...e a propósito desta notícia veio-me à memória uma história deliciosa sobre a proverbial forretice de Pablo Picasso, contada pelo delicioso escritor e cronista brasileiro Luís Fernando Veríssimo (saudade das suas crónicas no Expresso...), e que catei no seu "Comédias da Vida Pública", edição de L&PM (Brasil), de 1996, que comprei - segundo registo que na altura anotei - em 8 de Maio de 1997, por importação directa a meu pedido na livraria onde habitualmente me abastecia, recordo-o bem.
este acrescento serve para esclarecer que sempre gostei de ler autores brasileiros no seu português original, que isso nunca me fez cócegas além das naturais, e encantadas pelo encontro da riqueza da diversidade. mas adiante.
na crónica, de título "Pretensão", a fls. 228 do dito, LFV conta da fobia de Picasso em largar o pilim, usando como moeda os seus desenhos. por exemplo, quando amigos o visitavam e juntos faziam uma farra na tasca lá do sítio, já se sabia que Pablo nunca deixava ninguém pagar a conta, e, em rasgo já conhecido e do qual o taberneiro nada tinha contra pois depois vendia-os por valores muito superiores à "dolorosa", sacava da caneta e na própria toalha da mesa fazia uns rabiscos "à Picasso", e lá estava a conta paga. aliás, nos restaurantes perguntavam-lhe sempre se ele ia pagar ou assinar...
mas não é essa a história que me fez sorrir ao recordá-la, e que se ajusta ao título da crónica, embora noutra interpretação a moralidade que dela se extrai torne a justeza da sua aplicabilidade.... inversa. então conto: o bom do Pablo, quando mandava a empregada à loja fazer o avio do rancho, junto com a lista juntava sempre um desenho, mais ou menos aperfeiçoado conforme o tamanho da dita. e a coisa corria assim, aparentemente sem queixas de nenhuma das partes.
aparentemente, pois, duma vez, a empregada quando voltou com o cesto recheado entregou-lhe um papel dobrado, daqueles tipo de embrulhar bacalhau, e nele um desenho horroroso, nem uma criança falsamente precoce faria um desmimo daqueles. e vinha assinado: "Pinot" - o man da mercearia. «que raio é isto?» deve ter sido a exclamação de D.Pablo, a hesitar entre o horrorizado e o zangado, à empregada. e ela respondeu-lhe: «foi o monsieur Pinot que mandou, para entregar ao senhor. diz que é o troco».
bem, rezará a lenda e disso LFV fez eco público, com lombada e assinado, que D. Pablo Picasso nunca mais mandou a lista do avio sem as notas bancárias correspondentes. e eu pergunto-me, hoje em que por via desta notícia parti na busca da crónica e a reli com o prazer de quem encontra um velho amigo que já não vê há muito tempo, se LFV ao intitulá-la "Pretensão" a quem se referiria...
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