quarta-feira, 15 de abril de 2009

"Prazer"

Cai-me a tentação aos olhos em momento que para "prazeres" ameaça-se tão adequado como régua e esquadro ao contorno feminino se a olhar-se o resultado a imaginação estiver anestesiada. Mas até uma lágrima pode ser "prazer" se o gordinho não foi enxaguado até às rugas, se o deslizar duma palavra, um dedo, um olhar, fê-lo pingar e contá-lo ao Mundo, húmido de prazer, mariscando-o, luando sonhos.

Escalam-se os anos e de cada ficam memórias não organizadas cronologicamente mas sob critérios emocionais: gostei; não gostei. E recordo-me do prazer algures nos tempos em que os calções eram o equipamento para as melhores corridas do mundo acerca de tudo e outro tudo ainda, aquelas em que o último a chegar era maricas, e em como segurei em carícia de pormenores o meu primeiro Dinky Toys, como nas minhas mãos ele se agigantou bem além da escala maior à dos escanzelados Matchbox's com que até aí soletrava o prazer de brincar às corridas na borda do passeio: era tão lindo, elegante, eficiente, que seria invencível e o meu prazer de então ainda hoje me faz parar às montras onde estão todas as corridas do mundo a quem se lembra que "o último a chegar é maricas", quem se lembra e não esqueceu.

Raso ao lado o cliché do primeiro beijo pois é assunto em que me quero eterno hesitante, se o primeiro se o último, ou o que ainda há-de vir e qual deles como exemplo do fogo, se deles o prazer é o arrepio ou o crescer do gordinho até não caber no peito e dá-lo por inteiro a alguém assim sonhador, e beijoqueiro.

Senti-o igualmente em tantas coisas que enumerar a memória é aviltá-lo na incompatível compatibilidade: sabe melhor - prazer - um entrecosto minhoto temperado com as ervas todas e ainda amor, ou a fatia de bolo de chocolate que, mágica, faz da sobremesa lábios colados no prazer do doce de beijar o nosso chocolate íntimo, o festim da carne amada ou o roçar dos sonhos doces? não sei, não sei. E sei que é prazer onde nunca me decidirei até porque ele, deleite, saliva primeiro no olhar a receita, segue em frente à temperatura ideal e aloura tentador a quatro mãos que se tocam na construção dum prazer comum, e a ter de escolher entre o prazer do palato ou a volta ao quarteirão de mãos-dadas para desmoer e lamber as migalhas do prazer enlaçado em cabeças no ombro eu nunca me decidirei pois afinal são um todo indissociável. É assim que as réguas e esquadros das racionalidades transmutam em beijo, Prazer, o fast food diário e a pizza telefonada.

Caiu-me na mão e eu sedento, esfomeado que nem lobo em Inverno, enredado na dificuldade de escrever acerca da emoção que nos faz rir pois dela nos hojes os amanhãs terão dificuldade em encontrar ficha além desta folha, dalguma forma prazer pois conta de carrinhos e prendinhas, e do bolo comido em beijo que pode ser a nossa vida lambuzada, haja lábios que fiquem húmidos ao ler a receita dos pratos simples e seus prazeres. E então tudo se vence porque o último a chegar é maricas e chegou o Senhor Prazer, que não se se distraia ao cruzá-lo para o gordinho abrir-se num sorriso e cumprimentá-lo, «muito prazer em vê-lo! afinal conhecemo-nos de há tanto e não reparara!»

São "estas merdas" que dão as memórias, não a tralha dos desprazeres: deles as fichas não contam, rasgam-se, perdem-se na reciclagem de envelhecer. Prazer-prazer? era não ter escrito isto.


(na Noite de 7 de Abril de 2009)

16 comentários:

Unknown disse...

O prazer de descobrir um espaço onde se escreve muito bem!

Fátima Santos disse...

excedeste-te :)

Jorge Pinheiro disse...

Mas ainda bem que escreveu porque todos nos revemos no excelente texto. Claro que a visão realista que ressalta é a uma visão de longo prazo. Tb. me debato com ela e acima de tudo com o facto do passado não dar prazer algum.

. disse...

