quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Regressos

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Mas tudo cansa, menos as saudades. Essas abraçam-nos, amplexo cabrão que cada dia dá mais uma voltinha ao torniquete e quando reparámos estamos prisioneiros delas. Não de Lisboa e das suas lisboas, não do café nosso que isso resolveu-se com uma máquina Nespresso, não dos amigos e das notícias que para isso a Internet colmata e aguenta, que o exílio era provisório. As mais fundas, as dos suspiros lentos, ciciados, as das palavras murmuradas a medo como que receando que um desajeito estrague o desejo, uma precipitação magoe o sonho e ele grite, que além do mar espanholado que viam da varanda só houvesse África árabe e a sua, a deles, morresse como memória e ficção, esse casamento que o tempo constrói e legitima. Memória então exílio, então um crescer que se faz envelhecer e dessas rugas de fim do passado não há cura nem sorte nem desculpa: é a tristeza do fim de nós próprios, e odiamos o desconhecido que nos espera em reflexos de espelhos baços de ninguéns sem passado.
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Uma noite em que praticavam o bom hábito espanhol de fazer da varanda divisão principal da casa enquanto as noites o permitem, um dos dois - e não interessa qual! - abordou-o num toca e foge, soltou o suspiro e disse algo como ai, como gostava de lá voltar, ou outra deixa qualquer assim. Não interessa. Qualquer montinho de palavras servia. Talvez nem um montinho, talvez só uma, talvez até nenhuma pois bastaria o olhar: entendiam-se sem uso de sinais de fumo ou telegramas falados. Existia um tãn-tãn em código secreto quando se olhavam com as janelas abertas.
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Não se pense que o regresso a Moçambique foi o rabisco nesta vindima de Mundo, capricho ou hiato de calendário a preencher. É a sua terra, são das suas memórias individuais muitas das mais queridas, e igualmente uma dor comum por resolver, moínha com tempo a mais para deixar de lado havendo meios de coçá-la. Daí, talvez, os cuidados, os pruridos mútuos no adiar da ida, no sugeri-la, no ganhar balanço ao encontro dos seus passados sabendo ambos que se tocaria uma sinfonia sensível, e temendo que nas mãos lhes tremesse a batuta do equilíbrio e da sintonia. Mas... tinha de ser e assim aconteceu. Maputo foi servida sôfregamente e os primeiros quatro dias passaram-se na inevitável romaria da saudade, a que se seguiu um coro de choros que só as paredes do hotel conheceram, e rapidamente anuíram em rasparem-se dali, má onda a pairar e conspurcar as boas que entreviam quando olhavam os pormenores com a benevolente miopia da nostalgia. E assim aconteceu Niassa. O livro entra aqui.
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meu. inspirado por um livro e um sorriso. meu, dedos hesitantes mas meus até ao osso e suas miudezas. a foto é by Net e sem registo. minha, porque gosto dela. assim, abusivamente. assim, nunca abusivamente.

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