A Carla fez esta manhã o périplo scalabitano de livrarias e da biblioteca, e fui com ela. Necessita de certos livros que não possuímos para um trabalho que trouxe para férias, férias que terminam hoje. Pouco se encontrou, é assim. Mas conto o pormenor que me fixa a contá-lo, o que senti. Os livros (eu e eles), e o seu destino nesta modernidade insensível a tudo – até às sobras dos livreiros.
Nunca se editou tanto. Bom sinal, embora haja a convicção de que a comprá-los são sempre os mesmos, em ginásticas cada vez mais impossíveis e com pesadelos divididos entre os que ainda se desejam e os problemas domésticos com os que já não se desejam pois já se compraram (às vezes “fanam-se”, mas isso é de artista, adicto, e desesperado. cumulativamente.) Basta um único romance dum novo nome internacional aterrar cá no burgo e ser um sucesso de vendas, seja por espectacularidade literária, série televisiva ou magia de supermercado, para os editores correrem a comprar os direitos de todos os anteriores ao best-seller, tentando aproveitar a vaga e a moda, que sabem-nas quase sempre pouco dadas a perenidades de catálogo nobre, capa dura e edições especiais. É o negócio deles, e hoje a edição é sobretudo um negócio.
Por isso é com um toque de encanto de fim das coisas que vou lendo devagarinho o último Enrique Vila-Matas, Dublinesca, a história dum editor (Samuel Riba) que gosta de se pensar como o último dos editores clássicos, velho embondeiro do bom papel, ou velho elefante que, página a página, carícias que os nossos olhos lhe dão,
“Pertence à cada vez mais rara estirpe dos editores cultos, literários. E assiste todos os dias comovido ao espectáculo de ver como o ramo nobre do seu ofício – editores que ainda lêem e os que se sentiram sempre atraídos pela literatura – se vai extinguindo no começo deste século. Teve problemas há dois anos, mas soube fechar a tempo a editora que, ao fim ao cabo, embora tendo alcançado um notável prestígio, rolava com assombrosa obstinação para a falência. Em mais de trinta anos de trajectória independente, houve de tudo, êxitos mas também fracassos. O declínio da etapa final atribui-o à sua resistência em publicar livros com as histórias góticas na moda e outros pastelões, e esquece assim parte da verdade: que nunca se distinguiu pela sua boa gestão económica e que, por outro lado, talvez o tivesse prejudicado o seu excessivo fanatismo pela literatura.” (logo de entrada, na primeira página)
vai encaminhando o punho ao Autor, e assim o destino, para Dublin (Ulisses, Joyce), quem sabe o que o barcelonês lhe fará, cemitério celta e com rituais próprios para deuses frustrados, ou outro apogeu qualquer. Confio mais em Vila-Matas que numa holding de supermercados.
E assim os livros novos que não sejam de consagradíssimos têm um tempo de vida útil e exposta que ronda os três meses. Os livreiros precisam do espaço para exporem as novidades que, semanalmente, edificam a garantia do bom pagamento das contas.
O que acontece às sobras? São devolvidas à distribuidora e, sendo essa a sua deixa e a contabilidade do deve e haver pronta, os entregará nas mãos (obviamente desagradadas) da editora (talvez nem sempre, talvez…) E são armazenados, o seu sítio na Internet actualizado com as “promoções”, as feiras do livro municiadas, e os mais pobretanas até deverão mandar rezar missas se forem de fés menos prosaicas que pegarem no dinheiro em caixa e embebedarem-se, aguardando o solicitador de execuções e os selos nas portas. Avé, só as árvores é que morrem de pé porque as raízes não as deixam fugir.
Acredito que quem trate com amor – bela palavra – esses livros rejeitados pelas multidões ou por overdose dos bibliófilos, serão os Samuéis Ribas sobreviventes. Imagino-os olhando-os, nas caixas descarregadas pela carrinha da distribuidora, com um misto de tristeza pela míngua proporcional do cheque a haver, mas com sentimento de pai, de pastor, de amigo querido. Amor é isto.
