sábado, 20 de junho de 2009

Dogmas


"Os dogmas mais nocivos nem sequer são os que como tal foram expressamente enunciados, como é o caso dos dogmas religiosos, porque estes apelam à fé, e a fé não sabe nem pode discutir-se a si mesma. O mal é que se tenha transformado em dogma laico o que, por sua própria natureza, nunca aspirou a tal. Marx, por exemplo, não dogmatizou, mas logo não faltaram pseudo-marxistas para converter O Capital em outra bíblia, trocando o pensamento activo pela glosa estéril ou pela interpretação viciosa. Viu-se o que aconteceu. Um dia, se formos capazes de desfazer-nos dos antigos e férreos moldes, da pele velha que não nos deixou crescer, voltaremos a encontrar-nos com Marx: talvez uma «releitura marxista» do marxismo nos ajude a abrir caminhos mais generosos ao acto de pensar. Que terá de começar por procurar resposta à pergunta fundamental: «Por que penso como penso?» Com outras palavras: «Que é a ideologia?» Parecem perguntas de pouca monta e não creio que haja outras mais importantes... "

José Saramago, "O Caderno", Caminho, 2009, págs. 113 e 114

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