Matei o Tico. Há uma hora atrás.
Ontem, quando cheguei, seriam umas onze da noite, como tantas vezes ele veio receber-me, sequioso pelas palavras de carinho que não lhe negava, nunca. Permiti-lhe roçar-se na minha perna mas como sempre não muito pois, abandonado às doenças (e por elas), o pêlo ralo mostrava a pele em úlceras, quistos, um tumor do tamanho duma bola de ténis numa perna. Essa perna que, hoje, há uma hora e picos atrás, eu pisei com a roda do carro – a mesma que, ontem à noite, eu o vi a cheirar quando fechei a porta para as escadas do prédio? – e parti-lha. O uivo foi terrível, terrível. Foi um choque ouvi-lo, mesmo habituado que estava, estávamos, a ouvi-lo gemer toda a noite à porta da casa ‘da dona’, a que «gosta muito de animais» mas que mal a doença de pele lhe apareceu há uns dois ou três anos atrás pô-lo a viver na rua, provavelmente por cautelar receio dela se transmitir aos restantes animais que mantém, encarcerados, num anexo, onde uivam ao calor horas a fio. O olhar dele, a dor dele. O seu gemer, esse ganir de dor. No banco de trás do carro, olhei-o várias vezes enquanto seguíamos para o veterinário. O gemer lento, sofrido, olhava-me e nem sei se me ouvia, ouvia o meu chorar que não conseguia dissimular nas palavras que lhe dava. O olhar dele, as pupilas quase a desaparecerem e o branco assustador, o ganir lento assustador. Não gemia muito, havia silêncio na dor que se lhe via, havia… resignação, talvez. Chorava noites inteiras, lamentava-se à porta da ‘sua casa’ pelas dores e pelo abandono, acredito.
O veterinário disse-me que além da fractura e de tudo o mais à vista haveria provavelmente lesões internas. Houve eutanásia mas não consegui assistir, fiz-lhe uma última festa, um último carinho sem medo de contágios ou do pestilento cheiro de abandonado, e vim cá para fora. Chorei. Sei que hei-de chorar mais quando, estacionando, lembrar-me que nunca mais o verei aproximando-se do carro abanando a cauda, os olhos em mim e o latido de carinho, sempre o roçar tímido e os olhos pedindo uma festa, carinho mútuo que não nos negávamos.
Ontem, quando cheguei, seriam umas onze da noite, como tantas vezes ele veio receber-me, sequioso pelas palavras de carinho que não lhe negava, nunca. Permiti-lhe roçar-se na minha perna mas como sempre não muito pois, abandonado às doenças (e por elas), o pêlo ralo mostrava a pele em úlceras, quistos, um tumor do tamanho duma bola de ténis numa perna. Essa perna que, hoje, há uma hora e picos atrás, eu pisei com a roda do carro – a mesma que, ontem à noite, eu o vi a cheirar quando fechei a porta para as escadas do prédio? – e parti-lha. O uivo foi terrível, terrível. Foi um choque ouvi-lo, mesmo habituado que estava, estávamos, a ouvi-lo gemer toda a noite à porta da casa ‘da dona’, a que «gosta muito de animais» mas que mal a doença de pele lhe apareceu há uns dois ou três anos atrás pô-lo a viver na rua, provavelmente por cautelar receio dela se transmitir aos restantes animais que mantém, encarcerados, num anexo, onde uivam ao calor horas a fio. O olhar dele, a dor dele. O seu gemer, esse ganir de dor. No banco de trás do carro, olhei-o várias vezes enquanto seguíamos para o veterinário. O gemer lento, sofrido, olhava-me e nem sei se me ouvia, ouvia o meu chorar que não conseguia dissimular nas palavras que lhe dava. O olhar dele, as pupilas quase a desaparecerem e o branco assustador, o ganir lento assustador. Não gemia muito, havia silêncio na dor que se lhe via, havia… resignação, talvez. Chorava noites inteiras, lamentava-se à porta da ‘sua casa’ pelas dores e pelo abandono, acredito.
O veterinário disse-me que além da fractura e de tudo o mais à vista haveria provavelmente lesões internas. Houve eutanásia mas não consegui assistir, fiz-lhe uma última festa, um último carinho sem medo de contágios ou do pestilento cheiro de abandonado, e vim cá para fora. Chorei. Sei que hei-de chorar mais quando, estacionando, lembrar-me que nunca mais o verei aproximando-se do carro abanando a cauda, os olhos em mim e o latido de carinho, sempre o roçar tímido e os olhos pedindo uma festa, carinho mútuo que não nos negávamos.
