sábado, 26 de abril de 2008

epistolar para a Terra do Nunca: elogio a Evel Knievel

(…)

Gostava de ir àquele parque das sequóias gigantes, julgo que Yellowstone. E sim, também espraiar a vista pelo Grand Canyon, imaginar-me a ressurreição de Evel Knievel e conseguir saltá-lo, dar um salto gigante e chegar ao outro lado. Qual lado? não sei. Nem me parece ser importante. O salto, esse sim, esse é o marco que separa os formatados dos irredutíveis aldeões 'compagnons de route' do Astérix, chamem-lhes Easy Riders ou, apenas, outro grande sonho que é reler ao vivo Kerouac e fazer (o que sobrou da) a Route 66.

Outros fascínios? ir a Norfolk e 'sacar' o meu filho, dar com ele um pulinho mais abaixo e visitar Cape Canaveral. Depois voltarmos juntos, mais juntos que alguma vez estivemos. Acreditas que a distância aproxima as pessoas? Sim, tu vives na terra das distâncias, essa réplica moderna da Terra do Nunca do Peter, Pan de família e que é tão vasta em que há momentos que me acredito ser parte dela, familiar afastado mas companheiro e solidário nos voos acima de galeras de maléficos Ganchos e com muita, muita alegria. Num voo do Nunca acima da Terra. O Grand Canyon. Nevada e as suas lonjuras intermináveis e, imagino, secas, nudez bela. Ouvir o linguarejar hispânico da Califórnia, sentir o roush sem sono de Manhattan, lamber a gulodice com os melhores bifes do mundo que dizem que só se comem em Chicago. Tanto, tudo aí. Nos aís que há e nenhum aqui, que se veja da minha janela.

‘Sei’ de tudo, soube sempre de ti. Aqui, noutras lonjuras que são e-perto acompanhei e acompanhei-te - qu'o silêncio não precisa de falar, ele soa e até troa quando queremos, desejamos, ouvi-lo, ou ignorar o seu ruído. Há um ano atrás? Mais ou menos. E venceste. Não me admirei e tu provavelmente também não - pese que só quem se vê nas "amarelas" lhes sabe dar valor e o que elas custam. És um vencedor. Sabe-lo. E mais uma vez triunfaste. Agora olho o meu umbigo. Olho e vou agora falar-te dele.

Creio que no outro mail rocei dos meus males, deixa-me contar-te dos outros – que, já o disse a alguém, lavar as lágrimas ajuda a secá-las. Além do Crohn há, houve e provavelmente haverá mais. Tomo drunfos como se fossem smarties. De manhã são nove e às cores, ao longo do dia sei lá mais quantos. Deles, metade é tratamento psiquiátrico, agora em ambulatório. Antes, estive internado na respectiva ala, aquela das portas fechadas à chave, grades nas janelas e olhares perdidos no Nada, onde o resto do mundo não existe fora as refeições e as mistelas a horas certas. Só podia ter uma visita, a minha Webina que sempre me acompanhou, avé santa.

Não trabalho há mais dum ano. Não conseguia e agora já não posso, males próprios dos males e outros filhos de mim, da gota brilhante que era singelo brinco e julgou-se gordo cachucho, jóia soberba demais para ser real. Vivo com dificuldades, mas Vivo. Escrevo a letra em grande pois respeito a verdade da escrita: vivo-a como o meu último amor. Pena é ser um amor de famílias pobres, remediadas, e não ter havido dote nem hoje regulares subornos de satisfeitos sogros. A sua filha, a minha Escrita, Querida Escrita, casou com um Zé Ninguém, e quem tem esse nome não tem nome, donde resulta que quem o tem não consta na folha de remunerações da família, essa longa, extensa fila de cronistas e aparentados que são pagos por darem corda à caneta e divagarem a cavalo em A4 pelas ruas do mundo ou do seu bairro.

Eu também o faço, nem sempre estou fechado em casa a olhar o mundo através da minha janela e, um pouco aqui e ali, sejam os aquis os Grupos MSN e os Blogues, e os alis o jornal local e um ou outro que lá calha e me e-acolhem, lá vai o 'Carlos Gil' aparecendo num canto das páginas do meio. Sei lá se quem lê gosta. Chego a acreditar que sim por mails como o teu, às vezes palavras ao vivo de quem comigo se cruza e me 'reconhece', extraindo-me ao anonimato que hoje defendo com unhas compridas, veras garras. Também porque quem recebe os escritos e decide, decide mantê-los e, aqui e ali, a "coluna do carlos gil" mantém a sua periodicidade. Não paga, fora o adubo às pilosidades no umbigo, as tais a que recentemente senti necessidade de lhes fazer uma depilação rigorosa.

Sabes que gosto mais desta escrita, a epistolar? É mais íntima, solto melhor os sentimentos que quando sei que vai ser pública - a maldita auto-censura do mau escritor. Dos bons nunca serei: afinal praticamente só sei falar de mim e, se ficciono, desajeitado, dou o salto errado e sou atropelado em plena azáfama da NY do meu mundo ou afogo-me nas nuvens que pairam no Canyon - que lá as haverá também alterosas e cinzentas, e tão ácidas como uma big aplle mal mordida. Não sei escrever outro romance que contar de mim: a ficção não é da minha família, quer a de sangue quer a do tardio casamento.

A consolo, apenas invejo os Dan Brown's desse e deste mundo - e aqui há tantos, xiii... - pela independência económica que serem best-sellers lhes dá. Não sou arrogante quando digo que bem mais de metade dos livros que leio são como beber um copo de água do Luso: nem fazem bem nem fazem mal (a frase não é minha, e adorei-a). Mas há a outra, a tal escrita onde refulgem frases daquelas que obrigam a poisar o livro e os olhos vagueiam no horizonte íntimo, a pensá-las: não são água, isso é 'vintage' e é desse néctar que procuro beber para aprender a escrevê-lo. E há-o, encontro-o de vez em quando - não cito nomes pois eles são muitos e invejo-os um a um, a todos: eu, o aprendiz que se julgou de feiticeiro e saio diariamente chamuscado nessa fogueira, neste fogo lento onde o brilho das brasas se chama Escrever, que por vezes aquecem e sentimo-nos bem, mas às vezes excedem-se e criam frieiras nos dedos e eles mal suportam o peso da caneta quando relêem o que foi escrito, mal escrito. Por isso os invejo, e à calosidade que imuniza à dor.

Ambiciono, persigo, aquilo que há quem me diz ser 'escrita poética'. A frase bela, sem rodriginhos ou berloques balzaquianos. O arrumar de letras feliz, explícito e sentido. Legível. Que se leia que quem as escreveu encheu o aparo com a sua melhor tinta, e que ela é 'vintage'. Eis só o que queria, afinal sou Evel Knievel e a minha oculta ambição é saltar o Grand Canyon, esse néctar que Peter Pan conseguiu fabricar, e bebeu-o.

(…)

3 comentários:

Anónimo disse...

Li tudo, embora não tenha sido escrito para mim.
E depois não digas que tenho ciumes, não tenho, mas para mim não há necessidade, se te compreendo tão bem...
Obrigada por me aturares...lol
th

Anónimo disse...

Também li tudo e voltei atrás mais do que uma vez para reler.
Texto forte de quem resiste às vagas deste mar encapelado que é a vida. Mas nenhum temporal dura eternamente e quando o mar acalma surgem lindas praias...

p.s. Um abraço forte ao Miguel

Carlos Gil disse...

eu? releio-me...