sábado, 11 de outubro de 2008

Adolescer

"The good old days never return". Ainda bem pois estou melhor municiado para serem mais do good do que foram, e eu adolesço conforme vou contar. Tenho um brinco e vou usar um rabo-de-cavalo. Os anos escorregam-me na pele como se deslizassem em óleo e caem num ralo que olho aos pés e não vejo mas sabendo que está lá, e lá mergulham todos os sinais da maturidade que deviam ser característicos da minha idade biológica e não os encontro. Nenhum. O ralo. Foram-se e não sei se perdi se ganhei. Adolesço continuamente, noto-o em coisas de nada mas juntas endireitam-me os ossos e olham com vontade de bis o brinco que tive e já não uso, e se tenho uma recaída de pensar e envelheço chego a ter medo pois se é ilusão não é natural. Mas não é: o buraco na orelha permanece, apalpo e sinto-o. O natural seria envelhecer mas embora veja que os cabelos têm mais fios prata que no ano passado neste apetecem-me coisas que nunca soube fazer. E outras que soube mas já não faço, mesmo do antes de guardar o brinco. De muito antes, valha a verdade. Por isso acredito que não é ilusão nenhuma e retrocedo no tempo com a mesma irreversibilidade com que até há pouco lhe avançava, retrocedo quando penso no brinco e até ando com vontade em aproveitar os cabelos que já não corto há uns vinte centímetros de meses e penso que um rabo-de-cavalo dava-me jeito. Outra: nunca soube dançar mas agora apetece-me sabê-lo. Bailar, as mãos numa cintura e os rostos tão colados como ela, a música e a mãe dela deixarem. Ciúmo-me de não sabê-lo e quero ir a treinos para aprendê-lo. Também de não saber tocar viola ou bandolim, abrir o baile e raspar-me mais a cintura ainda as cordas dedilham olhos brilhantes. De brinco e rabo-de-cavalo, a prata apanhada atrás em cofre sem fecho mágico e só secreto para mim. Nunca soube namorar mas refilo com o lado bonito do mundo por me ignorarem como 'date' plausível, eu que quero voltar ao liceu e aprender a engatá-las para passear de mãos-dadas e roubar beijos apaixonados, fazer juras eternas e acreditar que são assim mesmo. Até já fui procurar em caixas velhas que me envergonham de antigas resíduos de brinquedos do meu filho varão, hoje um matulão de vinte e seis anos e com certeza mais maturo que eu, eu que tenho um brinco na calha de regresso e olho de esguelha os elásticos de cabelo da filhota mais nova, dezasseis, pronto a gamar-lhe um. Carrinhos, procuro carrinhos nas caixas velhas para brincar. Não fosse o Inverno à porta e as varizes nas pernas e não tardaria a andar de calções. Posso sempre usar meias altas, mas isso dava-me um ar tirolês que me envelheceria pois nunca fui à Áustria, apenas vi o “Música no Coração” the movie e o à La Féria. Quando era miúdo genuíno e não aprendia a dançar para namorar ia ao consulado da Áustria e trazia resmas de catálogos onde via a neve e as casas nos vales, e gostava. Deve ser daí que me lembrei das meias. Outra ainda: tivesse mesada para isso ou um primeiro emprego como no antes haviam e eu tive um e voltava a comprar uma mota e estava pronto a reesfolar joelhos e cotovelos para verificar espalhafatosamente e pintalgado de mercurocromo que já não sei fazer um cavalinho. Mas havia de apanhar-lhe o jeito de novo. Adolesço, por isso reaprendia. E dançava, e namorava. Os carrinhos seriam reprise, queria era aprender o que não aprendi e por isso voltavam para a caixa pois há coisas onde não se deve mexer, matéria dada tal como os berlindes em bolso meio cheio de rebuçados. Adolesço, não infantilizo. O baile, o beijo, a viola e a mota. Nada mais.


Envelhecer custa. Mas não me chamem patético: tenho um furo na orelha esquerda que diz e conta que isto teve um princípio tardio mas depois tive medo e esqueci o brinco numa gaveta. O rabo-de-cavalo vai fazer de vez levantar a roda da frente até à esquina do fim da rua. Depois as miúdas na esplanada serão o semáforo: ou derrapo com a viola a tiracolo e estaciono e bailo, ou carregam no botão e páro de adolescer e envelheço apalhaçado numa mota cheia de cromados que pimba-combinam com o brinco e o tal cofre. Tentar não custará assim tanto e cavalinhos já os treino diariamente, arranhão a arranhão.



(foto do 'cavalinho' gamada no site de um 'puto' mais ou menos como eu quero voltar a ser. e ele que me perdoe o rapinanço. se se der ao trabalho de ler dos porquês por certo entenderá e não se zangará. talvez até me empreste a motorizada para uma voltinha ;)

4 comentários:

Ana disse...

Adolesço, não infantilizo.

E não é que isso também me ocorre com frequência?!

:)

Carlos Gil disse...

Ana... e "não é tão boommm..." ?

:)

bjs

Erecteu disse...

Se houver por aí uma tipa na versão Giladolescente, façam favor:
96KKKKK69,
Tanquíu.

Carlos Gil disse...

eu tenho uma mana. com algumas das manias de família. mas somos tãoooo diferentes: a exemplo, dança marrabentas e eu, leste, nem um tango sou capaz... ;)

abraço e bem-vindo ao tasco. o bar é aberto das 14 às 4 da matina. a bucha é que tem de se trazer de casa :)))