quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

A História Universal

"(...) Passara quase um ano desde que a minha mulher anunciara a sua intenção de voltar para Londres com Jake. Isto aconteceu numa noite de Outubro, estávamos na cama, lado a lado, no nono piso do hotel Chelsea. Tínhamo-nos refugiado no hotel em meados de Setembro, e ali permanecíamos, numa espécie de paralisia, apesar de as autoridades já nos terem autorizado a regressar ao nosso loft em Tribeca. O apartamento que ocupáramos no hotel tinha dois quartos, uma pequena cozinha e uma vista da extremidade do Empire State Building. (...) A norte do hotel, as sucessivas ruas transversais cintilavam como se em cada uma delas houvesse uma madrugada. Os faróis traseiros dos automóveis, o brilho cru dos edifícios de escritórios desertos, as montras iluminadas, a indistinta auréola laranja dos candeeiros de rua: todo aquele lixo de luz fora refinado e convertido numa atmosfera radiosa, num pequeno monte prateado que pairava sobre o centro da cidade e que me dava a ideia louca de estar a contemplar o último amanhecer de Nova Iorque.
(...)
- Tomei uma decisão - disse a minha mulher no escuro. - Vou levar o Jake para Londres. Amanhã vou falar com o Alan Watson a respeito duma licença sem vencimento.
Estávamos deitados de lado, de costas um para o outro. Mantive-me imóvel. Não disse palavra.
- Não vejo outra solução - continuou Rachel. - Não é justo para o nosso filho.
Mais uma vez fiquei em silêncio.
- Percebi o que queria, quando pensei em fazer as malas e em voltar para Tribeca. E depois? Começar de novo, como se nada tivesse acontecido? Para quê? Para termos este fantástico estilo de vida nova-iorquino? Para continuar a arriscar a minha vida todos os dias por um emprego que me obriga a estar longe do meu filho? Quando nem sequer precisamos de dinheiro? Quando já nem sequer gosto do que faço? É de doidos, Hans.
Sentou-se na cama. Seria apenas por algum tempo, disse em voz baixa. O tempo suficiente para ter outra perspectiva das coisas.
(...)
Acendeu um cigarro. Tinha voltado a fumar depois de um interlúdio de três anos.
- Talvez até seja bom para nós - disse-me.
(...)
- Que pensas disto? Hans, diz alguma coisa, por amor de Deus.
Eu continuava de costas para ela.
- Londres também não é seguro - disse-lhe.
- Mas é mais seguro, Hans - disse Rachel num tom quase suplicante. - É mais seguro.
- Então vou com vocês. Vamos todos.
Ouviu-se um roçagar no cinzeiro, quando Rachel apagou o cigarro.
- É melhor não tomarmos demasiadas decisões importantes - disse a minha mulher. - Podemos vir a arrepender-nos. Teremos as ideias mais claras daqui a um mês ou dois." págs. 26 a 30

"Como uma porta velha, qualquer homem que tenha passado uma certa idade traz deformações e fendas de um tipo ou de outro, e uma mulher que tencione dar-lhe um uso sério deve estar disposta a algum trabalho de carpintaria." pág. 112

