quarta-feira, 4 de abril de 2007

"diz-me, espelho meu..."

surdos. surdos além dos seus pequeninos pensamentos. “ninguém ouve ninguém” – disse-me uma ela, não é importante quem. ela, idem praticante, idem todos todos cegos na contemplação umbigal, tão lindos tão feios que são, somos…
somos uma cambada de heróis. arquitectamos planos de destruição alheia à medida das derrotas sofridas, às vezes nem isso mas só suspeitadas – as ‘fraquezas’ e as ‘inseguranças’, os Medos, medo do Outro: tanto que já se filosofou sobre isto e ninguém lê, ninguém ouve ninguém… mentalmente construímos edifícios de pés pequenos, medida nossa e isso não aceitamos. “não altero a minha maneira de pensar que já tem anos”. e porque não? se? se ora envelhecida, mais que as rugas que disfarçamos? sedimentada, é? vale mais um creme, uma coloração do cabelo, uma limpeza de pele ou uns dentes novos? não se usa a maiúscula na palavra verdade porquê? perene, porque é perene e sujeita a contradicta contínua e mais longos são os Medos, a centenária surdez e os altivos muros da individualidade. também a falsa segurança dos bastiões, a solidez da nossa verdade abusivamente maiusculada em regime de permanência. daí não ouvirmos, cegos como ficamos no desespero de procurar argumentos que defendam a nossa Verdade, quando se lêm lanças em lábios que não são do nosso espelho, querido, mil vezes reflectido e querido…
e para quê abrir os ouvidos, e deixar o cérebro tratar o ouvido, se o mundo é (tão) injusto, se não nos ouvem a nós quando aliçamos, quando dizemos e não somos ouvidos? oh, mundo cão, rafeiros que todos somos, desesperados na busca do nosso osso e deixando mijinhas em todos os cantos em elegante e alçada perna, vestida à medida do nosso espelho. ninguém ouve ninguém. eis um drama humano, o vozeirar e as "palavras sábias" que ninguém ouve na multidão. multidão? que multidão-desculpa é essa se nem quando os olhos vêm outros olhos nas ondas das palavras, nem assim o seu afagar é bem recebido e se mergulha nas ondas d'olhos que vêm? as tais que no solitário da praia são prazer, e molham com desconforto quando vêm de olhos, palavras d’outros, o Outro? quem ouve quem? alô, alô! morremos todos? maldita insegurança que nos leva a, tais castores de rabo alçado, passarmos o tempo a edificar muralhas, em pânico por não serem à prova de som?
dizem – e acredito muito, ao que ouço e li – que há um livro que trata com azedume, natural, e com pontaria louvável o nosso caso particular, o 'tuga': “O medo de existir” de José Gil. irei lê-lo logo que puder, ainda não calhou e mantenho a minha mania de não ler no imediato um ‘best-seller’. compro com maior facilidade um desconhecido cuja contra-capa me pisque um olho que retiro uma grama ao monte de árvores mortas, com foto a corpo inteiro do lenhador moral, que são colocados às entradas das livrarias e junto às caixas de pagamento, impulsos à multidão e sinais de trânsito ao intelecto: pago muita multa mas às vezes compensa e, de best-sellers, estão as feiras de livros e os alfarrabistas cheios. mas pelo “que ouvi e li” a matéria é a mesma, e acredito que a acidez seja igual, passe a esperada acutilância académica. o medo do Outro, sempre ele, lá tratado como proto-fenómeno, nacional, nosso nacional este falado “fado”, choramingas, subsidio-dependente de afagos e tantos que são hipócritas, “dou-te e tu dás-me”, défice de auto-estima que, entre outras maleitas, provoca a surdez ao lutar constantemente contra moinhos imaginários que se atravessam no seu pacato caminho rumo ao espelho mais próximo, constante.
serôdia questão, afinal como todas as que valem a pena ler, ouvir, et voilá
o outro lado: há razões para ter medo, o Medo: há olhos que metem medo, há “más ondas” em excesso no ar, na multidão no bairro e nas caras conhecidas, teme-se suspeitá-las nas outras. bum! mais uma fileira de tijolos, a cerca reforçada, a segurança recriada mas há o problema da voz. soa o zum-zum que afugenta, e quando se individualiza o som perde-se o seu sentido no tratar mental imediato da contra-argumentação, o Medo, a defesa da Verdade ameaçada. dói, e muito, olhar para trás do espelho e ver a merda que se acumulou em anos. o envelhecer, aí, é mais rude, feio, que aquele do espelho, o outro lado, aquele que procuramos para conforto sem olhar para a parte oculta, a traseira do reflexo. teias de aranha e outras miudezas e grandezas amontoam-se, cómodas no seu aconchego ganho por anos de… inacção intelectual, “verdades” assumidas como imutáveis. daí a surdez, será? (comecei o parágrafo como ‘pró’ mas descaiu; é a andropausa no seu fulgor)
este post termina aqui. a seguir vou fazer dele espelho e vou relê-lo três vezes. “as usual”, espelho meu…
(eu não existo: flutuo e um dia destes desapareço. que ninguém inale as cinzas)

1 comentário:

Anónimo disse...

Haja um que escreva, tu! - ainda não tinha comentado porque achava bonito que este 'blog' fosse clandestino... e teu.
O 5 vai ao ar, saudavelmente, decidi ouvir dois amigos a quem não consegui aldrabar. Vim dizer-te antes de o comunicar aos outros (depois de vir do café), porque foi a ti que contei que ele tinha nascido.
Quanto ao livro do J.Gil, nada me acrescentou, a sua importância é ter dito, num português acessível aos adormecidos, o que a 'pátria' não vale. Coisa que eu já sabia.
Beijo grande, muf'.