quarta-feira, 25 de abril de 2007

sociedade unipessoal e ilimitada

eu quero é escrever, conversar contando o que não há lábios que saibam dizer com tanta clareza. sou um deficiente nos relacionamentos e, tendo de tal consciência e desejando redimir-me, escrevo, escrevo sem parar. nem tenho vergonha em contar que gosto mais disso do que de sexo pois sei lá porquê rara já é a queca que me deixe desvairado e a transpirar e, escrevendo, lá saem umas auto-carícias que põem direito o ego e rejuvenescem o tinteiro.
por sugestão fui directo ao terceiro capítulo daquele livrinho pequenino que o jornal Público recentemente ofereceu, de Amos Oz "contra o fanatismo". sorri até mais não - quase que foi visível!... - e lembrei-me, li-me. ainda bem que há quem o conte, Rosa Montero até esticou esticou até fazer o melhor livro que li ao tema: "A Louca da Casa", ainda bem pois eu rasgo papel atrás de papel, também desejoso em contá-lo: nasce, infiltra-se, vicia, e quando reparamos parecemos uns maluquinhos incapazes de olhar o quotidiano sem imaginar romances, tramas e psicodramas, tudo alegremente esbarrotado e naife como são todas as histórias imaginadas só pelo prazer de 'escrever' em contínuo, que importa se o caderno está ou não aberto ou se há pincel para a tela...: não se consegue parar de escrever mesmo quando se anda ao papel literalmente, a olhá-lo como o analfabeto ao palácio: gosta muito mas não sabe como contá-lo. de vez em quando lá calha e metade do idealizado, laboriosamente construído em 'escritas' no momento, olhar a tela e escrevê-la em directo mas com toda a atenção às vírgulas e mudanças de linha, há bocados que ainda são recordados a tempo de chegarem à caneta e nasce post, crónica, contadas ao Mundo as maluqueiras que pensamos e sabemos escrever - principalmente isto, pois se dá prazer queremos que toda a gente saiba como somos felizes!, é natural à auto-estima e também é a desculpa do escritor.
ninguém sabe o quanto está escrito na linha que vai do olhar perdido até à ponta onde se perde, excepto o outro olhar ausente com que acabamos de cruzar a 'nossa' trama idealizada, em que lugar está e que personagem ele é nesta linha interminável que há quando se encontra a resposta ao "porque escreves" e "como o fazes": não se pára, após começado. cada novo texto é uma aventura, um ginásio faustoso onde se exercita a reinvenção do mundo, ao menos na forma de o escrever pois ao mais que ninguém refile se até no pormenor da queda dum cabelo há matéria para uma evasão direito à escrita do seu movimento, gracioso no cair e pousando com a elegência que só um longo cabelo tem, rolando suavemente num cair preguiçoso, hipnotizante para quem o lê, e assim a ficção às vezes manda mais que a vontade, como é possível passar ao lado da riqueza de olhar sem escrevê-lo, incluindo no descrito a parte mais bela, prazer em contá-lo e imaginar o afago que tanto fez suspirar o cabelo que ele desmaiou, os olhos os lábios e depois a mão a recebê-lo em regaço, derretido em minuciosos prazeres por ir contá-lo, letra.
afinal o sorriso valeu a pena, Oz fez-me contar o meu niquito da história. os meus gelados, a minha forma de 'construir', os meus óculos de ver ao perto. como começa? se pensar bem acho que a resposta honesta será a de ter-se lido e gostado de ler, apanhar-se o 'jeito' de encher a tal linha de vazio do olhar perdido na multidão e nela individualizar ligações, juntar-lhe carga que esteja a jeito na memória para encher o cenário, e ninguém imagina o que vai em tráfego no olhar ausente de 'quem escreve' e parece ter morrido em vida, o olhar perdido em nada, no lento e extenso relato da queda dum cabelo, sentido a pele eriçada de prazer em escrevê-lo.
eu avisei que é melhor que sexo, e, mesmo esse, se pensarmos bem no assunto, tem afagos e cabelos insuspeitos tantos quantos forem os possíveis de se acreditar existirem nos olhos semicerrados perdidos na névoa do orgasmo - tal e qual o olhar o nada e a multidão e seus extraordinários dons de pilosidade, em empolgado relato: um suspiro escrito é mais lento que um roçar de lábios, ó que prazer em contá-lo, os lábios lambendo-se para recolher a sensação, os olhos olhando e recriando, escrever.
é tudo. acabei. gostei de estar a escrever isto. a, outra vez. a, quero para sempre.

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