“Li-te atentamente. E, sem surpresa, vi que me percebeste. Um beijo adicional por isso, igualmente um sorriso rasgado por saber que tu, também, soubeste que aquela foi uma "época diferente" e não lhe esqueceste o travo. Tempo de mudança de conceitos, mentalidades, em que os ecos das revoluções culturais que aconteciam no hemisfério Norte demoravam um pouco a lá chegar, escolhos da distância e não só. Embora, por aí, lá nas colónias até se vivesse mais 'folgadamente' que cá, a "metrópole" exageradamente conservadora e fechada ao além suas fronteiras, as físicas e as psicológicas. É minha convicção.
Não me restrinjo ao celebérrimo Maio de 68 que, então, tanto mudou nas formas de pensar e cujos efeitos mexeram com a sociedade global por décadas, pese o "movimento" em si ter sido "politicamente assassinado" pouco mais dum mês após ter-se iniciado. Não esqueço que, uns 30 dias depois do seu início, Malraux, escolasticamente um guru intelectual da gauche francesa e europeia, foi um dos cabeças da manif dum milhão que encheu os Campos Elísios... contra as greves dos estudantes universitários e dos pólos industriais que, então, lhe aderiram (usine Renault de Billancourt, etc). E, sessenta dias depois, Charles de Gaulle que no início das manif's fizera uma retirada estratégica para fora do País - 'asilou-se' na então RFA, se bem me lembro - teve a maior maioria de sempre em eleições presidenciais francesas: 80%. Portanto em termos políticos imediatos Maio de 68 foi uma falácia, quase um nado morto após a euforia folclórica. Mas as ondas de choque que iniciou propagaram-se por todo o mundo Ocidental e deixaram rastos de mudanças, maior espaço à liberdade de pensar e, principalmente aos jovens, uma irreversível conquista do direito a comportamentos com matriz libertária, rotura com o status herdado da geração anterior e que, se já em picos ocasionais era posto em causa, a partir de Maio'68 essa 'revolta' ganhou asas e sedimentou-se. Nós, esta geração, duma forma ou doutra todos sentimos as suas benesses e somos dalguma forma portadores do facho da sua herança.
Simultaneamente, do outro lado do grande charco os movimentos de luta pelos direitos cívicos da minoria de ascendência afro atingia o seu auge (Luther King, Malcolm X), as manif's anti-guerra do Viet deixaram a dimensão residual e tornaram-se um fenómeno social nacional que varreu os USA de Leste a Oeste, a tão falada revolução sexual era logicamente cabeça-de-cartaz nas conversas e nos afagos, o movimento hippie atingia o seu auge orgástico com o celebérrimo concerto de Woodstock em '69, e de tudo isso, fosse com atraso ou não, lá chegaram ecos e decorrentes influências. Do Woodstock, felizmente, também chegou o filme-documentário que, contas d'agora, terei visto umas três vezes no mesmo período, número só batido pelo western spaghetti "Trinitá, o cowboy insolente" que vi sem vergonha alguma umas cinco vezes consecutivas no cinema Dicca, LM. Afinal ser puto é ser puto e há fascínios inerentes ao estatuto que são de aproveitar antes de ficarem fora de prazo.
Da mesma informalmente forçada forma em que chegavam os ecos de documentário alternativos ao chatérrimo "Assim Vai o Mundo", que os cinemas passavam antes do filme, também acontecia chegarem livros/fotocópias de/ que eram proibidos pois o direito a pensar estava espartilhado; puxo do meu exemplo pessoal, claro que adornado com o irresistível smell do proibido: em 73/74 eu lia textos da Internacional Situacionista mesmo que não percebesse nada do que lia, Marx já me cheirava interiormente a demodée mas não o confessava nem ao meu melhor amigo (pré-revolução; que no vivê-la o charme nos primeiros tempos é outro), nutria um fascínio intelectual de 'puto' por Bakhunine's e trupe, e o meu guru privado era obviamente Wilhem Reich. Leituras via empréstimos de amigos que chegavam da 'metrópole' onde estudavam e, alguns, duma outra Europa que tinha também outra maneira de pensar e agir - melhor: de deixar pensar e tolerante no deixar agir. E a literatura 'subversiva' circulava se, efectivamente, quiséssemos saber mais além dos matizes dourados ou cinzentos (depende de quem olhava) que enchiam a cúpula do nosso dia-a-dia.
