domingo, 13 de maio de 2012

Matchbox poético

no tempo em que fazia os meus mais lindos poemas rimava com facilidade tudo que terminasse em 'ão': era o meu coração a gritar por ser ouvido que se tratava, e até lágrimas eram bonitas e ficavam tão bem escarrapachadas na minha apaixonada poesia...

hoje, se faço um poema ainda o lavo e engelho nas paixões, e delas sai sempre um registo. um recado, um código, mais um suspiro de esperança: é quando o peito amolece que melhor se rima. por vezes julgo que o dissimulei e só eu e a musa o entenderemos... mas logo risco tudo, irritado: de que vale sofrer por amor se ninguém se compadece? acaso o amor se deve esconder, e não será pelo contrário caso para gritá-lo, a felicidade por senti-lo? um poeta vive da dor.

mas como envelheci e envaideci, perdi não só os amores cândidos (os mais belos!) como tenho cuidados na rima que estragam o poema - e naturalmente a mensagem que seria o abre-corações mágico que me ascenderia a ternuras renovadas e quiçá rejuvenescedoras: abandonei a liberdade da rima livre à minha paixão e, por exemplo, tenho especiais cuidados para nunca rimá-la com algo tão omnipotentemente belo como um camião.

"meu coração mais querido,
meu amor tão perfeito:
dou-te o meu camião,
dele faremos o nosso leito.

e nele te murmurarei poemas, loas mágicas ao amor.
mas jura-me solenemente que brincarás sem estragar,
paixões que tenho e vivo, e nele transporto"

(qualquer coisa assim derretia qualquer uma! acho... ;-)


são palavras que no meu íntimo rimam, e cá no fundo continuo a acreditar que se rasgasse a folha ao caderno e com ela embrulhasse em prendinha um dos meus mais queridos brinquedos, e assim me ofertasse de gordinho e mãos abertas, teria sucesso! eu tornar-me-ia irrecusável: quando se cansasse de brincar com o carrinho ela releria o poema, e vice-versa, e já estávamos em matéria de ♥ gordinho♥! e tanto (tanto! oh tão belo o meu camião!) vergaria qualquer coração ainda renitente, estupidamente indeciso!... quem não adoraria brincar assim? quem?

mas aos meus olhos d'hoje são conceitos em palavra que colidem tão frontalmente, que receio tal atropelamento lacerar a poesia de tal forma que ela se torne impublicável. camião, coração. sem INEM que lhe valha! ou cardiologista ou camionista, a vida moderna não está para açambarcamentos de paixões!

a métrica adulta rejeita verdades em que acredito mas escondo quando não falo em poesia: que um coração doente cabe bem em qualquer rima, em como são tão gigantes mãos que ainda sentem sentimentos de saudade que se recusam a amadurecer, e, nelas, cabe e caberá até à última folha de todas as folhas a rima fonética mais singularmente perfeita da paixão: tudo - tudo! - rima livremente com o amor. porque não o meu lindo camião? e que to dou? :-)

huummm... adoro esta minha miopia. não só me esconde as cãs brancas como me surpreende tanto, tanto... ainda agora meti a mão no bolso, e que encontrei? uns calções, um poema a embrulhar-me em brinquedo, e tão tonto ando que já quase me esquecia... ♥

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