o novo mundo. e nele -
que chegou, que chegou, que chegou - somos as personagens por encontrar-nos,
aflitos, intoxicados pelo desconhecido. identificarmo-nos, reconhecer um viver
para conseguir vivê-lo sem nós de angústia, sairmos dum torturado gatinhar o
inseguro desconhecido para o reerguer sobrevivente. tanto novo mundo,
inidentificado e reconhecível: tudo é estranho, novo, contrário a nós, nós o
conhecido agora velho, caduco conhecido. sairmos do gatinhar antes que a
neblina se evole e fique est'outra realidade ofuscante, sem o consolo do
conhecimento. só ela, densa, pesada, malévola porque agressiva. só ela, e nós
perdidos.
elmos. escudos. lanças, espadas e
maças, gritos, palavras pesadas: precisamos de proteger-nos. erguer defesas individuais,
uma a uma se fará o colectivo. reconhecer sinais, modos, barreiras e campo
livre. sabermos. exigirmos saber. há um nevoeiro contaminado, um smog que não
nos foi arbitrário mas qual capricho imposto como castigo, e polui o conhecimento
do que é composta esta nova terra que se pisa, que treme e nos vacila, que não
reconhecemos e nos torna a nós inidentificáveis no trôpego bailado de
insegurança que são os dias. gritam os que têm medo mas gritam igualmente os
que nada dizem, ainda atónitos, ainda no torpor.
vivemos uma revolução. mais rude que
se armada pois nesta não há balas perdidas pois todas atingem todos, mais violenta
que se rolasse nas tábuas a cabeça dum rei: todos somos depostos da modesta majestade
da segurança do amanhã, todos sentimos a angústia do guarda-redes antes do
penalty quando abrimos um jornal, ligamos a televisão, erguemos o medo para
sondar além da nossa janela. sentimo-nos mutantes porque o mundo novo chegou e
exige que continuemos mas retirou-nos o amparo das seguranças com que vivíamos,
essa riqueza que desconhecíamos possuir em acreditar que, fora tragédias,
amanhã nascerá o sol e as sombras protectoras serão conhecidas. agora não. agora
nada é conhecido, nada sabemos. nada nos protege, nada há além do medo, do
smog, dos lábios mordidos pela injustiça de tudo isto.
eu vivo a minha terceira. uso as
palavras, não as pedras, se as arremesso pondero-as, vão no ar e corro atrás
delas e penso que bons elmos são abraços, sou um fraco contestatário como já
fui um fraco revolucionário. uma vírgula nas multidões, mas esforço-me em colocá-la
como a pausa certa, gosto duma dicção escorreita quando se lêem pessoas ou
mundos – e este novo é deserto de clareza, amálgama de violências, chumbo rotundo
em exame de regras sociais. nele, para ele ou acerca dele, chego a pensar na
espada como defesa legitimada, aguço letras, busco sinónimos agrestes, a insegurança
e o medo querem tornar-me no que não sou (não era), a vontade de correr
cortinas é forte, desistir de ser vírgula e render-me a mais um na multidão,
grito no ar ao sinal, caminhos formatados. a força da tribo, o refúgio e o
conforto do clã.
hoje não fui à manif, e estou tão
hesitante como antes e o sopesava. parte de mim diz-me que errei - elmo,
escudo, espada e maça -, mas resistências antigas, tão resilientes como
justificadas, dizem-me o oposto: gosto das bandeiras espontâneas e desconfio da
alma das orgânicas. esta era híbrida. romantismo? seja. em parte. porque bastou
assistir no pós ao absolutamente pornográfico espectáculo dos números e das
manipulações à volta deles para confirmar os tiques, o repulsivo jogo das
mentiras acerca do tamanho das pilinhas. foi uma grande manif, ponto. enorme e
significativa. então, porquê mentir, estragar? porque o orgânico tem medo do
inorgânico, receia perder a essência do seu poder – o controle. aqui chegado
conforto-me: estive de alma (e de teclado), mas continuo a não gostar das
partes do velho mundo que, seja o novo o que for, não quero, não gosto, de
vê-las transplantadas. o meu individualismo é tão arreigado como é feroz o medo
em não me encontrar inteiro neste nevoeiro que não se dissipa. mordo, se
necessário. escrevo para isso.
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