terça-feira, 24 de abril de 2007

ovnis; feira popular; a Celeste; X-15; Arrabal; ortodoxia frelimista; ganzas;

Num Grupo MSN um amigo abriu uma mensagem onde abordava os mistérios que a arqueologia nos trás (no caso uns intrigantes crâneos humanos moldados em cristal, com presumíveis milhares de anos) e não tardou a abordar-se a velhinha questão dos UFO's, pretexto para eu recordar assim:
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" eu uma noite, à porta da Feira Popular, vi uns (ou um, já não me lembro bem) "discos voadores". palavra. estava comigo a Celeste mas não posso arrolá-la como testemunha pois há mais de vinte anos que não sei dela. e todos os que estávamos à porta, naquelas noites de verão em que às 'dez' ainda é cedo e faz um calor dos diachos, todos erguemos a pala e apontávamos, as luzes brilhantes lá em cima e que após umas piruetas deram em zarpar como se levassem fogo no rabo. os jornais no dia seguinte falaram nisso, se bem me lembro foram vistos sobre Setúbal e mais tarde no Algarve.
vale o que vale, mas a verdade é que naquele momento a Celeste ficou(-me) secundária e para todos tudo ficou secundário pois não havia quem não olhasse, comentasse, apontasse, os "discos voadores". sei lá o que era, e na ciência aeronáutica (a militar, principalmente essa) fazem maravilhas de que ouvimos falar pelas tvs e jornais, e de fugida e mal. nos USA, anos 50's e 60's, a febre dos "discos voadores" era o prato do dia, quase sempre nos estados do interior, mais desérticos e, claro, onde se situam as enormes pistas para os aviões experimentais. houve nessa época muita experiência acerca de formas revolucionárias, desde as tentativas de criar bombardeiros em forma de asa única, o avião era todo uma asa qual boomerang gigante, até aos do tipo do famoso X-15, um avião foguete. depois houve o Blackbird (SR-71 se não erro) e os tempos também são outros, mais informados, e foi um claro erro deixar de prestar atenção à Celeste em busca do milagre nos céus. talvez daí, sabe-se lá..., a Celeste também foi um disco voador, célere e fugidio, já agora conto essa parte para não ficarem nós por desatar.
quando me der o berro como ao cão do Miguel, a carne é roída num instante e o meu crâneo fica no melhor museu de história natural que há: a Terra, a boa terra, a minúscula para poder haver a outra, a maiúscula de todos nós. ou cremado. suspeito que ninguém irá querer snifar-me como o gajo dos Rolling Stones fez às cinzas do pai. só num filme do Arrabal (cinema Avenida, na Baixa de LM, já finais de '75 se bem me lembro) vi um gajo comer-se a si próprio, no caso manjou uma mão: dava mais jeito de levar à boca e ainda tinha a outra para segurar o prato, que o serrote tinha ele encaixado no crâneo. agora há o Hannibal e mais aquele gajo alemão que os encomendava pela Internet, tal como se faz para uma piza, mas de autofagismo (é assim que se diz, não é?), canibalismo de si mesmo, só me lembro desse. por isso quer as cinzas quer a carne voltam directos à origem, et voilá.
bem, 'tou baralhado. discos-voadores, a Celeste, mais canibalismo e o X-15. e nada em cristal. vou-me"
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bem, tive resposta. nela sou perguntado se a visão dos UFO's não se deveria a "umas passas bem puxadas" (sic) que fizeram confundir as luzes dos carrocéis com outras coisas aladas. e, aproveitando a boleia, o filme do Arrabal foi desancado de alto a baixo pois o meu interlocutor também o tinha visto, mesma época e cinema. enfim, os mimos ao cineasta e à sua obra foram abaixo de cão, coisa tão tal e tal que não me coibi em, brincando, levantar mais um canto ao tapete, que pó por varrer é o que mais por ali há... assim:
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" mais depressa se apanha um ortodoxo que um coxo!

