terça-feira, 22 de janeiro de 2013

"língua lindo"




 
não estou a escrever nada. devia mas não estou. diluo o que encontro pendurado, em silêncios tão bons que não têm tempo, em papéis amarrotados que aqui e ali deixo, bilhetinhos em bolsos que um dia os encontrarão - e se perguntarão, talvez: o que é isto? fumas-te até ao filtro e são estas as cinzas que nos mostras? é esta a tua tosse de escritor, o teu melhor catarro, aquele que faz as cabeças não virarem-se para olhar o doente mas debruçarem-se para ler minúcias da doença? oh... cura-te! escreve-te, soa, grita se for caso dum grito ou murmura quando nem as folhas da calçada devem estremecer se caminhas nu, como quando se escreve de escrever grande. tu sabes.... não lês os outros? então? sabes que não é tudo igual, que quando gatinham dum peito as cerejas roubadas sabem a céus, as palavras ganham desenhos e torna-se tão real como nos silêncios em que nos pensamos sem fim, sem fim, um sem fim daqueles que nunca acaba escrito (todos os temos). e nasce, é mais legível que se desenhado na mais bela prancheta e segundo diz o melhor estilo. abatem-se árvores para imprimi-lo.

uma vez vesti-me de domingos e fui dar uma volta ao quarteirão das luzes comigo mesmo, experiência que só não relato porque não quero levantar-me deste momento, este hiato, esta pausa-refúgio de não escrever além de murmúrios que devem soar como um ciciar de moribundos: os de quem não nasceu, enganou-se e retrocedeu. mas recordo-me e lá vou contando, por aí posso ir: a frase maldita foi escrita, é mais um bilhetinho. fui, andei, sonhei que trepava árvores, perdi o norte de que a beleza das nuvens está em serem eternamente distantes, e voltei a correr para casa envergonhado e assustado, rasguei-me até ficar minúsculo e ficarem estes papéis. estes e-papéis. bilhetinhos em e-bolsos e alguém os irá ler, notas soltas que juntas dão um caderno de capa preta e cantos amarrotados, um dos célebres promitentes futuro livro que num dia de muito sol “há-de vir”. mania: sem maiúsculas: não há soberba na modéstia (que nem isso é), o que gosto é de surpreender enfiando papelinhos amarrotados em mãos que sei lê-los fazendo-os ternos. e, quem sabe? sorrirem com a tosse insistente de quem nega que existe e em culto de agonias escreve, escreve, escreve e espirra, que desagradável seria fazê-lo com a arrogância musculada da maiúscula assertiva, canetas autoritárias cravadas no papel. tão pouca beleza! tenho estantes disso, eu li, eu sei.

o meu único livro encadernou-se à bela vista a 20 de Junho de 2005, fiz um discurso de merda e dei dezenas de autógrafos. depois houve a fase parva. houve, não: continuou. até que percebi: são mais simples os bilhetinhos, não têm badanas e têm mais cor, e quem os encontra lê mesmo e não arruma na estante: a beleza é a simplicidade. e desdigo: afinal sou um vaidoso, quero é que me leiam para auto-justificar-me deste escrever em “low cost”, sem rubor de mim, sem autógrafos, com um sorriso sincero e que se escreve traduzido em língua lindo, a tal que nos gatinha e faz as árvores vivas e acessíveis.
 
(texto publicado também aqui, no Autor Al. gracias, malta boa!)

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