"E acontecera, mais uma vez, uma daquelas conversas planeadas que rapidamente perdem o rumo, que nos deixam apenas com raiva, uma raiva elucidativa, neste caso, em que tudo me regressou à memória sob uma luz crua: o arrefecer do nosso casamento, os dois anos em Nova Iorque em que ela me negara os beijos na boca, em que mos negara silenciosa e sistematicamente e sem queixas, desviando até os seus olhos, quando os meus os procuravam emocionados, cultivando em todo esse tempo uma domesticidade conscienciosa e uma ética maternal que a isentavam de culpa, impedindo-me de me aproximar, impedindo-me de encontrar falhas ou sentimentos, esperando que eu perdesse a coragem, que abandonasse as minhas vontades e as minhas expectativas mais humanas, que carregasse os meus fardos em segredo, e nunca, no meu tempo de luto, ela se referira à minha mãe, nem mesmo quando comecei a chorar na cozinha e deixei cair uma garrafa de cerveja ao chão, tal era a minha tristeza. Rachel limitara-se a limpar o chão com guardanapos, sem dizer uma palavra, e depois passara-me a mão livre pelo ombro - pelo ombro! -, quando levava os guardanapos ensopados para o caixote do lixo, nem um abraço, e não por falta de compaixão, mas porque receava que lhe pedisse outros gestos de carinho, um pedido que a obrigava a reconhecer uma repulsa mais íntima, repulsa pelo seu marido ou por si própria ou por ambos, uma repulsa que viera de lado nenhum ou de dentro dela, ou talvez de algo que eu fizera ou deixara de fazer, quem sabia?, ela não queria saber, era uma decepção demasiado difícil de suportar, mais valia continuar com as tarefas do dia-a-dia, com o trabalho, mais valia deixar-me no meu canto, como dizem, deixar-me conformar-me com certas ideias, deixar-me desaparecer com a minha culpa num buraco que eu próprio cavasse. Quando chegou o momento de a impedir de partir, não soube o que pensar ou o que desejar, eu, o marido que se retirara para o seu buraco, que a abandonara, que a deixara entregue a si mesma, como me dissera, o marido que não conseguira dar o apoio e a intimidade que ela precisava, como se queixara, o marido que sofria de uma qualquer inaptidão, que já não a desejava, que, sob a sua escrupulosa conduta marital, vivia zangado, um marido cujos sentimentos tinham declinado até não restar mais do que um mero sentido de responsabilidade, um marido que, quando ela gritara «Não preciso que me sustentem! Sou advogada! Ganho duzentos e cinquenta mil dólares por ano! Preciso de ser amada!», pegara silenciosamente no filho e cheirara o cabelo perfumado do bebé, e saíra com ele para o corredor do hotel, deixando-o gatinhar, e que depois regressara e lavara as mãos sujas e os joelhos macios e sujos do bebé, e pensara no que a sua mulher dissera e vira a verdade daquelas palavras e julgara encontrar ali uma abertura, e decidira tentar uma nova aproximação, e às nove da noite, com o bebé finalmente tranquilo no seu berço, fora de coração cheio ter com a sua mulher e encontrara-a a dormir, como sempre, e não conseguira acordá-la.
Em suma, reprimi o impulso de dizer a Rachel que fosse à merda." (...) págs. 129 a 131

"Sem vestígios de crueldade, Rachel ri-se. De repente olha para cima: julga ter ouvido chamar do piso superior e pára de mastigar, pondo-se à escuta. E ouve-se de novo a voz de Jake - «Quero água, por favor!» - e lá vai Rachel. Ao chegar às escadas, detém-se e volta-se para ter a última palavra.
- Sabes porque se entendiam tão bem? Pedestal!
Não consigo evitar sorrir, porque se trata duma piada de Juliet Schwarz, a nossa terapeuta conjugal. Quando recomeçámos a viver juntos, eu e Rachel tivemos sessões semanais durante um ano, e inda visitamos a doutora Schwarz uma vez por mês no seu consultório em Belsize Park, apesar de dar por mim com cada vez menos que dizer, felizmente. A doutora Schwarz defende com veemência que o mais importante num casal é a admiração mútua.
- É o seu marido! - gritou uma vez a Rachel. - Pedestal! - gritou, erguendo um braço na minha direcção. - Pedestal!
A princípio, Rachel não seguia conselhos como aquele. Acusava a terapeuta de ser antiquada e mandona, e de ser parcial a meu favor. Questionou o seu doutoramento. Mas evidentemente acabou por lhe dar ouvidos, porque um dia, ao chegar a casa, encontrei um bloco de pedra calcária de um tamanho considerável no vestíbulo.
- Que é isto?
- Um plinto - disse Rachel.
- Um plinto?
- É para ti.
- Compraste-me um plinto?
- Um pedestal! - berrou Rachel. - Um pedestal!" pág. 167