Os jovens reivindicavam o direito a sê-lo duma forma mais consentânea com a nova Era que, se lá só emergia, já assentara praça e forma por todo o mundo Ocidental. E nós vivemo-lo, mesmo que sem consciência política global que soubesse responder aos tantos "porquês" que se levantavam, pois ou era vedada ou passada à lupa, assumimo-la, individualmente e até inconscientemente dos porquês por que o fazíamos, pela irreverência de comportamentos e poses sociais 'lutamos' por um novo e mais confortável espaço junto do tradicionalismo das famílias e da sociedade. Esta também reagia e moldava-se aos novos tempos. Por falar em tempos e aproveitando a deixa, disso é exemplo a lufada de ar fresco à sociedade - toda- que foi o surgimento da revista "Tempo", em princípios de 70. Tirando casos e nomes isolados, poucos, nunca ninguém, um órgão de informação de grande circulação e todo o seu colectivo se atrevera como eles a fazer capas e reportagens sobre assuntos que eram tabus, quase vacas sagradas. Aí na tua terra, a Beira, houve bons exemplos da coragem de remar contra a maré, dando a cara e assinando por baixo. Assim de repente recordo Carneiro Gonçalves e Gouvêa Lemos, ambos já falecidos, aquele até precocemente num estúpido acidente de viação na Manhiça quando estava a horas de embarcar para a "metrópole" e assumir nada menos que a chefia da redacção do explosivo neófito da imprensa portuguesa, o hoje ainda referencial semanário "Expresso", a convite directo do seu proprietário, Francisco Balsemão na altura mais conhecido nos Estoris como "Chiquinho do Porsche" (mangusso; mangusso de primeira água... lol).
Dos excessos? claro, onde não os há quando de repente "tudo" que era assumido como placidamente eterno é posto em causa? e por "fedelhos", ainda por cima? Mas lá não destoamos do resto do Mundo nosso geracional e também CONSEGUIMOS. À nossa escala, pequenas vitórias que se iam conquistando e acumulando no bornal dos Direitos, mas fizemo-lo. Ámen. A nós e aos tempos, que a estes quem os viveu nunca os esquecerá.”
Não me restrinjo ao celebérrimo Maio de 68 que, então, tanto mudou nas formas de pensar e cujos efeitos mexeram com a sociedade global por décadas, pese o "movimento" em si ter sido "politicamente assassinado" pouco mais dum mês após ter-se iniciado. Não esqueço que, uns 30 dias depois do seu início, Malraux, escolasticamente um guru intelectual da gauche francesa e europeia, foi um dos cabeças da manif dum milhão que encheu os Campos Elísios... contra as greves dos estudantes universitários e dos pólos industriais que, então, lhe aderiram (usine Renault de Billancourt, etc). E, sessenta dias depois, Charles de Gaulle que no início das manif's fizera uma retirada estratégica para fora do País - 'asilou-se' na então RFA, se bem me lembro - teve a maior maioria de sempre em eleições presidenciais francesas: 80%. Portanto em termos políticos imediatos Maio de 68 foi uma falácia, quase um nado morto após a euforia folclórica. Mas as ondas de choque que iniciou propagaram-se por todo o mundo Ocidental e deixaram rastos de mudanças, maior espaço à liberdade de pensar e, principalmente aos jovens, uma irreversível conquista do direito a comportamentos com matriz libertária, rotura com o status herdado da geração anterior e que, se já em picos ocasionais era posto em causa, a partir de Maio'68 essa 'revolta' ganhou asas e sedimentou-se. Nós, esta geração, duma forma ou doutra todos sentimos as suas benesses e somos dalguma forma portadores do facho da sua herança.
