quinta-feira, 22 de março de 2012

a minha catequese


nasci em '55 e vivi na Covilhã até '62, os meus seis, sete anos. foi na Covilhã que aprendi as primeiras das primeiras "coisas importantes", lá namorei a "minha Téta" e quis fugir de casa com ela (teríamos uns três ou quatro anitos...), mas primeiro fomos pedir um lanchinho à minha mãe para "a fuga". demos uma volta inteira ao quarteirão, o que era uma aventura tão extraordinária que por si justificava a merenda, e foi lá na aba da serra que me iniciei na catequese.

o que tem isto a ver com os filmes de terror dos anos 50's? bem, a "minha Téta" não tem nada, coitadinha, e ela só aparece na conversa porque se me ponho a pensar na Covilhã lembro-me sempre dela, e deste impulso infantil de fugir de casa... devidamente aprovisionado. já a catequese tem ligação directa, e conto-vos porquê. o que mais me recorda da catequese, aliás, a principal recordação que dela advém, pois os livrinhos dos santinhos com aqueles desenhos muito coloridos e luminosos é claramente uma memória que estaca secundária, são os filmes que nos sábados à tarde nos davam como rebuçado, finda a aula de catequese.

não sei de que mais géneros eram mas fixaram-se-me e cá bailam para sempre os de terror. a preto e branco, naturalmente, o que ainda os tornava mais credíveis. o das aranhas gigantes, então, era um sucesso. mexia com as fobias àqueles animaizinhos patudos e peludos, e fazia-os crescer tal como no écran de lençol esticado eles se agigantavam e pareciam saltar sobre nós. ou os monstros que viviam em lagos, ou os et's que vinham em discos-voadores para nos destruírem com raios laser, ou sei lá o quê muito luminoso e mortífero. nós gritávamos de medo e de excitação. duvido que naquele momento pensássemos nos santinhos para nos salvarem, e duvido também que quiséssemos ser salvos: embora de olhos arregalados e as mãos fincadas onde calhasse nunca desejávamos que a fita 'se enrolasse' e o filme parásse. saíamos de lá com a cara igual ao coração, e ríamos para disfarçar o medo, cheios de bravatas esconjuradoras, mas quando nos separávamos para cada um seguir para a sua casa o caminho era todo feito em pés de lã e a olhar para trás do ombro. acagaçados. nessas noites não me lembro, mas deve ter sido difícil adormecer, tão ricas seriam as sombras. era maravilhoso.

era maravilhoso e derreto-me em recordações assim quando dou com estes filmes, cândidos na sua tentativa de aterrorizar... a estes olhos adultos e de século 21. sim, tive a minha catequese. aprendi os padres-nossos todos e até comprei uns cromos de 'santinhos' para entregar à minha mãe. no global acho que não fui mau aluno e até cheguei a fazer a 1ª comunhão, mas essa já em África e a iniciar o processo de recusa de mais estudos religiosos... de ritual clássico. mas tenho saudade dos filmes. da emoção amedrontadora misturada com prazer. das "quelhas" da Covilhã, as ruas e as escadas empedradas, do largo do pelourinho e da escola Central, das idas à serra, da rua da Formosura número oito (lindo nome!) e do terraço da casa, onde aprendi a andar de triciclo, e de onde mandei para cima dum homem que fazia xixi na esquina da casa um enorme camião em madeira, que era o meu maior brinquedo a seguir ao triciclo. ele ralhou que se fartou mas a minha mãe ainda ralhou mais com ele quando soube o que ele estava a fazer.

era maravilhoso e gostava de reencontrar a Téta, e perguntar-lhe se se lembra. do lanchinho de pão com marmelada e da nossa aventura à volta do quarteirão. se também viu os filmes do sr. prior e compararmos os medos. de nós, nós crianças que fomos e às vezes destapamo-las na saudade que as escondeu, do medo igual (igual) àquele que nos punha as mãos a tapar os olhos mas que não conseguia tapar as frinchas por onde espreitávamos. tenho saudades de mim e quero "a minha Téta", tenho medo das aranhas e as voltas ao quarteirão felizmente continuam a ser um fascínio. resta resolver a catequese interrompida, o lanchinho. depois fujo.


(eu e a minha irmã na Serra da Estrela. provavelmente em 1960)

(a foto da Escola Central foi sacada no ilustradíssimo blogue Covilhã, cidade fábrica, cidade granja. thanks)

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