"Há algum tempo, num outro encontro de amigos, o nosso anfitrião, um velho amigo de Rachel chamado Matt, fala sobre Tony Blair e sobre a sua catastrófica associação com George W. Bush, que Matt descreve como a personificação de uma variedade característicamente americana de medo e estupidez. Trata-se, deste lado do Atlântico, de um juízo comum, tão comum, na verdade, que não tem grande interesse; mas depois a conversa segue um rumo que hoje em dia é raro e centra-se nos acontecimentos de 11 de Setembro de 2001.
- Não teve assim tanta importância - observa Matt -, se pensarmos em tudo que sucedeu desde então.
Refere-se ao número de mortos iraquianos e, de um ponto de vista aritmético, compreendo o seu argumento, vejo-me até forçado a concordar. Refere-se também à amarga perplexidade com que assistiu, tal como o resto do mundo, creio, às diversas medidas da administração americana, e também aqui não sinto qualquer necessidade de o contradizer. Ainda assim, faço-me ouvir.
- Eu penso que teve importância - digo interrompendo alguém que está a falar.
Matt olha para mim pela primeira vez nessa noite. É um momento incómodo, porque enfrento o seu olhar.
Inesperadamente, Rachel diz:
- Ele estava lá, Matt.
Com a melhor das intenções e agindo com lealdade para com o seu marido e também por ser inglesa, Rachel quer atribuir-me uma posição privilegiada, a posição de sobrevivente e de testemunha ocular. Seria desonesto aceitar a sua oferta. Já ouvi dizer que a natureza indiscriminada do ataque transformou todas as pessoas que estavam na ilha em vítimas de um atentado, mas não creio que a proximidade geográfica da catástrofe confira esse estatuto a mim ou a qualquer outra pessoa. Não esqueçamos que, quando tudo aconteceu, eu estava no centro da cidade a ver as mesmas imagens televisivas que teria visto em Madagáscar.
(...)
- Não é essa a questão. Estou apenas a dizer que foi importante.
- Bem, claro - diz Matt, e percebo pelo seu tom que me quer fazer parecer picuinhas. - Não ponho isso em dúvida.
- Óptimo - digo com toda a brusquidão que a circunstância permite. - Então estamos de acordo.
Matt faz uma agradável expressão de cedência. Alguém recomeça a conversa, e tudo volta ao normal. Porém, reparo que Matt se inclina e murmura algo à pessoa sentada ao seu lado, que lhe murmura algo em resposta. Há uma discreta troca de sorrisos.
Por alguma razão, sinto-me furioso.
Volto-me para Rachel. Faço sinal com o olhar: «Vamos embora.»
Rachel não viu o que se passou. Fica surpreendida, quando me ponho de pé e visto o casaco. É uma surpresa para todos, visto que não terminámos o nosso frango assado.
- Vá lá, Hans, senta-te - diz Matt. - Rachel, fala com ele.
Rachel olha para o seu amigo de longa data e depois para mim. Levanta-se.
- Vai-te lixar, Matt - diz, despedindo-se de todos com um aceno." págs. 181 e 182