Prazer temos as milhares é só identificar ..ficar sensivel a eles..
Belo texto
Abraços

Tareca disse...

Tu andas é a dar prazer a quem te lê

:) beijinhos Mangusso

Claire-Françoise Fressynet disse...

Foi da lua? beijo

Susana Falhas disse...

Profundas palavras estas!
Quando olhamos para o passado, lembramos sempre aqueles momentos mais marcantes que tivémos o prazer de os viver intensamente.

Foi um grande prazer ler este post!
Susana

Compondo o olhar ... disse...

que texto belo e profundo... nos coloca um espelho em frente de nós.... amei!!!
parabéns.

bjocas

Vanessa Anacleto disse...

Olá, tb estou na Tertúlia deste mês e vim conferir seu post.

Abraço

Christi... disse...

Tive sensações de nostalgia, de embriaguez, de erupções, de á flor da pele e de meditação no seu texto.

Como tantas sensações são próprias de um texto que pode falar do prazer e do não prazer, da sensação de que é possível estender e de quanto é curto em momentos e circunstâncias os prazeres...

Escreves delícia...

Bjs no coração
Chris

Adelino disse...

Carlos Gil, PRAZER em conhecer o seu blog. Gostei muito. Ótima participação.
Abraços.

Anónimo disse...

agradeçoa todos. mentiria se não disesse que tive prazer em ler os vossos mimos :)

c

Eduardo Santos disse...

Olá amigo. Não deixa de ser interessante esta transmutação do prazer, afinal é prazer por palavras e actos, de um momento ou de uma vida, mas não deixa de ser prazer. Tudo de bom amigo e que o arrependimento do que escreveu não passe de desejo, pos foi um prazer lê-lo.

Mírian Mondon disse...

Fiquei surpresa em encontrar tanto lirismo nesse texto! Parabens!

Nao conhecia seu blog e voltarei!
Abraços

Nana Odara disse...

Olá...
Estou aproveitando a tertulia pra divulgar meu manifesto...
Beijinhos de baunilha...

Manifesto Nana Odara

A Via do Prazer

Declaro
solenemente
à partir de agora
que todos os seres humanos
devem viver unicamente
pelo e para o prazer...
Esse é o meu manifesto
talvez a minha grande contribuição
para a humanidade...
a via do prazer...
Todas as mulheres
tem o direito e a obrigação
de viver em prazer...
até pq a repressão do prazer da mulher
é um dos pilares do patriarcado.
Somente através do seu prazer livre
e irrestrito a mulher pode
ajudar a construir um
novo modelo social
melhor
mais interessante...
Para isso é necessário
cessar já
todas as formas de violência
consentidas ou não
silenciosas ou não
punivéis por lei ou não
todas as formas de violência
contra a mulher
contra todas as mulheres...
O prazer
subjetivo por natureza,
o prazer de cada um,
o prazer de todos...
A um só tempo,
emitido e recebido
sorvido
degustado deliciosamente devorado
doravante
por nós, integrantes desse manifesto,
canibais do prazer,
ou seja la qual for a alcunha
que nos agraciará o futuro...
O Prazer como antídoto social à violência
Todo o prazer
pelo fim de
toda a violência...
Segundo a Dianética,
o Prazer é a força motriz que anula o medo.
Portanto somente através do prazer
podemos anular os efeitos todos
da maior arma patriarcal
fundamentado e sacramentado em medos,
a violência.
E nós, seres humanos,
estamos naturalmente vocacionados
destinados e aptos ao prazer,
o prazer nos guia para a vida,
enquanto todo medo é o medo da morte.
Neste 2009 , divisor de águas,
defina agora, de que lado vc está...
Ou vc alinha comigo
na Via do Prazer...
ou definhará eternamente
nos porões fétidos de um
moribundo patriarcado...
Eu, Nana Odara
instauro a Era do Prazer!
Sigam-me os bons
(de cama, inclusive...)

Confesso q achei o texto muito denso pra mim... volto daqui a pouco pra ler com calma...

nilda disse...

Nossaaaaaaaaaaa.
Li e reli para não me escapar nadinha.
Beijoca.
Nilda.
http://meucantin5.blogspot.com/