Sinto-me horrível. Não me consola o 'já não sofre mais', não há consolo quando se 'decide' a morte; gostávamos todos do Tico, abandonado por razões cutâneas mas fiel à casa que fora a sua e a cuja porta procurava o alimento que não encontrava nas ruas, carinho. Este sentimento de culpa ficar-me-á perpetuamente, o passeio vazio dele e do seu correr para mim, para 'a festinha', o silêncio que haverá nas noites sem o seu gemer, o seu lamento, irá doer. Lembrá-lo, lembrar-me que fui eu que o matei. Não sei se ele, onde quer que seja o 'céu' dos cães de olhos tristes - que haverá para acreditar-se em repouso aos sofredores -, me perdoará. Sofria muito, mas a morte dói. Muito.
12 comentários:
Não tenho mais palavras para além das que me ocorrem dizer nestas ocasiões: eu sei que doi muito, gostaria de poder estar contigo para num abraço, em silêncio, no meu ombro poderes dar largas à tua tristeza, como só os amigos fazem.
Um beijo solidário, theo
Um abraço...
...pelo Tico, por ti e por mim que vos chorei. Sei, contudo, que o Tico, tão carente de ternura, teve os últimos momentos de amor dados por ti.
Clara
Poxa que dizer Carlos! a tristeza invade qualquer um que te lê. O teu sentir é o meu e, estou certa, de todos que te vão ler. Beijo grande para vcs, Ana
Carlos prefiro pensar assim , te tirar a dor, não vou, gostaria... Será que não estava marcado que assim fosse? Ele sofria bem antes e coube a ti lhe tirar a dor e o sofrimento de vez, da forma que foi, não importa , tenta esquecer. Onde ele ia sempre pedir um afago? Será que não foi ele te pedir o fim?!
Um beijo e um forte abraço,e apenas pense, ele agora não mais sente dor e nem fica do lado de fora. Onde o Tico estiver terá um amigo para olhar, e quem sabe enviar um ventinho por vezes em teu rosto em forma do carinho que tantas vezes lhe destes. Dá para sentir a tua dor , fica bem amigo Tareca
Foste amigo do tico, acredita.
beijo, muf'
Um abraço, Carlos.
Sei o quanto essa atitude custa, mas só mostraste ser uma pessoa digna ao tomá-la!
O Tico agora está bem, é só nisso que deves pensar.
Eu sou a favor da eutanásia, em todos os aspectos.
Um abraço,
Madalena
Estive a pensar e acho que
TU NÃO O MATASTE!
simplesmente, SEM QUERER, atropelaste-o e fizeste o que um bom amigo faz, levaste-o aonde ele podia ser tratado.
Só que ele já estava muito mal, pois nem saiu debaixo do carro quando arrancaste, pensa bem, ele estava lá já a pedir-te ajuda para acabar com o seu tremendo sofrimento. Tu não o desiludiste, foste o seu último carinho, ele não morreu sózinho, partiu suavemente em vez de ficar sofrendo num qualquer buraco durante intermináveis dias e noites.
A saudade vai pesar e vai durar um tempo, mas liberta-te dessa culpa que não tem razão de ser.
Tu simplesmente o ajudaste no que foi necessário fazer.
Um beijo, th
"já passou", no que é possível "passar". porque esquecer é imposs+ível.
igualmente do vosso apoio, thanks
Eutanaziar um animal é nessas circunstâncias o melhor que se pode fazer.Mas, penso que o que te doi é alvez não teres feito mais e melhor por ele enquanto foi vivo.........isso é que doi...........e se sei como doi pois aida hoje sinto isso pela minha querida Urssy........ainda sinto e sentirei sempre.........é irremediavel como a morte.Temos de saber viver com isso e tenatr fazer melhor de hoje em diante.Força!! Estou contigo....Ajuda os outros animais que estão em sofrimento enclausurados nessa garagem horrenda à sede e ao calor.AJUDA-OS!!! Eu ajudo-te..........please....
Não te culpes. Somente aceleraste e para bem dele, o desfecho.
Beijo
Abraço
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