"Ouço a voz de Rachel ao longe.
- Queres um chá?
Estremeço. A pergunta chega até mim como o eco de uma outra, feita três anos antes.
- Queres um chá? - perguntou Rachel.
Foi em Londres, na cozinha da casa dos pais dela. Eu estava sentado á mesa com o meu filho e os avós dele.
- Sim, por favor - respondi, agradecido e um pouco surpreso com a gentileza.
Naquela primeira semana de férias, no começo de Agosto de 2003, Rachel tivera um comportamento diplomático. Mostrara-se atenciosa e contida e, tal como os seus pais, parecia tentar agradar-me. Todos estavam a fazer um esforço pelo Hans, o que não tinha explicação aparente e (compreendo hoje) só podia ser suspeito, uma vez que, como já referi, eu estivera ausente durante a maior parte desse Verão.
O chá foi servido. Meti conversa com Jake.
- Quem é o teu melhor amigo na colónia de férias? - perguntei-lhe. - O Cato? - Já ouvira falar muito de Cato. Imaginava-o sério e austero, como Cato Uticensis.
Jake abanou a cabeça.
- O Martin é meu amigo.
- Certo. - Era um nome desconhecido. - E o Martin gosta do Gordon, o Expresso? E do Diesel?
O meu filho anuiu enfaticamente.
- Ainda bem - disse-lhe. - Deve ser um excelente rapaz. - Olhei para Rachel. - Quem é o Martin?
Rachel levantou-se da mesa com lágrimas nos olhos e correu escada acima. Eu não fazia ideia do que se estava a passar.
- É melhor ir ter com ela - disse-me a senhora Bolton, trocando olhares furiosos com o marido.
A minha mulher estava deitada de bruços na cama.
- Desculpa - disse. - Devia ter-te contado. Foi horrível. Desculpa.
Deixei-me cair numa cadeira.
- Há quanto tempo?
Rachel fungava.
- Há cerca de seis meses.
- É sério, então - consegui articular.
- Talvez seja - disse ela com um ligeiro encolhr de ombros. - Só por isso é que o apresentei ao Jake - apressou-se a acrescentar. - Caso contrário, não o teria feito. Querido, tenho de seguir em frente. Tu também tens de seguir em frente. Não podemos continuar assim, à espera de que algo aconteça. Não vai acontecer nada. Sabes disso.
- Não sei merda nenhuma, ao que parece. - Julgava-me preparado para aquela possibilidade, ou, para ser mais preciso, julgara já não estar na posse da emoção necessária para me importar verdadeiramente.
Rachel estava agora sentada na cama e olhava o cobertor. Começara a deixar crescer o cabelo quando voltou para Londres, e um rabo-de-cavalo reluzente caía-lhe sobre um dos ombros.
Quando começou a falar, interrompi-a.
- Deixa-me pensar.
Fechei os olhos. Não havia nada a pensar, excepto que ela não estava a fazer nada de errado; que outro homem conquistara o seu amor; que, naquele preciso momento, Rachel estava a desejar que eu estivesse muito longe; e que o meu filho em breve teria outro pai.
- Quem é?
Murmurou um nome e acrescentou, sem eu perguntar, que ele era chefe de cozinha.
- Vou-me embora amanhã - disse-lhe, e Rachel fez um pequeno, terrível, aceno de cabeça." págs. 186 a 188