Já nas grandes casas editoriais vejo tudo mecanizado, números e números, rácios, gráficos, a putakospariu que, talvez talvez, não seja muito difícil no jogo das perguntas encontrar cara sim cara não quem não pegue num livro fora do seu horário laboral (esta é contextualmente a palavra feia da crónica, não é a outra, perfeitinha.) Eles serão muito metodicamente arrumados, talvez pelo ISBN e não pelo apelido do autor, como vejo em trabalheiras o seu romântico oposto, dublinesco, quixotesco, um verdadeiro Riba pois lê o que vende e trata com carinho a capa ferida, o canto da badana dobrado, a lombada lascada, a sua ave de letras rejeitada. É que cada novo lançamento, cada novo autor que edita, é uma esperança dupla: o sucesso da sua casa, e o extasiamento do mundo literário. Raramente acontecerá assim (por isso Dublin?) mas lá no fundo todos o acreditam quando – finalmente! – pegam num original que esperava vez e ânimo, e acontece uma noite ser tão grande como é uma paixão, a luz da esperança acesa até à última folha do seu novo Autor. Nas tais ‘grandes’ não será assim, suponho que se entra com nome reconhecido, via recomendação conhecida e reconhecida, e talvez até se faça um estudo económico ao negócio proposto. Um de impacto ambiental não será importante, fãs que serão dum darwinismo aplicável à literatura: a sobrevivência dos mais aptos, e o resto são danos colaterais do progresso.
Existe outra flora editorial, e hoje crescem como fungos em bosque molhado, até nas redes sociais: as editoras faça-você-mesmo-e-eu-não-conto-a-ninguém. Não que sejam importantes para o assunto que me delonga, pois com eles não há sobras: o Autor que fique com elas, aliás que fique com todos pois pagou à cabeça a edição chancelada do seu sonho literário, o seu “primeiro livro”, e que findo o périplo do saquinho de plástico com meia dúzia aqui meia dúzia ali (à consignação), hibernarão na despensa caseira e dela emergem em milagre festeiro por natais e aniversários por muitos e muitos anos, até toda a família, amigos, vizinhos, ter um exemplar – só autografado ou de dedicatória supimpa, «para você escrevo mais tarde, tem de ser especial!» -, até reconhecer com a patine da luz dos tempos, e o pó acamado, «afinal também eu tenho sobras». É rara a que tem contrato com uma distribuidora, o que ‘mata’ logo o livro pois sujeita-o ao raio de alcance e ao desenrascanço do autor e único proprietário, e se calhou numa em que não haverá noites de encantamento com prosas mágicas só a bonita chancela e o aperto de mão no lançamento divergem da encomenda do serviço directa à tipografia, a “edição de autor”, dado que o importante foi tratado no escritório e em volta duma secretária: o livro é para ser lido é pelos leitores-compradores. Business é business e mai nada!..., toma lá o teu livrinho e baba-te mas desenrasca-te, e parabéns. Terrível. Até porque na mercearia do bairro não será fácil expô-lo(s), e lá se vai mais um sonho. Um processo que pode ser castrante para a aventura dum 2º, e tanta vez o tal assassinado à nascença é de facto um bom livro.
Então o que é que acontece às tais sobras milionárias? As de armazém rico? Alguns regressam às livrarias com chamariz de preço imbatível. Pague 1 e leve 2, pague 2 e leve 3, só € 4,90, só € 9,90, e por aí afora. É a sua última oportunidade. O armazenamento tem custos e, argumento imbatível de insensível, «somos uma empresa que quer continuar viável economicamente, não somos propriamente a Biblioteca Nacional ou a Torre do Tombo», etc., pelo que, como se soube há coisa dum ano atrás e não houve quem não sentisse um arrepio, vão em pilhas para a guilhotina, onde as palavras únicas desenhadas com a magia das palavras, os pensamentos loucos ou os loucamente profundos, os poemas (a poesia!), tudo, tudo, é trinchado até que das tais noites insones reste massa de papel, parte da nossa herança intelectual assim reciclada, que com tratamentos devidamente estudados levará a novos sonhadores de garbos de escritores folhas alvíssimas, onde não imaginarão os sepulcros qu’elas albergam, sonhos gémeos que “o mercado” rejeitou. É duro. É mesmo duro. Quando a hiper LeYa o fez e se soube, a indignação foi geral. Barulheira! Até a um colunista de nome e acrónimo famosos li chamar-lhes de filho-de-puta para baixo, para cima e para os lados!
