos heróis que chegaram aqui, e sem saltitar parágrafos, assassinando o escrito e privando-o da intelegibilidade mínima para sobre ele se formular um juízo intelectualmente fundamentado, coerente e honesto.