telefonei-te, Inês. deixei tocar até a minha esperança morrer com a campainha que não paraste, qu'a tua voz não silenciou. eu silenciei-me. emudeci mais umas gramas, estou obeso de solidão: faltas-me, estou gordo, grávido da tua ausência. queria ser capaz de parir o meu amor para que nós, seus pais, o segurássemos nos braços e nos enlevássemos com o carinho que essa criança, esse bébé, nos traria, que nos beijos que lhe dávamos houvesse o sabor a sal daqueles que nos meus sonhos trocamos, que lhe segurássemos as mãozinhas com a ternura que no antes o escrevi e o gerou. queria dizer-te isto mas o telefone não deixou, tocou repetitivo, sempre igual, tão igual que é o silêncio quando não te sinto. e eu não posso parir mais, estou cansado pelas contracções que se agigantaram, pelo toque que se repete sem ser interrompido, pela ausência da tua voz que diga «sim, estou». e eu emudeço, mirro, olho o passado com um sorriso que fica triste quando o pensa ido, perdido lá tão longe, não disfarço ou evito que a lágrima se solte e corra livre onde, antes, os teus dedos me acariciaram, disseram-me «sim, estou» na linguagem mais sensível, a ternura da carícia. quantas vezes (t)o escrevi...
preencho o silêncio com memórias, engano-me julgando-as eternas porque sempre actuais. tudo mentira: eu sou Pedro, não posso parir qualquer "fruto do nosso amor", tu, musa, não ouves na campainha que soa qualquer trinado de amor e cerras o teu útero, recusas parir crianças indesejadas e rasgas na indiferença estes papéis que te escrevo. quem te poderá censurar? nem eu, pai em projecto que fali de intenções e, gasto de sémen não desejado, ouço o trim-trim do silêncio, calo a voz no eco do telefone que não foi atendido, o vazio assume-se e muito lentamente, tal como em filme rodado em câmara lenta vejo a minha mão pousá-lo, emudeçê-lo, calo com um clique os toques sem eco humano, sem a tua voz e sem nenhuma criança que embalemos, ligo o computador e escrevo-te a voz que não consegui que fosse ouvida, as letras do silêncio.
pedro
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