A bronca foi tal que o Estado – há uma Secretaria de Estado da Cultura: assomou – fez perguntas públicas, também ele corado. «Porque não os oferecem? escolas, bibliotecas…», até se lembraram do gesto bonito dos nossos irmãos dos PALOP’s, e ouviu-se, melancólico, o refrão Ai Timor, Timor!... Debalde. Porquê? As ofertas naquele estádio da linha de produção liquidam imposto. I.V.A., Imposto de Valor Acrescentado (não entendo, mas depois do choque desta revelação os tais que entendem disseram que sim, é assim.) O Estado engoliu em seco e ruborizou-se fortemente, pensou no refrão «eu tenho dois amores», e criou uma comissão de trabalho para estudar o assunto e dar-lhe solução antes de nova execução capital, mas aqui eu já me perdi e, para mim, quando entrei na livraria onde entro há quase quatro décadas, e dei com as mesas pejadas de rimas iguais e os cartazes a chamarem-nos, eu vi patíbulos, eu vi tudo. E lembrava-me da minha carteira depenada. Os dedos estavam cheios de formigueiro e os olhos receosos dos títulos e dos nomes que iria encontrar. Vi-os, alguns. Temi por todos que não conheço, «sabe-se lá…», e com muito poucos usei a defesa (i)moral «a ter que ser, olha…». Não. É duro, é muito duro.
Salvei um. Após a primeira selecção visual de rejeições, às mãos tinha três e chorava por mais dois. Na carteira tinha duas notas, e fumo e tomo cafés. A senhora da livraria entendeu-me e quando lhe perguntei «até quando?...» o seu olhar tinha um tom triste (ela Riba, também?) mas tentou ser animadora, «até ao fim do mês, sr. Carlos, temos tempo…» Trouxe um e fiz a promessa de voltar. Tentar voltar (conseguirei). Resgatar mais um, dois, três, até porque quero-os, preciso deles. Toquei-os, sabem?
Entendam.
O livro para a Carla? Já não existia em lado nenhum. Ali, nos alis que nos são acessíveis no imediato. Daqui a um ano, talvez, ele regresse na rodinha pré-final. Talvez seja resgatado, ‘salvo’ mesmo que não seja para nenhum trabalho académico. Ele merece ser salvo. Eles, todos os que for possível.
Nunca se editou tanto. Bom sinal, embora haja a convicção de que a comprá-los são sempre os mesmos, em ginásticas cada vez mais impossíveis e com pesadelos divididos entre os que ainda se desejam e os problemas domésticos com os que já não se desejam pois já se compraram (às vezes “fanam-se”, mas isso é de artista, adicto, e desesperado. cumulativamente.) Basta um único romance dum novo nome internacional aterrar cá no burgo e ser um sucesso de vendas, seja por espectacularidade literária, série televisiva ou magia de supermercado, para os editores correrem a comprar os direitos de todos os anteriores ao best-seller, tentando aproveitar a vaga e a moda, que sabem-nas quase sempre pouco dadas a perenidades de catálogo nobre, capa dura e edições especiais. É o negócio deles, e hoje a edição é sobretudo um negócio.
Por isso é com um toque de encanto de fim das coisas que vou lendo devagarinho o último Enrique Vila-Matas, Dublinesca, a história dum editor (Samuel Riba) que gosta de se pensar como o último dos editores clássicos, velho embondeiro do bom papel, ou velho elefante que, página a página, carícias que os nossos olhos lhe dão,
“Pertence à cada vez mais rara estirpe dos editores cultos, literários. E assiste todos os dias comovido ao espectáculo de ver como o ramo nobre do seu ofício – editores que ainda lêem e os que se sentiram sempre atraídos pela literatura – se vai extinguindo no começo deste século. Teve problemas há dois anos, mas soube fechar a tempo a editora que, ao fim ao cabo, embora tendo alcançado um notável prestígio, rolava com assombrosa obstinação para a falência. Em mais de trinta anos de trajectória independente, houve de tudo, êxitos mas também fracassos. O declínio da etapa final atribui-o à sua resistência em publicar livros com as histórias góticas na moda e outros pastelões, e esquece assim parte da verdade: que nunca se distinguiu pela sua boa gestão económica e que, por outro lado, talvez o tivesse prejudicado o seu excessivo fanatismo pela literatura.” (logo de entrada, na primeira página)
vai encaminhando o punho ao Autor, e assim o destino, para Dublin (Ulisses, Joyce), quem sabe o que o barcelonês lhe fará, cemitério celta e com rituais próprios para deuses frustrados, ou outro apogeu qualquer. Confio mais em Vila-Matas que numa holding de supermercados.