sim, o filme é mesmo esse e sei lá se até na mesma sessão... mas vamos ao que interessa, à semelhança de posições entre a tua "crítica" ao filme do Arrabal e a posição de quem então superentendia na agit-prop & cultura da FRELIMO, que esperneou, ralhou, ameaçou, para que o filme não passasse: esse episódio foi-me contado, e não há muito tempo atrás, pelo então responsável pela ida do filme, inserido em ciclo de cinema alternativo, como o exemplo do primeiro dos muitos desencontros, coacções intelectuais, ameaças veladas e menos veladas que acabaram, logicamente, já anos oitentas bem puxados, que o bom do meu interlocutor levantasse a tenda e abalasse para cá, farto e cansado de ser ameaçado se não cumprisse a cartilha cultural oficial do regime: tu tás igual, meu! mas igual é ao outro, ao que, a seu gosto, só passaria o couraçado Potenkim e o filme da vida do Querido Líder, mais o relato épico da campanha do arroz na província de Xin-xin-Xin!....

das partes que falas e que tanto te impressionaram - as visuais, não me refiro à odora... - eu não me recordo. ando há trinta anos é a recordar-me do man a comer a sua própria mão, foi a cena que se me gravou. por isso volta não volta e quando a conversa resvala para aí, cinema dos 'velhos tempos', vem-me sempre à baila e foi aí que ele me contou a saga vivida para o filme ter passado, ameaçado que esteve até ao próprio dia da sessão em ser 'vetado', ameaças de demissões compulsivas e até dalgumas coisas ditas entredentes e bem piores... uns tempos depois gritadas a bom som, numa espiral de ortodoxia que estrangulava qualquer veleidade 'cultural' ou de 'liberdade de imprensa' que fosse além da dita cartilha "boa", que culminou, como te disse, na total incompatibilidade pessoal e ameaças directas à liberdade (pelo menos) do "perigoso reaccionário" encoberto em capa de "agente cultural". história e estórias, que é destas que se faz a outra, a com agá. reconheçamos que ao menos por estas duas coisas valeu a pena o Arrabal ter visitado a então jovem Revolução Moçambicana: terá sido dos primeiros sinais de que as águas não eram tão mansas e plácidas como se sonhava, e 'chocou' os espectadores - touchée! - ao ponto de três décadas e picos depois ainda ser falado, comentado, à mesa da interminável bula-bula do passado, mérito que em certo a maioria dos filmes que vimos não merece.

depois há os UFO's mais o resto, ganzas e Celeste incluídas. saiba Vossa Senhoria de eriçada barba que o je, ao que se lembre, na noite das aparições nada mais inalou que a suave fragância dos sovacos da Celeste e a pestilência que vinha dos frangos e das sardinhas a assar. no máximo, mas já no limite, concedo que tenha aviado meio maço de Kart, que era então o tabaco que a casa gastava. ganzas nicles, niente, n'a pas de rien. ou então tratrar-se-ia da oficial queima dumas boas toneladas de suruma apreendida, e o manto de fumo psicadélico não só bordejava a Feira Popular e inspirava oníricamente todos os que de nariz no ar olhavam o "fenómeno", como a nuvem do "pão dos deuses" se estendeu para os lados do aeroporto pois, segundo contaram os jornais da manhã, lá na torre também os viram sem que as agulhas se agitassem ou da estática saísse qualquer comunicação: "eles andam aí, eles andam aí..." :-)

enfim, verdade ou mentira nos UFO's, isso não sei. sei e lembro-me é da covinha no queixo da Celeste, dos seus lábios brilhantes, o jeito maroto do seu cabelo, a estonteante anatomia dos seus maravilhosos 'vinte anos'. em seu e meu prejuízo nessa noite 'corri' atrás de discos voadores e, fictícios como são, fizeram perder-se a magia dos encontros, dos 'dates'. no dia seguinte fomos ver um filme musical (Led Zepellin? the Who? já não sei...) ao Nimas e recordo-me de haver uma lágrima silenciosa enquanto lhe segurava a mão, num afago último à noite de paixão perdida algures nos céus da ilusão. coisas da vida, que nem sempre é celestial."

memórias, quem as não tem...

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