por muito que se diga que já se tem calo, aquela resistência que imuniza, na verdade quem escreve como eu, amadorísticamente e divulgando os textos em ambientes virtuais (blogues, redes sociais), mais propícios a um formato de tipo telegrama engordado (então o Facebook, que chega a ser insultuoso ao quase nada permitir no mural!...), sente tanto o ferro da crítica como um consagrado que se sente atropelado por um Hummer quando uma revista literária arrasa uma das suas obras. com vontade de matar ou de fugir. de escrever é que não. pelo menos de mostrar o que escreve.
não considero a minha escrita hiperbólica: já lá vai o tempo em que abusava das lantejoulas e em cada ajuntamento de cinco linhas fazia uma festa de adjectivos. hoje, tal como desde sempre me preocupo em desvirgular o máximo para permitir fluidez, igualmente cato o supérfluo e o redundante e expulso-os do meu texto: isto não é, felizmente, a feira de Sevilha contada por escrito e assemelhar-se-á mais, desejo-o, pugno por isso, à descrição não enfática mas também não indiferente duma festa popular. lamento se a metáfora não é explícita q.b., mas mais que isto seria explicar tim tim por tim tim, e sempre acreditei que o leitor é um ser inteligente, que se irrita se o autor o chamar de estúpido, explicando-lhe as figuras de estilo e demais parafernália da caneta uma por uma, e com cábulas. não: além de negativa a uma postura que não se me veste, esta palavra é igualmente anagrama de não aceitar o óbvio como opção.
deliberadamente uso nos meus textos - face ao seu género preponderante, memoriais - uma escrita 'light', que pretendo bem humorada e de leitura fácil, e igualmente porque entendo que semântica não é sinónimo de eruditismo a quilo, citações para aqui e para acolá, palavras de cinco euros por dá cá aquela palha: para mim isso não é muita cultura mas sim cagança dela - havendo-a, que muitas vezes, se espremidas, tão doutas palavras querem dizer nada. e normalmente é é sinal de ausência dela. mesmo assim ouço, e registo, que a minha escrita tem travo adolescente em demasia. fosse eu Almada e respondia aos Dantas, mas como sou apenas Gil e sou louco, digo que mais vale escrever um pouco e em modo suave das mais algumas coisas que sei, que escrever muito e encomasticamente do pouco que se sabe. sem sisudez. sem berros de desatinado ou poses de cátedras. como gosto, tudo em minúsculas.
neste rol de queixinhas falta mencionar a acusação de repetitivo. essa aceito-a. como não? é tão dolorosamente simples de explicar... eu apaixono-me pelo que faço. encanto-me com um tema e as palavrinhas para contá-lo, com a mesma facilidade com que uns olhos diabolicamente verdes se me cravam na alma e espalham metásteses de loucura por tudo que toco e olho, minguando então dramaticamente o vocabulário para falar a essa paixão. e dela - eis o texto em cima da mesa, 'motus' deste momento e lençol. quando pego num romance a sua espessura provoca-me reacções físicas na face mas nelas nunca há um arquear de preocupação nas sobrancelhas, que é mais o salivar ansioso e as covinhas filhas do sorriso advindo pelo prazer antecipado: assusta-me mais uma folha mal escrita e pior pensada que um calhamaço cheio de boa prosa e rico em pensamentos. aliás, este não me assusta e põe-me sim a ronronar de satisfação. penso que quando escrevo passo por uma situação gémea à de quando leitor: se o que estou a alinhavar me está a dar prazer é (em mim) natural que o crochet cresça, e nasça um lençol em vez dum naperon.
isto no que alude às críticas destrutivas. há as outras, e quem me dera que dessas mais viessem.
mesmo assim não deixo de me sentir afectado quando sei - directa ou indirectamente, que há sempre alguém que ouviu de alguém - duma crítica má sem ser pelas boas razões. mesmo aquelas a que não devia ligar pêva por, pelo dito classificatório e a forma como é expressado, logo se ver que quem as debita não é meu leitor. não encontra em mim o que lhe agrada, a que está habituado. certamente como leitores dos outros (inclusivamente a imprensa) dirigimo-nos a lugares distintos da estante. sou light demais para as suas necessidades de erudição, e nunca serei um autor dos seus santinhos. mesmo assim a minha indiferença ateísta não me protege e sinto-me, corta-se-me a pica de editar e publicar, e reduzo-me ao género telegrama, ora compungido ora colérico, que tão curtas são as folhas e ameaçam-se mortalhas da minha arte: escrever, e não exactamente bilhetinhos de amor com florinhas e corações ou dez linhas envenenadas de bota-abaixismo ao "eles" que no momento esteja mais propício, coitado. reconheço que gosto de passear pelas palavras mas não aceito que um passeio não deva ser suficientemente lento para se poder aproveitá-lo e ver mais algo na paisagem que uma stressante corrida pode mostrar: há vida além do relógio e muitas letras juntas não são sinónimo de enfadonho, terror. essa fobia não é um problema meu, e só a efectiva leitura pode ajuizar - nunca o 'tamanho'.
como leram, assim a 'repetição' é tão inevitável como quando se fala de sexo. tal como algum hiperbolismo. parabéns aos heróis que chegaram aqui, e sem saltitar parágrafos, assassinando o escrito e privando-o da intelegibilidade mínima para sobre ele se formular um juízo intelectualmente fundamentado, coerente e honesto.