a minha relação com os jogos de
fortuna e azar é de esforço e de fé. esta, porque acredito. sim, um dia será. e
por isso todas as semanas faço a aposta semanal, uma única em cada um dos
jogos. uma única: é preciso é estar presente. o esforço: mesmo parcos, já houve
vezes em que os euros despendidos na véspera fizeram falta. acontece. como um
dia acontecerá que tudo isto será passado: virá.
os prémios são modestos, e mesmo
numa ração controlada são mais as semanas onde não pagam a despesa que o
inverso. afinal é esta a situação normal, e também por isso as apostas se
reduzem ao mínimo: até ao “tal dia” – e só sairá numa única aposta, indiferente
ao tamanho do leque de papelinhos na mão – a coluna do prejuízo será sempre a
maior. era estúpido agravá-lo.
ontem à noite foi um momento de
excepção, já a cama chamava quando numa última vista de olhos pela página
online do jornal vejo que a extracção do Joker já tinha resultados. a tendência
no Joker é olhar só para o nº da terminação, pois se ele não coincidir então
nem que os outros seis façam o pleno de nada valerá: o prémio mais baixo
premeia os dois últimos números certos, e, sem isso, haja o que haja, é só fogo-fátuo.
ora não só tinha o último certo como os dois seus anteriores: 50 euritos
garantidos – e se vinham com sabor que nem ginjas… curioso, verifiquei mais:
dos quatro nºs restantes ainda acertara dois, e sem o ‘falho’ de intervalo –
após os três certos - não eram cinquenta mas sim cinquenta mil os sorrisos garantidos
(para a taluda, o ‘jackpot’, faltava também o primeiro da série). enfim, não há
que ser invejoso nem glutão, e foi confortado que adormeci.
as apostas semanais calhou que
também acabaram este fim-de-semana, assim esta manhã fui renovar a fé por outra
semanita e, já agora (aqui em itálico, para se perceber melhor), “como quem não
quer a coisa” receber os 50. e o que mais houvesse. não sou cliente fiel a um
único agente, mas há um que privilegio dado ser uma volta que gosto de dar a
pé. e lá fui. a casa estava quase vazia, e a máquina de leitura arreliada: ao
primeiro boletim encravou. conversa para cá conversa para lá, aproveitei e
lembrei que desejava uma nova série de esperanças para a semana, e enquanto a
máquina fazia ‘Reset’ abeirei-me duma pilha de livros de bolso - nunca se sabe
o que se encontra sob capas modestas. não: o que havia e podia ser de interesse
eu já tinha, nem que noutras edições. mas já catei nestas, baratuchas, momentos
de prazer e de riqueza às minhas estantes.
e nesse entretém a máquina
reinicia-se e quem de direito reinicia a introdução dos boletins. eu sabia que
“o” premiado era o segundo do monte, quando entrara e os tirara do bolso vira
isso. falta aqui dizer que como os prémios são espécime rara e fraquita
usualmente acumulo algumas semanas de apostas, até juntar tudo-muitos e duma única
vez dá-los à conferência. já aconteceram felizes surpresas: sem a menor ideia
ou lembrança dalguns prémios mínimos, a sua então descoberta e respectivo cúmulo
não só permitem a renovação semanal sem ter de meter a mão no bolso, como, até,
fazê-lo mas para meter em vez em tirar. tlim-tlim. os tais fogachos que
alimentam a fé do “Um dia…”
pelo rabo do olho ainda vi o
valor ’50,00’ no visor, antes da máquina avariar novamente, clic-clic, nervosamente
um botão premido e o ecrã some-se, e quem de direito e com meia praga nos
lábios abre-a e retira o boletim renitente, abre-a e fecha-a, e mete outro boletim
à conferência. aquele, o do lampejo fugaz, foi pousado no balcão e levou um
rápido risco transversal, inidentificado e inexplicado, a conferência seguiu-se
sem comentários e os sem prémio – agora com essa indicação certificada pela
máquina e bem visível - juntando-se em montito sobre o… sim, o premiado-riscado.
lixo? espera aí, que começa a parecer-me que alguma coisa não está certa na
sequência… calha que o último sujeito ao crivo também tem prémio: 2,80. um dos
tais que não recordava, a surpresa, e o comentário contente: «olha olha… foi em
quê? Totobola?» mal o dissera percebi o erro, e, também, logo, ela: «…no
Totoloto. São 2,80. Quer receber, ou…». o ecrã dizia, só (aqui itálico; itálico
fodido) 2,80. oh oh…
silêncio e olhos nos olhos. uns
segundos de silêncio que eu quebro: «mas… e não está aí um com 50?...», e
rápido o ‘riscado’ regressa à máquina e o ecrã acende-se, soma, diz-me que o
mundo afinal está certo embora nele haja pessoas que estão erradas. «pois é,
pois é. 50 e mais 2,80, já faço a conta», e seguem-se clic-clics numa calculadora de bolso para
subtrair o valor da tal minha aposta semanal, e «dá 46». sem sons, sem
comentários, tudo inocente e inócuo, pagou-me. e estava ruborizada. filha da
puta.
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