"Ficámos depois a saber que toda a cidade (na verdade, quase todo o Nordeste da América, de Toronto a Buffalo, de Cleveland a Detroit) ficou sem energia. Só mais tarde nos chegou esta informação - o que primeiro nos ocorreu foi que tivessem sido perpretados novos actos de violência sobre a cidade. Juntei-me às pessoas reunidas nos corredores, iluminados apenas pela distante luz acastanhada que vinha da janela ao cimo das escadas, e alguém especulou com autoridade que a central nuclear de Indian Point fora atingida e desactivada. Pensei fazer a mala imediatamente e tentar fugir da ilha a pé, ou de barco, ou correndo até ao heliporto da 30th Street e pagar o que fosse preciso para me transportarem de helicóptero dali para fora, estilo Miss Saigão. Em vez disso, dei por mim junto a uma janela do décimo piso a observar o trânsito imobilizado e o pânico na West 23rd Street na companhia da inquilina do apartamento, uma mulher de uma beleza convencional, com cerca de trinta anos, chamada Jennifer.
- Só há uma coisa a fazer numa situação como esta - disse Jennifer. - Afogar as mágoas. - Foi buscar uma garrafa de vinho branco, e durante uma hora contemplámos a confusão na rua. - Vou-me embora desta cidade - declarou a certa altura. - Acabou-se. Isto foi a gota de água. - Depois recebemos a boa notícia de que não ocorrera, afinal, qualquer desastre, e então Jennifer disse: - Só há uma coisa a fazer numa situção como esta, que é celebrar. - E foi buscar outra garrafa de vinho.
A quietude envolveu Nova Iorque. A Seventh Avenue estava repleta de pessoas que caminhavam tranquilamente para casa, e, por causa do calor, muitos dos peregrinos tiraram os casacos e até as camisolas, de tal modo que se nos oferecia um espectáculo de quase-nudez em massa. Jennifer passou muito tempo a tentar contactar o seu namorado. As redes telefónicas estavam congestionadas, e ela não conseguia fazer a chamada. Estava preocupada com ele, confidenciou-me, porque havia algo de ingénuo naquele homem que conhecera, segundo me disse, na leiloeira onde trabalhava: ele aparecera por lá um dia e dera-lhe instruções para vender um anel de diamante que lhe fora devolvido pela ex-noiva.
- Consegui vender-lho por quinze mil dólares - disse Jennifer sem rodeios. Entretanto, aquele cliente abandonado conquistara-lhe o coração. Ficou a saber que ele rejeitara uma vaga para estudar em Harvard para ir para a Case Western, porque a sua então noiva (a mulher para quem ele comprara o anel) lhe dissera que iria para esta última universidade; mas depois ela aceitara outro lugar e deixara-o encalhado no Ohio. - E ele não percebeu a dica - disse Jennifer. - Mas, nestas coisas, as dicas não bastam, pois não? - Só depois de começarem as aulas na Case Western é que ele descobriu que a noiva andava com outro homem. Era por isso que Jennifer estava tão preocupada, porque o seu namorado por vezes percebia tudo ao contrário. - Sabe o tipo de homem de que estou a falar? - perguntou-me.
- Acho que sim - respondi." págs. 192 e 193



Netherland Terra de Sombras, Joseph O'Neill, Bertrand, 2009

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

"bullying social"




Contado duma forma original, o processo de bullying social que leva uma jovem, Hannah Baker, à opção pelo suicídio. E muito bem escrito.
O sucesso deste livro, não assente em favores da crítica literária mas no passa-palavra (sim, ainda existe e estou a praticá-lo), dever-se-á a todos em algum momento da vida termos sido Hannah. Ou Clay. Com melhor final, senão não me estariam a ler e eu a escrever-vos.

"Por Treze Razões", Jay Asher, Editorial Presença, 2009


PS: um Bom Natal a todos que aqui passem. e num passa-palavra àqueles que encontrarem.

domingo, 13 de dezembro de 2009

O alfabeto correcto

Ando a ler Um arco-íris na noite, de Dominique Lapierre. Um dos livros de que se fala. Desde que lhe assomei via páginas do Ípsilon que desejei tê-lo e, igualmente, me recordou um dos romances históricos que me marcaram, lido ainda Nelson Mandela era prisioneiro em Robben Island e não se acreditava que o apartheid terminasse sem um novo rio de sangue entre raças: O Pacto, de James A. Michener, dois grossos volumes onde (ao que me lembro), pelo cruzamento das vidas de três famílias, se historia o surgimento da nação África do Sul, mas vai mais longe, tão longe como há 10.000 anos a.C.

Não são totalmente comparáveis: um é o relato com nomes próprios e rigor na identificação dos factos, outro um longo romance que é exaustivamente a história de um país, e antes dele uma região no Sul de África que será do tamanho da França, Alemanha e Itália juntas, e junte-se-lhe a Suíça que não destoará quer em dimensão geográfica quer no tamanho da riqueza que é tangível em cifrões.

Ainda não ultrapassei o meio mas já sei de duas coisas: vou continuar a gostar e a recomendá-lo, e que não destrona "O Pacto" naquele lugar onde se coloca o vencedor quando se responde a perguntas impossíveis, tais como «ou este ou este, só um.» Vou arranjar lugar na estante para ficarem lado a lado e melhor ordenação não lhes consigo, que alfabetos onomásticos são pormenores pois o que interessa num livro é mesmo o conteúdo.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

:-x

A um certo patamar (político) não se despedem os incompetentes: chutam-se para cima.