E assim os livros novos que não sejam de consagradíssimos têm um tempo de vida útil e exposta que ronda os três meses. Os livreiros precisam do espaço para exporem as novidades que, semanalmente, edificam a garantia do bom pagamento das contas.
O que acontece às sobras? São devolvidas à distribuidora e, sendo essa a sua deixa e a contabilidade do deve e haver pronta, os entregará nas mãos (obviamente desagradadas) da editora (talvez nem sempre, talvez…) E são armazenados, o seu sítio na Internet actualizado com as “promoções”, as feiras do livro municiadas, e os mais pobretanas até deverão mandar rezar missas se forem de fés menos prosaicas que pegarem no dinheiro em caixa e embebedarem-se, aguardando o solicitador de execuções e os selos nas portas. Avé, só as árvores é que morrem de pé porque as raízes não as deixam fugir.
Acredito que quem trate com amor – bela palavra – esses livros rejeitados pelas multidões ou por overdose dos bibliófilos, serão os Samuéis Ribas sobreviventes. Imagino-os olhando-os, nas caixas descarregadas pela carrinha da distribuidora, com um misto de tristeza pela míngua proporcional do cheque a haver, mas com sentimento de pai, de pastor, de amigo querido. Amor é isto.
Já nas grandes casas editoriais vejo tudo mecanizado, números e números, rácios, gráficos, a putakospariu que, talvez talvez, não seja muito difícil no jogo das perguntas encontrar cara sim cara não quem não pegue num livro fora do seu horário laboral (esta é contextualmente a palavra feia da crónica, não é a outra, perfeitinha.) Eles serão muito metodicamente arrumados, talvez pelo ISBN e não pelo apelido do autor, como vejo em trabalheiras o seu romântico oposto, dublinesco, quixotesco, um verdadeiro Riba pois lê o que vende e trata com carinho a capa ferida, o canto da badana dobrado, a lombada lascada, a sua ave de letras rejeitada. É que cada novo lançamento, cada novo autor que edita, é uma esperança dupla: o sucesso da sua casa, e o extasiamento do mundo literário. Raramente acontecerá assim (por isso Dublin?) mas lá no fundo todos o acreditam quando – finalmente! – pegam num original que esperava vez e ânimo, e acontece uma noite ser tão grande como é uma paixão, a luz da esperança acesa até à última folha do seu novo Autor. Nas tais ‘grandes’ não será assim, suponho que se entra com nome reconhecido, via recomendação conhecida e reconhecida, e talvez até se faça um estudo económico ao negócio proposto. Um de impacto ambiental não será importante, fãs que serão dum darwinismo aplicável à literatura: a sobrevivência dos mais aptos, e o resto são danos colaterais do progresso.
Existe outra flora editorial, e hoje crescem como fungos em bosque molhado, até nas redes sociais: as editoras faça-você-mesmo-e-eu-não-conto-a-ninguém. Não que sejam importantes para o assunto que me delonga, pois com eles não há sobras: o Autor que fique com elas, aliás que fique com todos pois pagou à cabeça a edição chancelada do seu sonho literário, o seu “primeiro livro”, e que findo o périplo do saquinho de plástico com meia dúzia aqui meia dúzia ali (à consignação), hibernarão na despensa caseira e dela emergem em milagre festeiro por natais e aniversários por muitos e muitos anos, até toda a família, amigos, vizinhos, ter um exemplar – só autografado ou de dedicatória supimpa, «para você escrevo mais tarde, tem de ser especial!» -, até reconhecer com a patine da luz dos tempos, e o pó acamado, «afinal também eu tenho sobras». É rara a que tem contrato com uma distribuidora, o que ‘mata’ logo o livro pois sujeita-o ao raio de alcance e ao desenrascanço do autor e único proprietário, e se calhou numa em que não haverá noites de encantamento com prosas mágicas só a bonita chancela e o aperto de mão no lançamento divergem da encomenda do serviço directa à tipografia, a “edição de autor”, dado que o importante foi tratado no escritório e em volta duma secretária: o livro é para ser lido é pelos leitores-compradores. Business é business e mai nada!..., toma lá o teu livrinho e baba-te mas desenrasca-te, e parabéns. Terrível. Até porque na mercearia do bairro não será fácil expô-lo(s), e lá se vai mais um sonho. Um processo que pode ser castrante para a aventura dum 2º, e tanta vez o tal assassinado à nascença é de facto um bom livro.
