(...)
"Hesitam ambos. Será que ela não ficaria contente por ir já dormir? Um está sempre a beijar, o outro está sempre a ser beijado. Obrigado, Proust. Ele sabe que ela ficaria igualmente contente por prescindir do sexo. Porque se mostra mais fria em relação a ele? Está bem, ele tem uns quilos a mais à volta da cintura, e sim, o rabo dele já não aponta para norte. E se ela está a deixar de o amar? Isso seria trágico ou libertador? Como seria se ela o deixasse?
Seria impensável. Com quem falaria ele, como faria as compras ou veria televisão?
Esta noite, Peter vai ser o que beija. Daí a algum tempo, ela vai ficar feliz. Não vai?
Beija-a. Ela devolve-lhe o beijo de bom grado. Afinal, parece entusiasmada.
Agora já não consegue descrever a sensação de a beijar, o sabor da boca dela, demasiado próximo do sabor dentro da sua própria boca. Toca-lhe no cabelo, pega numa madeixa e puxa-a docemente. Durante os primeiros anos, era um pouco mais rude, até compreender que Rebecca já não gostava disso, que provavelmente nunca tinha gostado. Há ainda estes gestos que restam, repetições suaves de outros antigos, quando estavam juntos havia pouco, quando passavam o tempo a fazer amor, embora já nessa altura Peter soubesse que o desejo que sentia por ela fazia parte dum quadro mais vasto; que ele tinha tido sexo mais intenso (embora menos prodigioso) exactamente com três outras mulheres: uma que estava apaixonada pelo companheiro de quarto dele, outra que estava apaixonada pelos fauvistas e uma terceira que era simplesmente ridícula. O sexo com Rebecca foi extraordinário desde o início por ser sexo com Rebecca; com o seu espírito ávido, a sua ternura sensata e os indícios, à medida que se foram conhecendo um ao outro, daquilo a que ele só podia chamar o seu ser mais profundo.
Ela passa-lhe a mão pela coluna, com suavidade, pousa-a no rabo. Ele larga-lhe o cabelo, rodeia-lhe os ombros com a concavidade do braço, gesto que sabe de que ela gosta - dessa sensação de que a abraçam com força (uma das fantasias dele sobre as fantasias dela: ele segura-a no ar, a cama desapareceu). Com a mão livre, e com a ajuda dela, puxa a T-shirt para cima. Os seios de Rebecca são redondos e pequenos (quando inverteu aquela taça de champanhe sobre um deles para demonstrar que cabia, teria sido na casa de Verão em Truro ou na pensão de Marin?). Talvez os mamilos se tivessem tornado um pouco mais espessos e escuros - agora são precisamente do tamanho da ponta do dedo mindinho dele, e da cor de borrachas de lápis. Em tempos teriam sido um pouco mais pequenos, um pouco mais rosados? É provável que sim. Na realidade, Peter é um dos poucos homens que não ficam obsecados com mulheres mais novas, no que ela recusa acreditar.
Preocupamo-nos sempre com as coisas erradas, não é?
Aperta nos lábios o mamilo esquerdo, brinca com ele com a língua. Ela solta um murmúrio. Tornou-se uma coisa invulgar a boca dele nos seios de Rebecca e a resposta dela a isso, esse murmúrio exalado, o minúsculo estremecimento que ele sente a percorrer o corpo dela, como se ela não pudesse acreditar que aquilo, aquilo, estivesse a acontecer de novo. Agora o sexo dele endureceu. Nem sempre consegue dizer, nem isso lhe importa, quando está excitado por si mesmo, ou por ela também estar. Rebecca aperta-lhe as costas, já não consegue chegar-lhe ao rabo, ele adora o facto de ela gostar do rabo dele. Descreve círculos no mamilo dela com a ponta da língua, bate ligeiramente no outro com o dedo. Esta noite vai ser principalmente o orgasmo dela. As coisas passam-se assim muitas vezes, é assim há anos - assumem a sua forma, em qualquer noite (quando foi a última vez que fizeram amor que não fosse à noite, na cama?), em geral são decididas antecipadamente, por quem beija quem. Então este é para ela. É o que aquilo tem de excitante.
Ela tem uma prega de carne na barriga, as ancas tornaram-se mais pesadas. Mas, Peter, tu também não és propriamente uma estrela porno."
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"Ao cair da noite", Michael Cunningham, Gradiva, 2010
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