sexta-feira, 17 de abril de 2009

Espelhos

Gosto do sorriso (ternura?) da moça da caixa do supermercado quando mostro o pacote de pensos higiénicos, inconfundivelmente juvenis a meus olhos e que julgo gémeos dos dela e de todos que olhem, que fui comprar para a minha filha, nada mais nas mãos e é pedido expresso pois nem amêndoas nem batatas nem cem gramas de fiambre me levaram às compras. E gosto de pensar que o sorriso dela é de ternura por na compra solitária adivinhar uma cumplicidade que a geração e o género não nos surripiam.
Gosto de pensar bem de todas as pessoas, naquele desejo encoberto que seja recíproco e as ditas paz e harmonia sejam mais que palavras escritas. Porque gosto das pessoas tal como gosto de mim e quando as olho vejo espelhos que não quero iguais aos da Feira Popular, porque gostava que nas nossas realidades os gordos sejam gordos e os magros magros sem batota nos espelhos, que se lessem os olhos como um romance onde a fé no escritor dura até à última folha.
Gosto de mim o criança ternurenta, o adolescente despassarado e o adulto amargurado. Até desse, vejam lá as coisas de que eu gosto. Gosto de flores, já agora, e entristece-me saber que há quem não goste delas além do Google Imagens ou do jardim que não frequentam para mais que o xixi e o cocó do Lulu. Gosto do meu lulu que se chama Tufas e é a cara-de-parva mais linda do mundo. Gosto de ser totó e fazê-las por achar que ainda conseguir dar borradas é não ser um pedigree sisudo mas um inapto funcional fora dos jardins dos meus sonhos. Flique-flaque ao tempo verbal e gostava de ter um Porsche e uma garagem e, para corrigir a redacção, nela guardo no presente indicativo revistas cheias de fotos dessas luas futuras. Já agora gosto de luas mas dizê-lo não é novidade, pois não? até a moça da caixa do supermercado o sabe (a ternura? sim) e eu estou contente por isso.
Porque gosto de mim assim, fugitivo de tudo quando a vejo e vejo-a em tudo que olho pois - contei-vos? sou daltónico e gosto das cores todas e tenho uma alegria infantil em baralhá-las baralhando-me, rapaz de pêlo na venta que não veste o rosa mas tudo que vê, diga-se em conclusão facilitadora aos felizardos que notam os tons todos em todas as cores, é assim. Simplesmente é assim e nesta contradição biológica adolescente está a acne indispensável para quando me olho ao espelho gostar de mim. Nem magro nem gordo, alto baixo pencudo careca orelhudo, rapaz de pêlo na venta que não veste o rosa mas tudo que vê é assim.
Diz o outro, o entre todos a que mais fujo, que se pudesse gostava de não ser tanto eu assim. Mudava umas coisinhas, somava sucessos adultos e apagava excessos acriançados. Quando quisesse ver luas comprava um bilhete para a barraca dos espelhos na Feira Popular. Abria uma conta-poupança e daqui a dez anos tinha um Porsche. Blá blá blá, os caminhos dos sucessos e uma gravata nova, e outro careca barrigudo sisudo cantaria. Não sei é se a minha filha me pediria que lhe fosse comprar os pensos higiénicos e a moça do supermercado me sorriria, e na minha garagem continuaria a haver lugar para tantas luas como as que vejo em cada cor que encontro quando vou ao jardim.
É, gosto mesmo de mim assim, e o grave a havê-lo na arquitectura da garagem onde cabem jardins são as fundações disformes, desproporcionadas para mais, imunes ao caruncho que o grisalho telhado deixa florescer nas paredes, nas revistas, no espelho, aos olhos de quem olha além do luar que me retém, acreditando nisso como demão mágica a paredes e telhados, tapa buracos de ser disfuncional além das cores. Ilusão de espelho, gostar de mim assim?

1 comentário:

Tareca disse...

E como eu gosto de ti !! Te vi e senti...


: ) euzinha , a melga rsssss