sexta-feira, 21 de novembro de 2008

consolos blogueiros



A IMAGEM NO ESPELHO

"Aos 20 anos escreveu as suas memórias. Daí por diante é que começou a viver. Jutificava-se:
- Se eu deixar para escrever minhas memórias quando tiver 70 anos, vou esquecer muita coisa e mentir demais. Redingindo-as logo de saída, serão mas fiés e terão a graça das coisas verdes.
O que viveu depois disto não foi precisamente o que constava no livro, embora ele se esforçasse por viver o contado, não recuando mesmo diante de coisas desabonadoras. Mas os fatos nem sempre correspondiam ao texto e, para ser franco, direi que muitas vezes o contradiziam.
Querendo ser honesto, pensou em retificar as memórias à proporção que a vida as contrariava. Mas isto seria falsificação do que honestamente pretendera (ou imaginara) devesse ser a sua vida. Ele não tinha fantasiado coisa nenhuma. Pusera no papel o que lhe parecia próprio de acontecer. Se não tivese acontecido, era certamente traição da vida, não dele.
Em paz com a consciência, ignorou a versão do real, oposta ao real prefigurado. Seu livro foi adotado nos colégios, e todos reconheceram que aquele livro era o único livro de memórias totalmente verdadeiro. Os espelhos não mentem.

Carlos Drummond de Andrade, "Histórias para o Rei", Editora Record (Rio de Janeiro - São Paulo), 2006

(reflexo duma parede daqui. thanks)

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