domingo, 28 de outubro de 2012

o peso específico


" - Ora, por exemplo, as pessoas sardentas não são consideradas uma minoria pelas que não são sardentas. Não são uma minoria no sentido que estamos a dar ao termo. E porque não o são? Porque uma minoria só é considerada como tal quando constitui qualquer espécie de ameaça real ou imaginária para a maioria. E nenhuma ameaça é totalmente imaginária. Alguém discorda disto? se discordam, façam a seguinte pergunta a vós próprios: o que faria esta minoria se de repente se tornasse maioria, de um dia para o outro? (...)

"(...) A seguir vêm os liberais... (...) E dizem: «As minorias são feitas de pessoas, como nós.» Claro, as minorias são feitas de pessoas; de pessoas, não de anjos. Claro que elas são como nós... Mas não exactamente como nós (...)"

" - Portanto, vamos encará-lo, as minorias são constituídas por pessoas que provavelmente agem, pensam e têm um aspecto diferente do nosso e têm defeitos que nós não temos. Podemos não gostar do modo como se apresentam e se comportam, podemos mesmo odiar as suas faltas. É preferível admitirmos que não gostamos delas e que as odiamos do que tentarmos estragar os nossos sentimentos com sentimentalismos pseudoliberais. Se formos francos em relação aos nossos sentimentos, temos uma válvula de segurança; e se tivermos uma válvula de segurança, é menos provável que comecemos a perseguir... (...)

"(...) Agora suponham que esta minoria é perseguida, não interessa por que motivos: políticos, económicos, psicológicos... Há sempre uma razão, por mais errada que ela seja, e esse é o meu ponto de vista. E é claro que a perseguição está em si mesma errada, sempre. (...) Mas o pior é que nos precipitamos para outra heresia liberal. Porque a maioria perseguidora é vil, (...) por isso a minoria perseguida tem de ser imaculada. (...) O que impede os maus de serem perseguidos por outros piores do que eles? Será que todas as vítimas cristãs na arena tinham de ser santas?

"(...) Uma minoria tem a sua forma própria de agressão. Desafia a maioria a atacá-la. Odeia a maioria (...). Odeia até as outras minorias, porque todas as minorias estão em competição; cada uma proclama que os seus sofrimentos são os piores e que os seus males são os mais negros. E quanto mais odeiam mais perseguidos são, mais odiosos se tornam! Acham que sermos amados nos torna odiosos? (...) Então por que motivo o facto de sermos odiados havia de tornar-nos simpáticos? Enquanto estamos a ser perseguidos, odiamos as pessoas que contribuem para isso, vivemos num universo de ódio. Nem reconheceríamos o amor se deparássemos com ele. Desconfiaríamos dele! Pensaríamos que havia alguma coisa por trás... Algum motivo... Alguma armadilha..."


solilóquio de George Falconer in "Um homem singular", de Christopher Isherwood (Quetzal, 2011)

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