segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

ao José Luis Peixoto

os arbustos estavam secos e o jardim - que quisera lindo, florido! tinha a sobrevivência mínima onde nem uma flor se via, sem herói ou heroína que se opusesse ao caterpilar que não tardaria a fazer a poda dos ramos secos, dos arbustos secos, da merda de mim, seca.
então, alguém que percebe dessa coisa da poda e acredita que há flores garridas onde o então seu "paciente" só vê cinzentos, falou-me nele, no teu poema, até trocando-lhe o nome mas essa foi a pista para encontrá-lo: ele, o João Paulo, o meu mais recente psiquiatra-amigo, falou-me num poema teu de presumido título "morreste-me". e eu vi luz na erva seca onde me esponjava e disse-lhe que não, que o "morreste-me" era realmente um texto teu, José Luis, o teu primeiro editado e em homenagem à morte de teu pai que só podia ser como fora, edição única, 'de Autor', o "mercado" não o tinha ou tivera em pilhas alinhadas, cemitérios de letras, arbustos e outras sombras que tais. e eu tinha um comigo, oferecido por ti.
mas o "morreste-me" era em prosa e não em poesia. sim, eu lembrava-me. tinhas-mo oferecido já lá vão tantos anos (fui ver: em 2000), as tuas lágrimas eram em prosa, prosa poética e não lágrimas de poesia. e eu tinha mais ''teu", sou teu leitor quando posso: uma orgulhosa 1ª edição do teu 'Nenhum Olhar', uma outra 7ª edição também desse nenhum olhar, rabiscado quando já se assina, e que encontrei perdido entre tantos livros de tantas cores que que não me apetecia trazer nenhum senão o que conhecia e gostara: trouxe então o teu, assinado, 7ª edição, meu duplicado. morta a dedicatória personalizada que - já lá vão sete anos! ainda não havia má tinta no meu tinteiro e o meu jardim era modesto, não o desleixara e mostrava, meio envergonhado meio orgulhoso, 'umas coisas que tinha escrito' aos amigos. tempos de lindo jardim, meu, ainda não invejava as alamedas. de ti, ainda tenho uns contos que vão aparecendo em edições avulsas ('hoje não'; ''minto até ao dizer que minto', etc) e, mais, um livro de poesia pois, tendo com ele chocado numa estante qualquer cheia de folhas secas (já reparaste em como as folhas secam nas estantes?) achei por bem trazê-lo e ler-te, ler a tua poesia pois esse é o jardim que não fenece à presunção e à frase mal parida. ou é ou não é. trouxe o "A criança em ruínas", da 'edições Quasi' e o poema que o dr. João Paulo queria que eu lê-se estava lá, até é contracapa em letras brancas em fundo negro, ramos arbustos folhas, tudo seco, começaram lentamente a desaparecer conforme lia e relia, e hoje até um canto de sol no meu jardim disse-me que, para ela, uma vela acesa é o lugar que não fica vazio numa mesa, a tua mesa, a dela, a que se me desistiu de forçar quando percebi que por muito que seja árido o jardim além da minha janela, tudo seco e tudo sem jeito, há mais lugares à mesa, tua, minha, dela.
bem, vamos ao poema, ao teu melhor poema, José Luis Peixoto que provavelmente nunca lerás isto, mas nem o precisas para saberes que - soubeste-o quando ele te nasceu! sim! "enquanto um de nós for vivo, seremos sempre todos". e sabes que mais? apetece-me chorar* quando assim leio:

na hora de pôr a mesa, éramos cinco:
o meu pai, a minha mãe, as minhas irmãs
e eu. depois a minha irmã mais velha
casou-se. depois a minha irmã mais nova
casou-se. depois, o meu pai morreu. hoje
na hora de pôr a mesa, somos cinco,
menos a minha irmã mais velha que está
na casa dela, menos a minha irmã mais
nova que está na casa dela, menos o meu
pai, menos a minha mãe viúva. cada um
deles é um lugar vazio nesta mesa onde
como sozinho, mas irão estar sempre aqui.
na hora de pôr a mesa, seremos sempre cinco.
enquanto um de nós for vivo, seremos
sempre cinco.


José Luis Peixoto
*faço-o muitas vezes, já agora. obrigado, José Luis.

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