Então o que é que acontece às tais sobras milionárias? As de armazém rico? Alguns regressam às livrarias com chamariz de preço imbatível. Pague 1 e leve 2, pague 2 e leve 3, só € 4,90, só € 9,90, e por aí afora. É a sua última oportunidade. O armazenamento tem custos e, argumento imbatível de insensível, «somos uma empresa que quer continuar viável economicamente, não somos propriamente a Biblioteca Nacional ou a Torre do Tombo», etc., pelo que, como se soube há coisa dum ano atrás e não houve quem não sentisse um arrepio, vão em pilhas para a guilhotina, onde as palavras únicas desenhadas com a magia das palavras, os pensamentos loucos ou os loucamente profundos, os poemas (a poesia!), tudo, tudo, é trinchado até que das tais noites insones reste massa de papel, parte da nossa herança intelectual assim reciclada, que com tratamentos devidamente estudados levará a novos sonhadores de garbos de escritores folhas alvíssimas, onde não imaginarão os sepulcros qu’elas albergam, sonhos gémeos que “o mercado” rejeitou. É duro. É mesmo duro. Quando a hiper LeYa o fez e se soube, a indignação foi geral. Barulheira! Até a um colunista de nome e acrónimo famosos li chamar-lhes de filho-de-puta para baixo, para cima e para os lados!
A bronca foi tal que o Estado – há uma Secretaria de Estado da Cultura: assomou – fez perguntas públicas, também ele corado. «Porque não os oferecem? escolas, bibliotecas…», até se lembraram do gesto bonito dos nossos irmãos dos PALOP’s, e ouviu-se, melancólico, o refrão Ai Timor, Timor!... Debalde. Porquê? As ofertas naquele estádio da linha de produção liquidam imposto. I.V.A., Imposto de Valor Acrescentado (não entendo, mas depois do choque desta revelação os tais que entendem disseram que sim, é assim.) O Estado engoliu em seco e ruborizou-se fortemente, pensou no refrão «eu tenho dois amores», e criou uma comissão de trabalho para estudar o assunto e dar-lhe solução antes de nova execução capital, mas aqui eu já me perdi e, para mim, quando entrei na livraria onde entro há quase quatro décadas, e dei com as mesas pejadas de rimas iguais e os cartazes a chamarem-nos, eu vi patíbulos, eu vi tudo. E lembrava-me da minha carteira depenada. Os dedos estavam cheios de formigueiro e os olhos receosos dos títulos e dos nomes que iria encontrar. Vi-os, alguns. Temi por todos que não conheço, «sabe-se lá…», e com muito poucos usei a defesa (i)moral «a ter que ser, olha…». Não. É duro, é muito duro.
Salvei um. Após a primeira selecção visual de rejeições, às mãos tinha três e chorava por mais dois. Na carteira tinha duas notas, e fumo e tomo cafés. A senhora da livraria entendeu-me e quando lhe perguntei «até quando?...» o seu olhar tinha um tom triste (ela Riba, também?) mas tentou ser animadora, «até ao fim do mês, sr. Carlos, temos tempo…» Trouxe um e fiz a promessa de voltar. Tentar voltar (conseguirei). Resgatar mais um, dois, três, até porque quero-os, preciso deles. Toquei-os, sabem?
Entendam.
O livro para a Carla? Já não existia em lado nenhum. Ali, nos alis que nos são acessíveis no imediato. Daqui a um ano, talvez, ele regresse na rodinha pré-final. Talvez seja resgatado, ‘salvo’ mesmo que não seja para nenhum trabalho académico. Ele merece ser salvo. Eles, todos os que for possível.
3 comentários:
Relato impressionante... não é ficção é realidade... já não sei se tenho lagrimas, se tenho coração para tantos desaires... a luta de uma vida me parece não ter tido significado, mas acredito que tenha feito algo que vai ajudando... pois todos os dias acordo serena...
és um amor. Mais não posso que agradecer, o livro e o comentário. Vou acabar... o livro... sair daqui para não acabar como o Riba... viciado.
(eles, books) é a minha droga mais. nem a sopa de cebola se aproxima, gaita...
daí que entro em ressaca, da bruta, quando imagino cenas que... :-( porra! :-(
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