domingo, 3 de março de 2013

o smog do novo mundo.


o novo mundo. e nele - que chegou, que chegou, que chegou - somos as personagens por encontrar-nos, aflitos, intoxicados pelo desconhecido. identificarmo-nos, reconhecer um viver para conseguir vivê-lo sem nós de angústia, sairmos dum torturado gatinhar o inseguro desconhecido para o reerguer sobrevivente. tanto novo mundo, inidentificado e reconhecível: tudo é estranho, novo, contrário a nós, nós o conhecido agora velho, caduco conhecido. sairmos do gatinhar antes que a neblina se evole e fique est'outra realidade ofuscante, sem o consolo do conhecimento. só ela, densa, pesada, malévola porque agressiva. só ela, e nós perdidos.
elmos. escudos. lanças, espadas e maças, gritos, palavras pesadas: precisamos de proteger-nos. erguer defesas individuais, uma a uma se fará o colectivo. reconhecer sinais, modos, barreiras e campo livre. sabermos. exigirmos saber. há um nevoeiro contaminado, um smog que não nos foi arbitrário mas qual capricho imposto como castigo, e polui o conhecimento do que é composta esta nova terra que se pisa, que treme e nos vacila, que não reconhecemos e nos torna a nós inidentificáveis no trôpego bailado de insegurança que são os dias. gritam os que têm medo mas gritam igualmente os que nada dizem, ainda atónitos, ainda no torpor.
vivemos uma revolução. mais rude que se armada pois nesta não há balas perdidas pois todas atingem todos, mais violenta que se rolasse nas tábuas a cabeça dum rei: todos somos depostos da modesta majestade da segurança do amanhã, todos sentimos a angústia do guarda-redes antes do penalty quando abrimos um jornal, ligamos a televisão, erguemos o medo para sondar além da nossa janela. sentimo-nos mutantes porque o mundo novo chegou e exige que continuemos mas retirou-nos o amparo das seguranças com que vivíamos, essa riqueza que desconhecíamos possuir em acreditar que, fora tragédias, amanhã nascerá o sol e as sombras protectoras serão conhecidas. agora não. agora nada é conhecido, nada sabemos. nada nos protege, nada há além do medo, do smog, dos lábios mordidos pela injustiça de tudo isto.
eu vivo a minha terceira. uso as palavras, não as pedras, se as arremesso pondero-as, vão no ar e corro atrás delas e penso que bons elmos são abraços, sou um fraco contestatário como já fui um fraco revolucionário. uma vírgula nas multidões, mas esforço-me em colocá-la como a pausa certa, gosto duma dicção escorreita quando se lêem pessoas ou mundos – e este novo é deserto de clareza, amálgama de violências, chumbo rotundo em exame de regras sociais. nele, para ele ou acerca dele, chego a pensar na espada como defesa legitimada, aguço letras, busco sinónimos agrestes, a insegurança e o medo querem tornar-me no que não sou (não era), a vontade de correr cortinas é forte, desistir de ser vírgula e render-me a mais um na multidão, grito no ar ao sinal, caminhos formatados. a força da tribo, o refúgio e o conforto do clã.
 
hoje não fui à manif, e estou tão hesitante como antes e o sopesava. parte de mim diz-me que errei - elmo, escudo, espada e maça -, mas resistências antigas, tão resilientes como justificadas, dizem-me o oposto: gosto das bandeiras espontâneas e desconfio da alma das orgânicas. esta era híbrida. romantismo? seja. em parte. porque bastou assistir no pós ao absolutamente pornográfico espectáculo dos números e das manipulações à volta deles para confirmar os tiques, o repulsivo jogo das mentiras acerca do tamanho das pilinhas. foi uma grande manif, ponto. enorme e significativa. então, porquê mentir, estragar? porque o orgânico tem medo do inorgânico, receia perder a essência do seu poder – o controle. aqui chegado conforto-me: estive de alma (e de teclado), mas continuo a não gostar das partes do velho mundo que, seja o novo o que for, não quero, não gosto, de vê-las transplantadas. o meu individualismo é tão arreigado como é feroz o medo em não me encontrar inteiro neste nevoeiro que não se dissipa. mordo, se necessário. escrevo para isso.

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