sábado, 21 de fevereiro de 2009

epistolar estival: o calor das praias imaginárias

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"Estou à procura de como encher o tempo, o raio do vazio que não é vazio pois tenho o cérebro fervilhante de picadelas dos cactos mais perigosos do mundo, conhece-lo Princesa? as picadelas doem pra caraças, pior que as das alforrecas e as queimaduras das garrafas-azuis. E assim corro para o passado e os chuveiros em frente ao Dragão e molho-me dessalinizando-me, desidratando-me de sentir. E não sai... não, não sai: de imediato vem-me à memória a tua foto sentada na areia lá perto, terias a idade linda que sempre tens mas não era esta d'agora em que te encontrei e vi-te pois é a do outro tempo em que nos encontramos e não te vi. Aquelas praias eram lindas e na idade da foto frequentei-a ao mesmo tempo que tu. Era o 24 que ia do Alto-Maé até lá? talvez. Ou esse ou outro, mas sábados ou domingos lá ia eu, por vezes com um ou dois amigos mas muita vez só. Vou contar-te uma coisa, um dos meus desejos de então e lembro-me da vez desse veludo me ter tocado.

Passávamos a maior parte do tempo a correr para os gelados e os rolos de barquilho (cá é "bolacha americana" e quase nunca se encontra, que saudades...), galávamo-nos em miradelas pró-namoriscadeiras e fazíamos longos passeios á beira água e tanta vez até ao fim dos pontões onde a água crescia tanto que poucos - que não eu - atreviam-se a lá das rochas fazer-se a ela. Era pelo desfilar, uma passarelle que as pitinhas faziam regaladas com os olhares e os pitinhos faziam por vocês. Mas éramos putos além da puberdade que nos ocupava vinte e duas horas por dia: nas outras duas brincávamos como putos que éramos... e estávamos na praia, essa enorme banheira onde chapinhávamos alegria sendo que os patinhos de borracha éramos nós.... e vocês.

Deitado na areia olhava invejoso quem tinha uma mão para agarrar, uma cintura para enlaçar. A tua andava lá e tê-la-ei visto pois uso óculos e nada me escapava. Mas não a enlacei nem me deste a mão e tal como tu nenhuma outra pitinha alguma vez lá o fez. Na areia amargurava os ciúmes de não ter. Imagina o ter e a minha necessidade de "amar" corria como areia fina quando vinha o vento lá dos lados onde seria a Xefina, a Inhaca, os paraísos, e na minha busca de ilhas de romance mergulhava ou fazia que mergulhava nas águas, pouco a pouco aproximando-me dos grupos já formados ou que se formavam conforme as ondas caprichavam e, nas rodas, jogava-se à bola, ao chapinhar mútuo, e às guerras a cavalo. Eis o ponto, a memória...

A combinação clássica por todas as razões mais aquelas que nós, rapazes e raparigas sabíamos e julgávamos mais ninguém sabê-lo, era o boy convosco às cavalitas e digo-te que por muito que as pernas tremessem e os ombros doessem com o peso nunca houve e há ponto que fale dum desistente ou sequer de protesto, tal o êxtase do momento...! Ora numa vez consegui glug-glug integrar-me num grupo e ser aceite por ele e depois de todo o resto - sim! brincar! e é tão bom! - chega a hora de ‘crescermos’ e esse crescer é tão urgente que após formados os pares previsíveis ficam as sobras e delas fui repescado por uma amazoninha que se encavalitou para uma guerra que só era guerra pelos gritos de alegria e pela firmeza com que as mãos do cavalo seguravam as pernas da cavaleira, primeiro e porque a confiança vai-se conquistando só até aos joelhos e depois «ai a onda! segura-me! (rsss)» /«desculpa (rsss), não caias! (rsss)» o tacteio alcança o éden e nem ondas nem bola nem praia nem barquilhos nem nada ousa mexer no momento mágico que é sentir uma perna de pitinha acima do joelho... sim, tenho memórias felizes da minha adolescência na praia do Miramar e nelas também tu estás, Princesa...

Por vezes penso que toda a vida te procurei. Nas muitas miúdas por quem me apaixonei afinal procurava nelas a Princesa. A minha Princesa, "a namorada que sempre sonhei". Não estou triste pelo tempo das praias e das guerras a cavalo ter acabado, Princesa: afinal encontrei-te, não é? E desta vez não me perdi no som das luzes dos bikinis azuis ou no espectacular barulho dos panelões das motorizadas e vi-te e viste-me e «'bora lá, cavalitas!», brincamos felizes, chapinhamos as feridas e dessalinizamos as vidas, as nuvens cinzentas das vidinhas. Acariciamo-nos tal qual as carícias adolescentes devem ser e sê-las e existir para uma manhã de praia-vida ser uma manhã feliz, textura deliciosamente aveludada e boca cheia de risos de alegria por a areia estar quente, quase tão quente como os corações e a água mágica que os banhava."
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Breve Nota: encontrei a Minha Princesa. Construí-a. Com carinho. Existe. É real. Perfeita, no seu castelo que folha a folha escalo. Tão perfeita como o sonho de escrevê-la igualmente é.

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