Simultaneamente, do outro lado do grande charco os movimentos de luta pelos direitos cívicos da minoria de ascendência afro atingia o seu auge (Luther King, Malcolm X), as manif's anti-guerra do Viet deixaram a dimensão residual e tornaram-se um fenómeno social nacional que varreu os USA de Leste a Oeste, a tão falada revolução sexual era logicamente cabeça-de-cartaz nas conversas e nos afagos, o movimento hippie atingia o seu auge orgástico com o celebérrimo concerto de Woodstock em '69, e de tudo isso, fosse com atraso ou não, lá chegaram ecos e decorrentes influências. Do Woodstock, felizmente, também chegou o filme-documentário que, contas d'agora, terei visto umas três vezes no mesmo período, número só batido pelo western spaghetti "Trinitá, o cowboy insolente" que vi sem vergonha alguma umas cinco vezes consecutivas no cinema Dicca, LM. Afinal ser puto é ser puto e há fascínios inerentes ao estatuto que são de aproveitar antes de ficarem fora de prazo.
Da mesma informalmente forçada forma em que chegavam os ecos de documentário alternativos ao chatérrimo "Assim Vai o Mundo", que os cinemas passavam antes do filme, também acontecia chegarem livros/fotocópias de/ que eram proibidos pois o direito a pensar estava espartilhado; puxo do meu exemplo pessoal, claro que adornado com o irresistível smell do proibido: em 73/74 eu lia textos da Internacional Situacionista mesmo que não percebesse nada do que lia, Marx já me cheirava interiormente a demodée mas não o confessava nem ao meu melhor amigo (pré-revolução; que no vivê-la o charme nos primeiros tempos é outro), nutria um fascínio intelectual de 'puto' por Bakhunine's e trupe, e o meu guru privado era obviamente Wilhem Reich. Leituras via empréstimos de amigos que chegavam da 'metrópole' onde estudavam e, alguns, duma outra Europa que tinha também outra maneira de pensar e agir - melhor: de deixar pensar e tolerante no deixar agir. E a literatura 'subversiva' circulava se, efectivamente, quiséssemos saber mais além dos matizes dourados ou cinzentos (depende de quem olhava) que enchiam a cúpula do nosso dia-a-dia.
Os jovens reivindicavam o direito a sê-lo duma forma mais consentânea com a nova Era que, se lá só emergia, já assentara praça e forma por todo o mundo Ocidental. E nós vivemo-lo, mesmo que sem consciência política global que soubesse responder aos tantos "porquês" que se levantavam, pois ou era vedada ou passada à lupa, assumimo-la, individualmente e até inconscientemente dos porquês por que o fazíamos, pela irreverência de comportamentos e poses sociais 'lutamos' por um novo e mais confortável espaço junto do tradicionalismo das famílias e da sociedade. Esta também reagia e moldava-se aos novos tempos. Por falar em tempos e aproveitando a deixa, disso é exemplo a lufada de ar fresco à sociedade - toda- que foi o surgimento da revista "Tempo", em princípios de 70. Tirando casos e nomes isolados, poucos, nunca ninguém, um órgão de informação de grande circulação e todo o seu colectivo se atrevera como eles a fazer capas e reportagens sobre assuntos que eram tabus, quase vacas sagradas. Aí na tua terra, a Beira, houve bons exemplos da coragem de remar contra a maré, dando a cara e assinando por baixo. Assim de repente recordo Carneiro Gonçalves e Gouvêa Lemos, ambos já falecidos, aquele até precocemente num estúpido acidente de viação na Manhiça quando estava a horas de embarcar para a "metrópole" e assumir nada menos que a chefia da redacção do explosivo neófito da imprensa portuguesa, o hoje ainda referencial semanário "Expresso", a convite directo do seu proprietário, Francisco Balsemão na altura mais conhecido nos Estoris como "Chiquinho do Porsche" (mangusso; mangusso de primeira água... lol).
Dos excessos? claro, onde não os há quando de repente "tudo" que era assumido como placidamente eterno é posto em causa? e por "fedelhos", ainda por cima? Mas lá não destoamos do resto do Mundo nosso geracional e também CONSEGUIMOS. À nossa escala, pequenas vitórias que se iam conquistando e acumulando no bornal dos Direitos, mas fizemo-lo. Ámen. A nós e aos tempos, que a estes quem os viveu nunca os esquecerá.”
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