sábado, 23 de maio de 2009

Maio


"A crise da juventude, em todos os países modernos, tornou-se um assunto de preocupação oficial que só por si levaria o mais crédulo indivíduo a duvidar das possibilidades que a sociedade de consumo tem para integrar as pessoas. No caso-limite da constituição dos bando de adolescentes, é fácil verificar nos mapas que este bandos correspondem à localização das «grandes torres» de habitação, sobretudo em países relativamente retardatários como a França ou a Itália, onde o acesso às condições de vida do capitalismo moderno, embora menos notório, tem efeitos muito nítidos ao ver-se multiplicado pelo factor particular que constitui o novo habitat. Os bandos organizam-se a partir do terreno baldio, que é o último ponto de fuga existente no «território ordenado», ponto este que podemos considerar como a representação sumária, num estádio primitivo desmunido de tudo, das zonas não ocupadas, designadas no nosso programa de urbanismo unitário como um desvio da ideia de «buraco positivo» em física.



Mais profundamente, e mesmo sem falar no fenómeno extremo dos bandos de jovens, verifica-se o falhanço total do enquadramento da juventude pela sociedade. Felizmente, o enquadramento familiar vai desabando, juntamente com as outrora asmitidas razões de viver, com o desaparecimento do mínimo de convenções comuns entre as pessoas (e, com razões de sobra, entre as gerações), partilhando ainda as gerações mais velhas fragmentos de ilusões passadas e vendo-se estas sobretudo adormecidas pela rotina do trabalho, pelas «responsabilidades» aceites, pelos hábitos resumidos ao hábito de não esperarem mais da vida. Podemos considerar os actuais bandos de jovens como o produto dum novo género de desmembramento das famílias em clima de paz e num elevado estatuto, se os compararmos aos bandos de crianças errantes da guerra civil russa, formados a partir da fome e da destruição física dos pais." (...)

"Esta sociedade do consumo e do tempo livre é encarada, na existência real, como sociedade do tempo vazio, como consumo do vazio. A violência que ela gerou (...) põe tão radicalmente em causa o uso da vida, que esta só poderá ser reconhecida, defendida e salva por um movimento revolucionário que explicitamente proponha um programa de reivindicações respeitante a este uso da vida em todos os aspectos.



Vai tornar-se cada vez mais difícil dissimular a temível realidade da juventude por detrás das lamentáveis equipas de actores profissionais que representam no palco da cultura a expurgada imitação desta crise, com os nomes de beatniks, angry young men ou, de modo ainda mais açucarado, nouvelle vague. Aquilo que há coisa duns dez anos era característico duma «vanguarda», indignando tanta boa gente (...) vê-se agora espalhado por toda a parte." (...)

"A I.S. formou-se, em larga medida, a partir duma experiência muito avançada do vazio da vida quotidiana e da busca da superação desse vazio. (...) A I.S. propõe-se lançar contra este mundo escândalos mais violentos e completos a partir da liberdade clandestina que se afirma, um pouco por toda a parte, sob o pomposo edifício social do tempo morto, apesar de todas as polícias do vazio climatizado. Sabemos qual é a sequência possível. A ordem reina e não governa."

I.S. nº 6, Agosto de 1961



"- Que significa a palavra «situacionista»?
Este termo define uma actividade que pretende fazer as situações, e não reconhecê-las como valor explicativo ou de outra índole. E isto a todos os níveis da prática social e da história individual. Substituimos a passividade existencial pela construção dos momentos da vida, a dúvida pela afirmação lúdica. Os filósofos e os artistas limitaram-se até hoje a interpretar as situações; trata-se agora de as transformar. Visto o homem ser o produto das situações por que passa, importa criar situações humanas. Visto o indíviduo ser definido pela pela sua situação, ele quer ter o poder de criar situações dignas do seu desejo. Nesta perspectiva, devem fundir-se e realizar-se a poesia (a comunicação como resultado positivo da duma linguagem em situação), a apropriação da natureza e uma completa libertação social. O nosso tempo vai substituir a fronteira fixa das situações extremadas, que a fenomenologia complacentemente se limitou a descrever, pela criação prática das situações; vai continuamente deslocar esta fronteira graças ao movimento da história da nossa realização. Nós queremos uma fenómeno-práxis. Não duvidamos de que isto será a banalidade primeira do movimento de libertação possível no nosso tempo. Que se trata de pôr em situação? A diferentes níveis, pode ser este planeta, a época (uma civilização, no sentido de Burckhardt, por exemplo) ou um momento da vida individual. Toca a entoar a música! Os valores da cultura passada e as esperanças de realizar a razão na História não têm outra sequência possível. O resto decompõe-se. O termo situacionista, no sentido da I.S., é exactamente o contrário daquilo a que se chama actualmente em português um «situacionista», quer dizer, um partidário da situação existente, um salazarista, neste caso."

I.S. nº 9, Agosto de 1964

... extraídos de "Internacional Situacionista - Antologia", Antígona - Editores Refractários, 1997

Aqui, diversos textos da I.S. e-disponíveis.

(imagens daqui, daqui, daqui, daqui e daqui.)

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