Prémio Leya 2009 - que se passa?

Acho estranho o livro de João Paulo Borges Coelho, "O Olho de Hertzog", vencedor do Prémio Leya '09 ainda não estar nas montras, dois meses depois do prémio ser-lhe atribuído. Foi a concurso como manuscrito, ainda não editado mas suponho que o texto na versão definitiva. Ora qual a editora, e autor, que não quererá aproveitar o embalo duma capa com a tarjeta "obra premiada" colando-se a memória recente, e, já agora, aproveitar esta época de prendas, Natal? É estranho!... Que se passa?

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

a multiplicidade de personalidades: "Álvaro, Castelo Branco"

Ando há uns seis meses intrigado com a assiduidade dum 'cliente', que no visualizador de entradas mais recentes ao blogue surge identificado como estacionado em "Álvaro, Castelo Branco".
Ora eu de Álvaro, na zona de Castelo Branco, ou de qualquer outra das terras chamadas de Álvaro, nada sei além da sua existência, e de forma adicional e tão residual a ponto de até esta insistência mo recordar nada saber de concreto e nunca ter pensado nela ou no "assunto", seja ele qual for o que em tão curiosa localidade ocorre. Nada, népias, e era o lado para que eu dormia melhor.
E isto intrigava-me, e até conjecturei.
Convenço-me hoje que o "Álvaro, Castelo Branco" sou eu. Eu entro ou saio do meu blogue, esteja em Almeirim, Ribatejo; Lisboa, Lisboa; ou Virgin Islands, U.S., e o registo é insistente e parvo e diz que faço-o estando em... Álvaro, Castelo Branco. Eu sou o Álvaro, Castelo Branco. Eu sou o meu Álvaro, Castelo Branco?

Conclusão imediata: além dos vinte eu's que já conhecia, é caso para dizer que nunca nos conhecemos perfeitamente. "Jamé!"

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

que se passa comigo e com Hitler?

Olho para o lado e tenho dois calhamaços, cada dumas mil páginas e tudo em letra pequena, que hoje me seduziram a ponto de estarem ali a olhar para mim. E já desflorados, que não marcharam para nenhuma estante. Um a biografia (da moda) de Hitler, e o outro (da moda), ainda maior!, da merda que ele fez.
Que é que se passa, foda-se?

domingo, 6 de dezembro de 2009

Coisas chatas

O Sr. Dr. O. Gono, Governador do Banco do Zimbabwe, será o tipógrafo mais infeliz do mundo: imprime lindas serigrafias e que valem milhões, e quinze dias depois elas passam a não valer um tusto…

Há jobs lixados! Mas lá que é teimoso é!…

sábado, 5 de dezembro de 2009

A fonética do amor

Pedem-me que conte uma história pessoal e marcante passada em Moçambique, de forma curta e intensa, como se com tais coordenadas fosse possível condensar o fogo fazendo-o luzinha e limitar o estremecimento quando um desafio assim é proposto. É que – foi inevitável pois foi marcante, ó se foi!... – o que me veio logo à memória é uma história de amor. A minha história de amor predilecta, o love story cuja bobine aninho com o carinho que dedicamos aos momentos mais belos das nossas vidas.

Recuando ao seu princípio, hoje acho que me apaixonei logo que a conheci, que com ela brinquei, ri e chorei, pois foi sempre em sua companhia que cresci. Dos sete aos vinte anos, dito com a precisão dos registos, então vividos sem noção de tempo além da mudança dos calções para calças boca-de-sino, hoje com a lenta minúcia com que nos recolhemos quando revisitamos o tempo das mais doces memórias.

Era um namoro descomprometido, que do meu amor por ela vivia-o no dia-a-dia com a naturalidade de sempre o conhecer, ser simplesmente assim, e, ela por mim, suspeito, com a gaiatice malandra das meninas namoradeiras, cortejadas por todos e capaz de a todos conceder o seu sorriso especial. Eu juro que tive os meus, juro-o porque o senti quer nos momentos que o rubor dos sorrisos íntimos e a discrição silenciam, quer em todos os restantes, dias, noites cheias e quentes que vivíamos intensamente, lado a lado em todas as ocasiões. Viver maiúsculo, chama-se quando se é jovem e chamo-o ainda hoje assim. Ser feliz.

