terça-feira, 17 de abril de 2007

pelosidades

esta tarde, ao aparar a barba - uso-a curta, tipo "de dois dias" que regularmente 'estico' - aventurei-me demais no bigode e que é de uso semi farfalhudo há dezenas de anos, e, acerta dum lado acerta do outro acabei por concluir que o melhor que conseguia já só era reduzi-lo à dimensão da barba, um pouco menos aparada... enfim, há sempre uma não razão para acabar com uma tradição.
mirei-me bem e não gostei. o ânimo só chegou quando a Paula veio e, no pós choque, comentar que eu estava dez anos mais novo. muito gosta de mim esta mulher e tão farta que estará do chato de bigodes... bem, mirei-me bem no espelho e por mais duma vez - há qualquer coisa na imagem que faz com que aquele não seja eu-eu... -, e verifiquei que tenho o lábio de baixo 'torto': num dos lados a pele do queixo quase tocando o lábio de cima, só com um consolador traço a unir e a separar. do outro lado, o lábio bem desenhado: que os tenho bonitos, facto, fora o pormenor descoberto e revelado. do mesmo lado existe a já minha velha conhecida diferença nos vincos de expressão da face, em que numa delas é mais profundo que na outra, mais vincado. isto, já conhecido, agora aliado à revelada diferença no lábio, fez-me pensar em se terei tido algures uma mini trombose, coisa tão ligeira que se confunde no saco do irrecordável dos soluços, e aquelas são as marcas, é a fotografia da sua passagem. sei lá, sei lá mas a cara é minha e é nova, é-me nova, deixem-me gozá-la em primeiro lugar - que inclui seus possíveis mistérios e possibilidades ficcionais.
bem, mas a razão da crónica autobiográfica é outra: a dado momento da observação, já depois do "que horror!" e a Carla ter-se refugiado na sala, furiosamente a ver concursos na tv, a Paula observa o que depois confirmei em pormenor como agora era bem visível, sob a mata mal plantada em que ficou transformado o meu venerando bigode: no lábio superior há uma cicratiz, e recordo-me bem de que foi à porrada. de quando-quando em exacto já não me lembro mas sei da idade doutras duas em igual origem que tenho; a no nó dum punho, felizmente já quase desaparecida, terá sido aos dezoito, dezanove, e, a mais antiga de todas - ao que me lembro... - ainda terá sido feita cá em Portugal, Covilhã, antes de aos sete ir para Moçambique: tenho uma mancha no branco dum glóbulo ganha num jogo de "à pedrada", eu cá e tu lá e até podemos ser amigos pois somos vizinhos e tudo e temos mais brincadeiras fixes mas, entretanto, jogo é jogo e toma lá, estou quase-quase a acertar-te... duma vez calhou-me a mim levar com um calhauzito qualquer num olho e ficou marca para sempre. mas o tal, o do lábio, o 'novo', esse que veio em momento de que não tenho grande memória - olha quem, para esquecer as cargas de porrada que leva eh eh... esse situo-o algures nos quinze, à volta dessa idade ou até um pouco menos; sei lá porquê pois nunca me considerei muito 'brigão' mas volta não volta estava metido nas amarelas e aí tanto cai para um lado como calha para o outro, é sempre uma chatice.
cabronas de marcas. mais a trombose fantasma que me entortou um lábio e fez-me a cara como se estivesse permanentemente com ela torcida em desdém ou resmungo, mais o raio do lábio torcido, agora. acresce, junta-se no espelho, que há dias e dias que ando com a minha honrosa ponta-batata do nariz vermelha, eu que não tenho ido além duma raríssima 'imperial' com uma refeição fora de casa, e normalmente até bebo Coca-Cola ou água lisa.
tenham cuidado, tenham muito cuidado: aparar sim, mas com lembrança do que está por baixo das pelosidades, há tromboses e tremores fantasmas a espreitar, há cicatrizes espalhadas por tudo o que é canto e, às vezes, basta um aparar descuidado e vêm-se ossadas do passado, cabronas de marcas. quanto ao resto, estou hipocondríaco de mim: suspeito e acho má cara ao gajo sem bigode no espelho, novo demais a uns olhos, ainda mais desse demais se aos meus - esses, que reconheço.

1 comentário:

Anónimo disse...

Olhando-me, não tanto ao espelho como tu - descubro umas quantas marcas. Mesmo assim e baseando-me no credo que ouvi a vida inteira de ter sido uma maria-rapaz, uma peste em figura de gente, não são tantas como deveria esperar.
De qualquer maneira, são como as marcas nos coldres do cowboys: cada uma delas conta uma história, mais ou menos recambolesca. E a última grande que fiz, já com 22 ou 23 anos, foi numa praia de Lagos: testa aberta numa batida numa rocha escondida pela maré cheia. Seis pontos e muita, muita sorte.
Bjs