domingo, 29 de julho de 2007

breve ensaio sobre a solidão

os estilhaços da paixão magoam mais que os dardos de Cupido. onde é que eu já li isto? que me lembre em lado nenhum, veio-me agora ao pensamento.
quanto mais nos nomadizamos mais interiormente ficamos sedentários. idem, ibidem.

se calhar isto seria um bom começo de ensaio, daqui discorria-se e citava-se, floreava-se, titula-se em mui nobre parangona e põe-se assinatura no fim. ensaio sobre a correlação entre as paixões e as solidões, a sempr'eterna dicotomia humana que, não prescindindo do fogo dos sentimentos resguarda o couro e o cofre das investidas predadoras. predadoras, interrogai-vos? sim, digo: a paixão é predadora, saliva por 'possuir' o bem-amado, é algoz de silêncios e recatos, independências.

o céptico enquanto jovem amou e desejou, perseguiu e cortejou, iniciado nas artes de galanteria fez as rimas mais incríveis para, à guiza de prémio mor, obter atenções e correspondências, sacrifica o seu mundo em nome da mítica 'paixão', droga dura dos sentimentos. em desagravo obtém felicidades que os tempos mostram perenes, risos e estertores que, momentos, só isso duram e na memória fenecem pois ela lembra é dos estilhaços, da implosão íntima de ícones e o longo suspiro pelo estado antes da arte, a saudosa, preciosa, almejada solidão. paixão é dependência e aos cliques de descavilhar de granadas não há heróis ou heroínas, há que buscar nos salvados os restos do Eu, correr cortinas sobre o mundo. a solo.

heis, em crueza e em tosco, retrato de cenário após a fim das ilusões. esta é conhecida, não tem autor além da sapiência das gerações que a repetem desde que os olhos se perdem no horizonte, reclamando eremitismos que o protejam das desilusões: cada Homem é uma ilha. nem atol de lindos corais ou arquipélago de radiosas praias: apenas ilha. a sua. somos sócios do Club Med por falta de fundos e, pudéssemos, comprávamos viagem para ilhas longuínquas, sós. no farnel mais que o prático pois há mais coisas indispensáveis, há silêncios e há momentos, aos mais feridos há o lamber delas, chagas que os estilhaços abrem. falo do amor em versão paixão, mas falaria pelas mesmas palavras de qualquer recanto no mundo além cortinas, do formigar e dos carreiros, em olhos abonados de desilusões. tantos. ardendo em saudade da solidão, vigiando torniquetes onde mais sangrou e, os olhos, sempre esses temerosos da dor.

reclama-se o idílico nas vidas espreitadas em décor. não acreditando nas páginas policromáticas de felicidades imensas, mas invejando-as sempre um pouco, tapa-buracos de solidões. ardendo, no tal fogo lento que arde sem se ver, dizia Camões, poeta que se hoje vivesse se suicidaria. os sorrisos que não temos e, quando em transe e julgando tê-los, foram esgar foram dor: as cicatrizes contam do mapa que os estilhaços desenharam, também das compresas e das cortinas, do placebo de mentir acreditando nas páginas de felicidade alheia, qu'as paixões vêm com rótulo de eternas e, desta vez, na sua composição não haverá anabolizantes que façam mal à saúde, ao Viver. sem corantes nem conservantes, desta vez é que é e não será mais um sonho de plásticos, pfff quando fura e acaba, dardos, torpedos, granadas que explodem no silvo da sua morte. Ilusões.

todo os dias há um barco que parte, e todos os dias procuramos o seu cais. nunca o vemos mas ouve-se o apito quando passa e, em baque, olhamos para o lado para ver se há mais passageiros em terra, se da coincidência de busca de cruzeiros para míticos arquipélagos não há ilhas que se juntem, namorem. que vagueiem nos oceanos dando costa a costa, as areias molhadas e misturadas, o perfeito postal ilustrado. semeiam-se carências e espera-se que nasçam palmeiras, dóiem os olhos quando o recordam no após, na pradaria do silêncio onde correm os que fogem aos predadores e, também, o velocista que temos quando "os estilhaços da paixão dóiem mais que os dardos de Cupido", coisas assim.

a solidão não é auto-suficiente. agiganta-se em temores e rema-se, rema-se para alcançar o porto, aquele donde sai o barco que deixa sinal sonoro e desperta do clorofórmio que se inala. há sempre movimentos de remos, círculos nas águas em volta de nós: boía-se em lagos de imaginação, ricos em contos de fadas e outras adrenalinas mais abastardadas, mexem-se os remos com vagarosas braçadas de esperança: não morri, afinal; os combates perdidos não mataram o gosto à modalidade e, podendo, farnel às costas e adieu Club Med. longe, na ilha mítica, a Solidão.

em final: digavando ao deus-dará cheguei a isto. uma rotunda. tantos caminhos diferentes que partem dum porto só, tantas as teias que se cruzam quando os temas escavam os cantos e descobrem os metais dourados cheios de pó ou, às vezes, verdete e sarro em crostas. servir duas senhoras antagónicas é complicado, paixão e solidão ainda mais. pessoalmente divido-me em acessos de carências afectivas sempre por saciar e longos roncos de silêncio olhando o horizonte da solidão, a tal idílica. o meu pensamento seguiu diversos rumos, espreitou as saídas da rotunda, divaguei. deseremitei-me, vim à vila buscar mantimentos e sentei-me a dois dedos de conversa. hoje de solidões, à próxima em ilusões. para equilibrar.

1 comentário:

Anónimo disse...

Senti, bateu, viajei, doeu!
Pq? nem eu sei, ou saberei?! ;)

Gostei muito ! escreves sentido, por isso sempre viajo na tua escrita. Beijinhos , boa semana.