Éramos jovens e ela muito bela. Atrevida, orgulhosa e vaidosa da sua beleza, e qual a bonita rapariga que não o é, que não exibe o volume dos seus seios como se fossem colinas na paisagem, que, gaiata e feliz, não solta mais um botão da bata do liceu para que se veja mais um pouco das suas lindas pernas, longas e elegantes, e olhá-las é perdermos o sentido do tempo e tudo o mais, como se em cada centímetro de veludo revelado fosse mais um passo numa longa avenida, a do crescer. As suas feições, ocidentais de arquitectura e de traço moderno com um ou outro pormenor clássico que lhe realçavam a beleza (aquelas covinhas quando sorria, ó deuses…), eram apimentadas pelo tom moreno da pele, bem além daquele que o sol nos grava quando nos namora, tão lindo, tão lindo, que só consigo dele dizer que com ele ela era eroticamente selvagem, enlouquecendo-me hoje de desejo em voltar a acariciá-la quando fecho os olhos e na memória a contemplo, linda como a mais linda das princesas.

Sim, ela era bonita, lindíssima, mas achava-o natural e acho que na altura até acreditava que todas as moças seriam assim como ela, perdidas de lindas. Mais tarde, depois dos tais vinte’s, tive outros namoros e até uma ou outra paixão, mas só então percebi que o adágio que diz que não há amor como o primeiro se lhe colava com plena justiça, que moça mais linda ainda não vi, e amor igual lamento mas ainda não me visitou e eu senti.

Olhando hoje com a minúcia da saudade o seu rosto e perfil, que seduziam todos que a conheciam – sei-o e sem ciúmes, ela era simplesmente assim! reconheço que para o conjunto ter ganho tanta beleza não era estranho – felizmente não! a mistura de sangues que herdara e nela se consolidava como a mais bela do mundo, tal qual cidade que eclode na paisagem com tal elegância e dinâmica e arrasa o que a rodeia, prendendo atenções, olhares e caminhos, minimizando as restantes belezas assim chamadas propriamente de limítrofes pois, filha assim do Homem sobrepõe-se às belezas naturais. Ela era simplesmente a mais bela, a moça mais bonita entre todas, e nós namorávamos sem de tanto me aperceber bem além da felicidade de fruí-la, que a demasia quando é nossa não incomoda, e ela era minha, tinha-a, minha quase desde que me lembro e me conheci. Dos sete aos vinte, recordo e sorrio com carinho.

Nem me ralava que fosse algo frívola, já o disse, não me fazia comichão que catrapiscasse o olho e sorrisse a todos que a olhavam, que não fosse esquiva nos beijos que aceitava, que o meu amor não fosse único, pois, quando se voltava para mim e me olhava, me mimava, eu sentia-me como se o fosse e era feliz. Quando se tem uma paixão assim, um amor enorme, gigantesco, qual a admiração por ele extravasar convenções, para quê complicar? O seu gordinho era enorme mas eu sabia que nele estava o meu melhor cantinho, e quando a olhava e via o sorriso retribuído, a carícia partilhada, tudo o mais se apagava e as ruas ficavam desertas e eu era o seu único príncipe, como se naqueles momentos de ternura eu fosse o único habitante daquela cidade imensa e linda que era o seu coração.

Foi assim. Eu chamo-me Carlos e ainda estou apaixonado, reconheço. O nome dela, da minha princesa moçambicana, é lindo como ela é e certamente será sempre, mesmo que por coisas da vida tenha adoptado no registo civil outro, consentâneo com uma nova situação legal. Chama-se Eleéme, quente como ela é, e pronuncia-se com os lábios terminando num beijo lento, final sempre feliz quando se tenta a fonética do amor.


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