Há algum tempo que persigo o amplo espectro do síndroma de Bartleby na literatura, há algum tempo que estudo a doença, o mal endémico das letras contemporâneas, a pulsão negativa ou a atracção pelo nada que faz que certos criadores, embora tendo uma consciência literária muito exigente (ou talvez precisamente por isso) nunca cheguem a escrever; ou escrevam um ou dois livros e depois renunciem à escrita; ou, depois de avançarem com uma obra fiquem, um dia, literalmente paralisados para sempre.
A ideia de rastrear a literatura do Não, a de Bartleby e companhia, nasceu na passada terça-feira no escritório quando me pareceu que a secretária do chefe dizia a alguém pelo telefone:
- O senhor Bartleby está em reunião.
Ri-me sozinho. É difícil imaginar Bartleby reunido com alguém, mergulhado, por exemplo, na pesada atmosfera de um conselho de administração. Mas não é tão difícil - é o que me proponho fazer neste diário de notas de rodapé - reunir um bom punhado de bartlebys, quer dizer, um bom punhado de escritores tocados pelo Mal, pela pulsão negativa.
Claro que ouvi «Bartleby» onde devia ter ouvido o apelido, muito parecido, do meu chefe. Mas a verdade é que este equívoco acabou por ser muito oportuno, pois colocou-me de repente em marcha; depois de vinte e cinco anos de silêncio, decidi por fim voltar a escrever, a escrever sobre os diferentes segredos últimos de alguns dos mais apelativos casos de criadores que renunciaram à escrita.
Disponho-me, pois, a passear pelo labirinto do Não, pelas sendas da mais perturbadora e atraente tendência na qual se encontra o único caminho que resta à autêntica criação literária; uma tendência que pergunta o que é a escrita e onde está, andando à volta da impossibilidade da mesma e dizendo a verdade sobre o estado de prognóstico grave - mas sumamente estimulante - da literatura deste fim de milénio.
Só da pulsão negativa, só do labirinto do Não pode surgir a escrita por vir. Mas como será essa literatura?, perguntou há pouco, com certa malícia. um colega de escritório.
- Não sei - respondi. Se soubesse eu próprio a faria.
Vamos a ver se sou capaz de a fazer. Estou convencido que só do rastreio do labirinto do Não podem surgir os caminhos que restam para a escrita que vem. Vamos a ver se sou capaz de os sugerir. (...)"
do início de "Bartleby & Companhia", Enrique Vila-Matas, editora Assírio & Alvim, 2001, em tradução de José Agostinho Baptista.
A ideia de rastrear a literatura do Não, a de Bartleby e companhia, nasceu na passada terça-feira no escritório quando me pareceu que a secretária do chefe dizia a alguém pelo telefone:
- O senhor Bartleby está em reunião.
Ri-me sozinho. É difícil imaginar Bartleby reunido com alguém, mergulhado, por exemplo, na pesada atmosfera de um conselho de administração. Mas não é tão difícil - é o que me proponho fazer neste diário de notas de rodapé - reunir um bom punhado de bartlebys, quer dizer, um bom punhado de escritores tocados pelo Mal, pela pulsão negativa.
Claro que ouvi «Bartleby» onde devia ter ouvido o apelido, muito parecido, do meu chefe. Mas a verdade é que este equívoco acabou por ser muito oportuno, pois colocou-me de repente em marcha; depois de vinte e cinco anos de silêncio, decidi por fim voltar a escrever, a escrever sobre os diferentes segredos últimos de alguns dos mais apelativos casos de criadores que renunciaram à escrita.
Disponho-me, pois, a passear pelo labirinto do Não, pelas sendas da mais perturbadora e atraente tendência na qual se encontra o único caminho que resta à autêntica criação literária; uma tendência que pergunta o que é a escrita e onde está, andando à volta da impossibilidade da mesma e dizendo a verdade sobre o estado de prognóstico grave - mas sumamente estimulante - da literatura deste fim de milénio.
Só da pulsão negativa, só do labirinto do Não pode surgir a escrita por vir. Mas como será essa literatura?, perguntou há pouco, com certa malícia. um colega de escritório.
- Não sei - respondi. Se soubesse eu próprio a faria.
Vamos a ver se sou capaz de a fazer. Estou convencido que só do rastreio do labirinto do Não podem surgir os caminhos que restam para a escrita que vem. Vamos a ver se sou capaz de os sugerir. (...)"
do início de "Bartleby & Companhia", Enrique Vila-Matas, editora Assírio & Alvim, 2001, em tradução de José Agostinho Baptista.
3 comentários:
...e agrada-me sobremaneira que comuniques com o "outro", te tornes um anti-bartleby.
Daqui até um novo livro vai apenas um passo, uma fase...
e pisco o olho...
th
Feliz pela tua volta que 2008 te venha com muita energia e inspiração.Claro que consegues... ;) Jitos e um grande Xi
:)- Gosto desse Enrique
bjs
Cê
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